O segredo de Melissa - Capitulo I

Capítulo I

As folhas ao chão indicavam, era final de outono, o ano 1901, o sol como sempre! tímido, de frente à casa, formosa por sinal, temperada da sutil arquitetura portuguesa, sentada à escada [terceiro degrau], Letícia cantarolava um refrão ouvido anos atrás das canções de ninar de sua negra ama de leite, - “o dia é belo e está florido, sinhazinha linda num belo vestido...”. Alternava-se entre cantarolar, pentear os longos cabelos e despencar um girassol num bem-me-quer/mal-me-quer descompassado.

As vezes (muito raras) lhe restava como ultima opção uma amarela pétala de “mal-me-quer”, bastava isso, apenas isso para alterar seu humor, pois contava vinte e poucos anos e não tinha (ao seu ver) pretendentes a sua altura, era bela, rosto fino, mediana e muito geniosa. Não suportava as indagações sobre casamento, não suportava os pretendentes apresentados pelo pai. Mas que felicidade se lhe restasse a ultima pétala um “bem-me-quer”, o riso temperava os seus lábios, o dia se estendia maravilhoso e o refrão que se ouvia era o especial da ama quando lhe arrumava num rodado vestido:

“tão formosa moça que igual não há...

tem inveja as rosas de minha sinhá”

Parava apenas, quando aproximava os serviçais, ou seu pai o coronel Alves. Disfarçava, descia, o pente demoradamente entre os longos fios do leve cabelo, com estes, cobria o rosto que as vezes avermelhava quando alguém lhe ouvia, mas continuava tomando o discreto sol daquela manhã pacata.

Iam-se os dias e o outono despedia-se, o inverno chegava dando sinal de que não seria tão rigoroso quanto o de 1899, nunca ouvira falar que em Andradina, fez-se tanto frio, mas mesmo assim Letícia aguardava ansiosa o carro chegar da capital, não via a hora de experimentar os mais variados vestidos de Santarém, a cidade portuguesa de seus avós, não via a hora de poder sentir na pele a fragrância francesa de novo, e assim devaneava até ser interpelada por uma negra: - Sinhá? Sinhazinha? O Armoço vai isfriá, suncê num vem? Letícia, acena afirmativamente e ainda com gestos pede para a negra retirar-se.

Com o pai diariamente almoçava, começava em silêncio, terminava no mesmo, era para ela um dos deveres mais forçados, sentia falta da mãe, morta por um certo capitão do mato, ouvira dizer que a mando do pai, não viu, mas não duvidava. O coronel Alves, pouco tocava nesse assunto, de quando em vez se defendia, afirmando:

- Maria Helena teve o que mereceu, nunca vi tomar partido de escravo!

Alves refere-se ao fato de que a finada denunciou-o por carta, a sua prática do comércio de escravos, apesar de ter ciência que fazia dois anos da abolição da escravatura, mantinha em pé três senzalas e o seu café ia bem, muito bem, até que as autoridades obrigaram-lhe a libertar os escravos e pagarem-lhes os seus direitos e se os quisesse tê-los no café, seria como libertos e ao pé do tratamento de igualdade aos brancos. Alves nunca engoliu essa lei, pensava como todos os coronéis e barões: “ - negro não tem alma”. Mas entre eles (coronéis e negros) agora existe uma lei, para o Coronel Alves apenas um papel e assinado por uma mulher, mas era uma lei, nada que ele fizesse mudaria isso.

O almoço termina, e antes que Letícia, solicite permissão para deixá-lo, o coronel exclama:

- Recebi a notícia que está na cidade o carro vindo da capital, você quer que eu mande buscar as suas encomendas?

A moça quase não se contém, seu coração quase salta pela boca, finge não estar surpresa e conclui:

- O senhor meu pai não precisa incomodar-se, peça para um cocheiro acompanhar-me que irei pessoalmente conferir o meu pedido.

Sem muito rodeio, Letícia embarca no carro e vai para Andradina, contemplando as belezas naturais da fazenda Aguapé.

* * *

Nesse momento ouve-se tiros e Melissa fecha o livro abolicionista que lia: A Saga de Letícia e corre abrindo discretamente o canto da cortina da sala que estava e olha pela vidraça para a rua Camões e nota as pessoas correndo desesperadas.

Vai ao telefone e disca 190, enquanto ouve dois firmes toques à sua porta. Fixa paralisadamente olhar no trinco de metal e sua ligação é atendida:

- Policia militar de Mato Grosso do Sul, boa noite!

Melissa desliga o telefone e pensa em atender a porta, não o faz, sobe depressa a escada de madeira em direção ao segundo piso da casa, pisa em falso torce o tornozelo e cai ao chão batendo com a cabeça e desmaia.

Capítulo II

Ao cabo de poucos minutos, acorda e atende a porta, um negro de porte alto indaga:

- Sinhá! vancê num vem, a fazenda está sendo invadida e o coro tá cumendo.

Melissa não entende, analisa o linguajar do negro, o tratamento a ela dispensado, sua roupas e os pés descalços e responde:

- Já vou, dê-me dois minutos.

Mancando volta ao centro da sala, tira o tamanco e calça sua havaianas azuis, apanha o livro que lera e parte com o negro seu protetor.

Vai espantada, procura a rua do Ferroviários e avista milhares de pés de café. O negro Nestor, pede para a moça ir abaixada, vão correndo e chegam em uma senzala.

Continua... Aguardem o próximo capítulo!!!!

Silva Neto
Enviado por Silva Neto em 24/07/2006
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