O ANJO NEGRO
Por que estou aqui, na minha sala, contemplando um cadáver vestido em uma camisa de força e que parece me sorrir? Será que estou ficando louca? Logo eu, que costumava tratar a loucura dos outros com doses de tranquilizantes e teorias freudianas decoradas nos bancos de universidades públicas? O que será a loucura, afinal? Será que alguém em sã consciência poderá mesmo julgar a sanidade alheia?
Tudo começou na noite em que recapturamos a louca que havia fugido pela terceira vez do sanatório. Liguei para meu marido, avisando que não poderia chegar na hora combinada, teria de estar presente quando a trouxessem de volta. Como diretora da instituição, era meu dever saber como ela havia conseguido burlar pela terceira vez nosso sistema de segurança em pouco mais três anos de internação. Passamos o dia como loucos, com a licença do trocadilho, atrás da interna, pois sabíamos da sua periculosidade. Sempre que fugia, deixava atrás de si um rastro de sangue, e era necessário impedir isso a todo custo, nem que eu tivesse de acampar na minha pequena sala, de onde comandava 25 funcionários, de serventes a médicos, passando por seguranças, cozinheiros, secretárias e enfermeiras.
Quando, finalmente, conseguimos capturá-la, já era tarde da noite, mas mesmo assim pedi que a trouxessem à minha sala. Precisava descobrir o que ela andara aprontando durante aquele dia. Já podia ver a farra que os jornais sensacionalistas fariam quando descobrissem a nova proeza da "modelo louca", como eles gostavam de se referir a ela.
Dois dos guardas mais fortes tiveram dificuldades em trazer Anabela Fiorino até a minha sala. Eles pareciam ter medo dela, que apesar de pequena e franzina, impunha respeito pela fama que lhe precedia.
Depois de protestar um pouco por ter que me ver ainda naquela noite, resolveu se aquietar. Já fora uma bela mulher, poucos anos atrás; hoje, porém, era apenas a sombra do que um dia fora, uma das modelos mais disputadas do mercado nacional de moda, com passagem pelas passarelas de Nova York, Milão e Tókio.
Pedi que os guardas a sentassem na cadeira em frente à minha mesa e saíssem da sala. Eles me olharam espantados, mas nada disseram. Verificaram se a camisa de força estava firme e só então nos deixaram a sós.
- Então você fugiu mais uma vez, Anabela.
Ela sorriu, jogando a cabeça para trás.
- Sim, doutora. Não gosto muito desse lugar. De vez em quando preciso espairecer um pouco...
Peguei a ficha corrida da paciente e folheei, sem muito interesse. Sabia de cor tudo o que se passara com ela desde que chegara ao sanatório, cerca de três anos atrás.
- O que você aprontou desta vez, Anabela?
Ela deu uma gargalhada que até os guardas devem ter ouvido, do outro lado da porta.
- Você terá de adivinhar, doutora. Não será tão fácil como das outras vezes.
- Tem certeza de que não quer me contar?... Cedo ou tarde iremos descobrir mesmo...
Ela me fitou no fundo dos olhos e, por um momento, pareceu me compreender. Confesso que me incomodou um pouco aquele olhar, por um instante parecia que ela sentia... pena de mim. Em seguida, desviou os olhos para o portarretratos que mostrava eu e minha família durante um passeio ao Jardim Botânico, alguns meses antes.
- Faço um trato com a senhora, doutora: ouça a minha história, do princípio ao fim, sem me interromper. Então eu contarei o que fiz hoje.
- Sua história é de domínio público, Anabela. Não há, nesse país, quem não a conheça.
- Talvez. Mas eu quero contar a minha versão. Ninguém nunca ouviu a minha versão, nem mesmo os jornalistas. Tudo o que eles fizeram foi juntar os fatos conhecidos. Mas, de verdade, eles somente puderam ter uma ideia do que aconteceu. Eu quero lhe contar o que de fato se passou comigo, nos últimos cinco anos. Está interessada?...
Era uma oferta tentadora. Havia muitas coisas inexplicáveis na vida daquela mulher que os jornais sensacionalistas tentavam mais não conseguiam explicar de modo satisfatório. E agora ela estava querendo contar a mim. Mas em troca de quê?... Desabafar?
- Está bem. Desde que você me permita gravar. Não quero perder nenhum detalhe.
Ela sorriu novamente.
- Fique à vontade, doutora.
*
- Mãe, ele tá olhando pra mim. - disse Lucas, meu filho de cinco anos, que havia parado de brincar e olhava fixamente pela janela do seu quarto, no primeiro andar da casa.
- Ele quem, filho?
- O anjo, mãe. Ele tá parado bem na porta da casa da dona Marta. Será que ele quer entrar lá?...
Parei de folhear a revista de moda que tinha nas mãos e resolvi dar atenção a ele, que não parava de olhar pela janela.
Era um menino adorável. Olhos negros e espertos, filho único desejado com todo ardor. Fora uma gravidez difícil, e mesmo antes dela, a batalha para que viesse ao mundo ainda não estava de toda esquecida. O médico dissera que eu não poderia gerar um bebê. Rebelei-me contra aquela sentença, não seria estéril, não eu. Queria como ninguém segurar um filho em meus braços, amamentá-lo, vê-lo crescer e tornar-se um homem decente. Não abriria mão daquele sonho por nada desse mundo.
- Mãe, ele entrou na casa.
Novamente a voz de Lucas trouxe-me de volta ao presente. Estremeci ao lembrar-me daqueles tempos difíceis, em que quase me separei do meu marido. Tinha sido uma loucura, mas valeu a pena tudo pelo que passamos. Quando olhava a figura do meu garotinho, quase na ponta dos pés, tentando enxergar pela janela escura, sentia-me reconfortada.
- Eles estão saindo, mãe. - Informou Lucas. - Tchau, seu Anjo!... Tchau, seu Martinho!...
Levantei-me da cadeira e atravessei o quarto para postar-me ao lado de Lucas, que agitava as mãozinhas freneticamente, dando adeus. Sabia que seu Martinho, o vizinho, não costumava sair de casa àquelas horas da noite, pelo menos era o que eu pensava.
Havia algum tempo que Lucas começara a falar nesse anjo. No princípio era apenas mais um amigo imaginário, dentre os muitos que ele ocasionalmente arranjava, mas eu começava a me preocupar com este, especificamente. Depois que o anjo aparecera, todos os outros amiguinhos imaginários desapareceram.
- Onde eles estão, filho?
Ele me olhou com olhos inocentes.
- Já se foram, mamãe. Mas não é tarde demais para seu Martinho ir passear?
Abracei-o, fechei a janela e o coloquei na cama.
- Também já é tarde para crianças estarem acordadas, mocinho. Trate de dormir, amanhã você tem aula cedinho.
Despedi-me dele com um beijo na testa, apaguei a luz e parei na soleira da porta.
- Não se esqueça, qualquer coisa eu estarei bem aqui ao lado. Boa noite, filho.
- Boa noite, mamãe!...
Saí do quarto preocupada. Precisava conversar com meu marido a respeito desses amigos imaginários assim que ele retornasse da viagem. Não estava bem certa de que era algo saudável, ainda mais que Lucas não era um garoto triste ou solitário. Tinha tantos amigos na vizinhança e na escolinha, por que precisaria de um amigo imaginário?
Deitei-me e levei algum tempo até conseguir adormecer.
*
Enquanto ela contava sua história, eu anotava alguns detalhes que julgava importantes na narrativa. Perguntava-me o porquê de ter começado justamente nesse ponto. Parecia que o que acontecera antes não tinha muito importância para ela, mas me contive e não a interrompi, deixei-a continuar sua narrativa. Como narradora, ela procurava dar a impressão de estar falando da vida de outra pessoa, não da sua própria. Talvez, com esse distanciamento, quisesse frisar sua suposta inocência. E, no entanto, eu bem sabia do que aquela mulher era capaz.
*
Lucas estava parado à beira da janela, dando adeus ao anjo quando, de repente, a proteção de tela arrebentou e ele foi arrastado janela afora, de surpresa. Eu gritei e corri para tentar pegá-lo, mas não consegui e seu corpinho escapou-me por entre as mãos, caindo bem no meio das rosas do jardim, num baque surdo e horripilante.
*
Bem aqui eu percebi que ela não conseguiu manter-se distante dos fatos. Sua voz tremeu, seu rosto parecia uma máscara de dor, mas mesmo assim ela me encarou e continuou a narrar.
*
Acordei assustada, suando e tremendo. Olhei as horas e vi que já eram duas da manhã. Corri ao quarto contíguo e só me tranquilizei ao vê-lo respirando normalmente. Fora apenas um pesadelo, graças a Deus.
Havia uma movimentação estranha na rua que chamou minha atenção. Olhei pela janela e vi as luzes de uma ambulância que estava parada bem em frente ao portão da casa vizinha. Algumas pessoas olhavam pelas janelas, outras saíram de suas casas para acompanhar de perto o que quer que fosse aquilo. Vi quando os paramédicos retiraram uma maca de dentro da casa e fiquei chocada ao perceber que havia um corpo nela. Logo em seguida, dona Marta também saiu amparada por um dos filhos. Ela chorava copiosamente.
- Mas... Não é possível!... – espantei-me, enquanto acompanhava a infeliz mulher sentar-se no banco de trás do carro da família. - Não é possível... - repeti aturdida.
Olhei para meu filho que dormia tranquilamente e lembrei-me da cena de algumas horas antes, seu Martinho saindo para dar um passeio com um... Anjo.
Lá embaixo a ambulância deu a partida, logo seguida pelo carro. E as pessoas voltaram para suas casas.
*
- Filho, me conte mais sobre ontem à noite.
- O que, mamãe?...
- Sobre o... Anjo e seu Martinho. Você os viu sair de casa?
- Ah, isso... Vi sim, mamãe. - respondeu, enquanto tentava passar manteiga numa fatia de pão.
- Eles... pareciam amigos?
- É, acho que sim.
Preferi não perguntar mais nada.
Como faz falta a presença de um marido por perto! - pensei, enquanto levava Lucas para a escola. Precisava conversar com alguém, mas meu marido estava em viagem de negócios e ainda levaria dias para retornar.
Deixei Lucas na porta da escola e fui trabalhar.
*
- Oi, filho, mamãe chegou.
- Mamãe, mamãe!... Venha cá, deixa eu te mostrar...
Lucas me puxava pelas mãos, entusiasmado. Eu nem bem chegara do trabalho e ele já me esperava, ansioso. Gertrudes, a empregada de confiança que tomava conta dele na parte da tarde, havia ido embora minutos antes.
Subimos as escadas, com Lucas sempre me puxando pelas mãos.
- Aqui, você agora vai ver.
- Ver o que, Lucas?
- Ele.
Entramos no quarto e eu, imediatamente, arrepiei-me da cabeça aos pés. Tentei puxá-lo para junto de mim, mas ele desprendeu-se de minhas mãos e correu em direção ao centro do quarto.
- Esse é o meu amigo anjo! - ele disse, apontando para a cama.
Eu não via nada, mas podia sentir a presença de alguma coisa naquele aposento. Tentei segurar Lucas pelos braços.
- Filho, venha cá. Mamãe está chamando, venha cá, Lucas!...
O desespero começou a tomar conta de mim.
- Mas mamãe, ele é meu amigo. Você vai gostar dele.
- Não filho, venha comigo, eu estou pedindo. Vamos sair desse quarto, por favor.
De alguma forma ele captou o desespero em minha voz e começou a andar na direção da porta. Agarrei-o com força, e já estávamos quase saindo, quando, de repente, eu o vi, através do reflexo no espelho na parede. Durou apenas dois segundos, mas tive certeza de que o vira, sentado na beirada da cama, olhando-me com um sorriso de escárnio nos lábios, um anjo negro, um enorme anjo negro. O anjo da morte.
A porta bateu com um estrondo e Lucas gritou. Ainda tentei abri-la, mas sem sucesso. Estávamos trancados e sozinhos na casa.
- Não adianta fugir, Anabela – sussurrou o anjo. – Você me deve algo, lembra-se?...
Minha alma congelou completamente dentro do meu corpo. Abracei meu filho com mais força ainda.
- Não! - gritei. – Você não existe, não pode existir. Vá embora, nos deixe em paz...
Lucas não entendia o porquê de a mãe estar tão agitada, mas sentiu medo, muito medo.
- Lembra-se? - Tornou o anjo a repetir.
Sim, eu me lembrava. Lembrava-me o quanto fora difícil engravidar, lembrava-me das promessas feitas a todos os santos, sem resultado algum. Lembrava-me da noite em que, já desesperada de tanto tentar em vão, prometi que entregaria meu filho, desde que tivesse um filho para entregar. Olhei assustada para Lucas e agarrei-me a ele em desespero, chorando e soluçando.
- Não, por favor, nos deixe sair. Você não pode me tirar o bem mais precioso que eu tenho, por favor, não...
Agora podia vê-lo com nitidez, a apenas dois metros de distância do canto em que me encolhera com Lucas.
- Você fez um pacto, agora é hora do acerto de contas. Ele vem comigo...
E estendeu os braços na direção do menino, que parecia petrificado diante dele.
- Não, por favor, deixe-o, leve-me em seu lugar, ele não tem culpa de nada...
O anjo negro abriu suas enormes asas e acolheu a Lucas em seus braços, num abraço gélido e sobrenatural. E ele morreu assim, sem perceber que morria.
*
Fiquei alguns segundos em silêncio, apenas observando, enquanto Anabela tentava aparentar uma indiferença que estava longe de sentir. Precisava saber o que dizer àquela mulher, ela estava louca e não fazia a menor ideia disso. Sua esquizofrenia já havia ultrapassado, há muito, o limite aceitável para a convivência dentro da sociedade, isto era muito claro para mim. As alucinações, as alterações do comportamento, os impulsos, a agressividade, tudo isso fazia parte da esquizofrenia já em seu estado mais agudo, de onde, dificilmente, alguém conseguia voltar. Pobre Anabela, tão jovem e irremediavelmente perdida...
- Por que está me olhando assim, doutora?
Sua voz era áspera e dura, causando-me imediatamente temor, mesmo imobilizada na sua camisa de força.
Levantei-me e forcei-me a encará-la, sabendo que aquele olhar me metia calafrios.
- Ouça, Anabela, você precisa saber que as coisas não se passaram dessa forma, do jeito que você pensa. Você está doente, muito doente, e precisa de tratamento.
Ela gargalhou debochadamente.
- Jura, doutora? Pois eu tenho novidades pra senhora: em pouco tempo saberá exatamente tudo o que eu penso e sinto. Exatamente a mesma coisa. Duvida?...
Continuei encarando-a.
- Desculpe, mas não há outra forma de tratá-la senão através da confrontação. Não existe nenhum anjo negro, isso é apenas um delírio provocado pela esquizofrenia. E seu filho... bem, sinto muito, mas ele morreu há quase cinco anos. Não se recorda? Você se descuidou e ele caiu da janela do quarto. Desde então você tem agido como se ele continuasse vivo.
- Mentira! Mentira! – vociferou Anabela, tentado levantar-se. – Sua cadela mentirosa...
O guarda abriu três dedos da porta, mas a doutora fez um sinal e ele tornou a fechá-la.
- Não é mentira e você sabe disso. Lembra-se do sonho? Não foi apenas um sonho, aconteceu de verdade. Faz parte da doença transformar sonhos em realidade e realidade em sonhos. Você está confusa, Anabela, é compreensível, depois de ter passado tudo o que passou.
- Cale-se, cale-se, eu não quero ouvir mais nada!
- Mas vai ouvir, sim. Você está internada aqui há três anos, seu marido não aguentou vê-la se torturar desse modo. No princípio, ele vinha visitá-la em quase todos os finais de semana, mas então ele sumiu. Foi aí que você fugiu pela primeira vez. Encontrou-o na cama, com sua antiga empregada. Matou os dois com requintes de crueldade. Conseguimos recapturá-la. Meses depois você fugiu outra vez. Conseguiu entrar na casa do seu ex-vizinho, que recusara-se a levar seu filho para o hospital, na noite do acidente. Dezessete facadas, Anabela, foram dezessete facadas! E ele estava certo, não se pode remover vítimas de acidentes, sob o risco de piorar a situação. Apenas os paramédicos podem fazer a remoção.
As lágrimas desciam da face cansada da ex-modelo.
- Aquele porco! Deixou meu bebê sangrar até morrer, em meio ao jardim. Porco!
Consegui! Finalmente um raio de verdade havia penetrado na escuridão daquela mente doentia.
Sentei-me novamente. Estava com as pernas bambas, a respiração entrecortada, mas ele havia admitido, finalmente, algo que fizera.
- Não existe nenhum anjo negro, Anabela. É tudo criação da sua mente, acredite-me. Você não tem culpa alguma no que aconteceu, mas precisa se tratar, antes que piore.
Ela começou a rir. Confesso que fui pega de surpresa. Não esperava essa reação de Anabela.
- Por que está rindo? Acaso sua situação é engraçada?
- Estou rindo da senhora, doutora! Tanta pose, tanto estudo, tanta segurança, e na verdade, não sabe nada do que se passou!... Nada, ouviu? Nada!...
Novamente uma mudança brusca de comportamento: ela parou repentinamente de rir e lançou um olhar ao portarretrato que enfeitava minha mesa.
- É uma linda família, doutora. – disse, apontando com o queixo para a fotografia que mostrava meu marido, minha filha e eu. – Sabe, eu tenho pena da senhora, mesmo. Não desejo para ninguém o que eu vivi nesses últimos anos. Infelizmente é assim que tem que ser.
Não entendi direito o que ela estava querendo me dizer. Pena de mim? Viver o que ela viveu?...
De súbito, uma ideia assombrosa foi tomando conta da minha mente. Mas não, não podia ser. Não, não, não. Ela não seria capaz de...
Ou seria?
Foi com horror que a certeza do que ela fizera naquela terceira fuga foi tomando conta do meu cérebro, uma certeza de que o pior já estava feito.
- Não – balbuciei – Você não pode ter...
Ela continuava a me olhar pesarosa. Ou seria irônica?
Com as mãos tremendo, peguei o celular para ligar para casa. Os dedos não obedeciam ao comando. A muito custo consegui completar a ligação. Ninguém atendeu. Àquela hora meu marido já deveria ter chegado do trabalho. Tentei o celular dele. Depois do quinto toque, finalmente atenderam.
- Alô, eu...
Fiquei em silêncio, a ligação caiu na caixa postal. Quando ouvi a voz do outro lado, meu sangue congelou dentro das veias:
- Olá, doutora. Infelizmente seu marido não pode atender no momento. Aliás, nem agora nem nunca mais. Ah, e sua filha também está incomunicável, sinto muito.
O celular caiu das minhas mãos sem que eu percebesse. Levantei-me como um autômato e aproximei-me da cadeira onde Anabela estava sentada, fitando-me indefesa em sua camisa de força. Meus dedos se acomodaram em volta do seu pescoço como se tivessem sido criados para isso. E eu comecei a apertar com toda a força de que era capaz.
Ela nada disse, nem ao menos protestou. Deixou-se matar como um cordeiro, um sorriso sincero no canto dos lábios. Quase pude jurar ter ouvido um "obrigado, doutora!" enquanto ela buscava uma última e desesperada golfada de ar, pouco antes do suspiro final.
*
E agora eu estou aqui, sentada, contemplando o cadáver de Anabela que me olha de suas órbitas vazias e distantes. Minha mente se recusa a acreditar que me tornei aquilo que sempre fiz questão de combater: uma assassina.
Vejo uma sombra a poucos passos de mim. Não sei se estou louca, mas parece um... Anjo. Um lindo e negro anjo de asas abertas, que me olha com expressão incompreensível. Creio que ele está falando comigo agora. Sim, eu sei o que ele quer de mim.
Pego uma caneta em cima da mesa, escondo-a em minha mão como se fosse um canivete e caminho até a porta. Chamo por um dos guardas, que sei estar do outro lado, espero ele entrar na sala e avanço sobre a sua jugular com minha arma improvisada.