Glory Box

Não devia ter saído de casa hoje.

Eu estou o mais simples possível. Skinny, regata branca e um salto preto. Nada mais.

Nunca vim a um lugar como esse, tão... Tão encantador.

Ok, as pessoas não são encantadoras.

Ele é.

Colocaram “Glory Box” pra tocar – o volume está no máximo, tenho certeza. Eu conheço essa música; muito bem, pra falar a verdade.

Eu não vou olhar, não vou encarar.

Não, não! Ele está vindo!

- Boa noite, querida.

- Boa noite. – Por mais que eu tentasse, minha voz nunca seria tão sedosa quando a dele.

- Como você está hoje?

- Muito... Bem. – Ok, minha voz realmente não está me ajudando.

- Não vai perguntar como eu estou?

- Não.

E eu sei que não posso mais resistir. Ele está me olhando com aqueles olhos felinos, cheio de desejo no azul incandescente.

O que eu faço?

O que eu faço?

Nada, não vou fazer nada. Só tentar fingir que eu não estou à vontade em sua companhia.

- Mas eu estou muito bem, mesmo assim. - será que nada abala a calma dele?

- Eeer, que bom então.

- Quer sair daqui pra conversar melhor? – Não! Eu não vou, não vou, não vou.

- Pode ser...

Droga! Estou levantando. Quero me controlar, mas não consigo. Ele esta segurando minha mão e eu estremeço só de sentir sua pele na minha.

Qual é o meu problema? Só porque eu estou me perdendo no azul daqueles olhos, quase avançando no escarlate delineado que é sua boca? Ou porque sua pele branca está ofuscando qualquer outra e eu estou ficando meio que... Excitada? Certamente a simetria por inteiro ajudava.

Certo, não vou deixar meu carro pra trás – nem me arriscar a ir no dele.

- Eu vou no meu carro.

- Por que, meu bem? Vamos no meu. – Não quero mais ouvir sua voz.

- Vou no meu carro. Não vou deixá-lo aqui. – estou concentrando toda a minha força pra fingir que estou segura de mim. Parece que vai funcionar.

- Certo, docinho. Vá no seu e me siga. – Graças a Deus.

Ele ta entrando na escuridão de seu Audi Couper. Certamente, prefiro meu Corola vermelho.

Eu vou.

Não! Eu sou forte, vou dar meia volta.

Eu não vou, não.

Estamos chegando num... Motel? Não... Sim, é um motel.

Eu não consigo resistir. Eu já vi aquele corpo desnudo. Não consigo.

Retoco a maquiagem no retrovisor do carro. E sim, eu estou linda.

Ele já desceu do carro e está caminhando em minha direção.

- Não sei como não fiz isso mais vezes. Você é deslumbrante, querida.

- Obrigada – digo com um sorriso sem graça.

- Vamos entrar? – aquele sorriso... Ah, meu Deus. Limito-me a assentir.

E entramos.

O quarto é normal. Como em todos os motéis. Entediante.

Certo, as forças estão voltando a mim. Eu vou terminar o que eu vim fazer.

O beijo com toda minha alma, meus lábios urgentes nos dele.

Ele não se espanta. Ele sabe que não consigo. Mesmo que eu já o tenha ameaçado.

Nossas mãos frenéticas passeando violentamente em nossos corpos. Roupas jogadas no chão. Estou de calcinha, ele de cueca.

- Vou ao banheiro, é rápido.

- Não demore, gracinha.

- Não vou.

Entro no banheiro e me encaro no espelho. Vejo nos meus olhos a última vez que estive numa situação daquela. Com ele.

Dessa vez vai ser diferente.

Vasculho minha bolsa. Está lá. Graças a Deus.

- Não demorou. – ele diz sorrindo com os dentes brancos, brilhantes.

- É claro que não. – Não consigo ser sexy, droga. Foda-se! Não vou mais tentar.

- Vem cá, doçura.

Qualquer mulher odiaria ser chamada com tantos adjetivos ridículos e excepcionalmente doces, mas do jeito que ele fala... O tom de sua voz estonteante, o sorriso de quem sabe do que faz, os olhos faiscando... Eu não me incomodo. Na verdade, não resisto. E isso deixa tudo tão mais excitante!

Vou andando lentamente em sua direção. Ao menos minhas pernas não estão tremendo e eu não aparento estar nervosa, não sei como.

Quero pedir pra ele parar de me olhar daquele jeito, mas não tenho forças: eu quero.

Muito perto.

Muito mais perto.

Estamos nos beijando. Dessa vez é um beijo sexy, envolto pelo calor da testosterona.

Já sinto seu sexo pulsante contra meu ventre e a vontade cresce.

- Eu quero você. Agora. – digo sem fôlego.

Ele me joga na cama e enquanto beija meu pescoço, vejo a bolsa muito próxima a mim.

Sutilmente pego de dentro dela e tomo coragem para fazer o que eu vim fazer.

Estou subindo nele com uma das mãos encostadas na cama, ele não consegue ver. Ao menos isso. Estou dando tanto prazer a ele que seus olhos reviram em órbitas e me dão a deixa.

Beijo de leve seus lábios cor de sangue. Miro a arma em sua testa. Um desejo incontrolável. Atiro.

O sangue espirra em meu rosto e eu gosto disso.

O sangue dele. Dessa vez não é o meu.

E todas as vezes que ele me traiu foram vingadas.

E havia acabado. Ele está morto, em cima da cama de um motel qualquer.

Vou ao banheiro, lavo meu rosto e me encaro mais uma vez.

- Acabou. – sussurro pra mim mesma, com alívio. – É, acabou.

Procuro minhas roupas. Tudo limpinho. Coloco-as pacientemente e estou pronta.

Abro a porta, olho pra trás. Ele continua lá, deitado e ensangüentado.

Respiro, aliviada.

Vou caminhando para meu carro, está tudo muito escuro. Entro e dou a partida.

A rua está tranqüila. Faço uma pequena reflexão da noite. Tudo foi perfeito. Eu consegui fazer tudo o que eu pretendia.

- O que é aquilo ali na frente? – pergunto-me, atordoada, ainda perdida em meus devaneios.

Não consigo desacelerar. O carro continua andando, sinto uma dor surreal e de repente tudo fica muito mais escuro.