Olívia de Bordeaux, Cap. II
Olívia já tinha ligado para três editoras, mas nem deu para ficar indecisa. Os custos eram elevados. Sabia que poderia fazer por menos. Continuaria procurando.
Para variar, o oferecimento partiu de Verônica, mãe da Franciszinha, que vinha conseguindo livrar-se rapidamente da asma. Moravam as duas no Terreirão 3, uma das localidades da Quinta Lamúria, a maior favela da redondeza. Verônica, com pouco mais do que trinta anos, era uma mulata atraente, de corpo esguio e bem proporcionado, que parecia estar de bem consigo mesma, apesar das condições adversas da vida. Mostrava com freqüência um sorriso solto e convincente, sempre que falava daquele seu modo agitado. Olívia já tinha notado que a rapidez de raciocínio era a característica dessa mulher que não deveria ter concluído a oitava série do Primeiro Grau.
-Dotôra, lá no Terreirão tem uma rapaziada que se juntou aí pra produzir arte, como eles dizem, e acabaram de fazer um livro. Disseram que foi tudo muito baratinho.
-Você podia saber pra mim o nome da editora?
-Claro, ‘tôra Olívia! Na quarta, quando vier buscar o remédio da Franciszinha, já trago todas as informação.
-Ou melhor, deixa que eu dou um pulinho lá. Mas esse pessoal nada tem a ver com o pessoal do “movimento”, não é assim?
-Nada a ver. É um grupo maneiro, ligado em teatro, música e literatura, tudo voltado pra favela. Vão tocando a vida deles sem qualquer interferência com o movimento. Pelo contrário, são até respeitados. Porque têm o apoio da comunidade.
-Então é melhor. Assim fico conhecendo onde você mora e o local onde a Francis dorme. Quero ver se você está tomando mesmo os cuidados que recomendei para que a menina não tenha uma recaída.
-Certíssimo, dotôra. Será um grande prazer receber a senhora. Só que terá que ser num sábado. Trabalho agora todos os dias e tô dando o maior valor. Os patrão são bom à beça, me ajudam muito e não posso marcar bobeira. Tô ganhando legal.
-Que bom! Graças a Deus. Sábado às dez, então. Fechado?
-Fechadíssimo, dotôra Olívia.
-E o Lino Bóia? Você não me falou mais nada.
-Tô evitano, dotôra. O Lino caiu. Faz algum tempo. Sabe cumu é, né? Alegaram troca de tiros. Mas a gente sabe que num foi. Passaram ele legal mesmo. Questã de acerto – pra mim desacerto – com os homi da lei.
-Que loucura, Verônica.
-É isso aí. A gente sente, mas Deus sabe o que faz. Na verdade, mais cedo ou mais tarde, é o destino deles. Eles já sabem disso.
-E você com isso tudo? Como ficou?
-Tudo legal. Nossa parada era no sapatinho. Ele sempre fez questão de não me envolver muito. Sempre me protegeu. Nunca quis que eu trabalhasse. Nada faltava pra mim e a menina.
-Mas agora vida nova, não é isso? Namorado novo também?
-Negativo, dotôra. Vou dá um tempo. Pelo menos ali na área. Vou aproveitar a estia e o trabalho que arranjei e depois saio dali no sapatinho. Quero um futuro melhor pra Francis.
-Muito bem pensado, Verônica. É isso aí.
-Tô esperano a senhora no sábado então, valeu?
-Estarei lá.
“A noviça Dulcinéia foi introduzida de maneira formal no gabinete da Madre Superiora. O jeito de andar e o olhar da Irmã Augustina, que acompanhava a noviça, lembravam mais as atitudes de um guarda conduzindo um interno, ou mesmo um visitante, ao gabinete do diretor de um presídio. A pesada porta de madeira foi aberta e logo Dulcinéia avistou a ampla mesa, tendo a seu lado direito alguns papéis e classificadores que eram manuseados por uma senhora sentada, cujos óculos pesados lhe davam um aspecto de seriedade. Ela parecia ser alta e forte, muito compenetrada no que estava fazendo. Pois se dignou a olhar na direção da porta somente quando ouviu a voz da Irmã Augustina.
-Madre Andreatta, essa é a noviça Dulcinéia, que vem para a sua primeira entrevista com a senhora, conforme a sua orientação.
-Obrigado, Augustina. Quando terminar com a nossa nova irmã, chamo você. Depois precisamos tratar de alguns assuntos importantes.
-Estarei à disposição, Madre, disse Irmã Augustina, fechando a pesada porta que se trancava por dentro quando levemente batida.
Dulcinéia, no breve espaço de tempo em que a Superiora dirigiu-se à Irmã Augustina, notou que estava diante de uma mulher que aparentava 53 anos, a julgar pelo rosto, normalmente um pouco mais envelhecido pela presença dos óculos. Os cabelos deveriam ser grisalhos, o olhar era duro, mas o semblante, ameno.
-Como é mesmo o seu nome?
-Chamo-me Dulcinéia, Madre.
-Muito bem, Dulcinéia. Irmã Augustina já deve ter transmitido a você muito do que vai ter pela frente enquanto estiver por aqui, que esperamos seja por muito tempo. Todo o trabalho aqui é feito por nós mesmas. Apenas alguns serviços específicos, como manutenção predial, são terceirizados. Mas a jardinagem, por exemplo, fica por nossa conta, com um leve assessoramento de um profissional do ramo. Normalmente valemo-nos das noviças, durante algum tempo, para os serviços gerais e para a cozinha. Decidi que você, que todos elegeram com a mais bonita do grupo que chegou, vai ficar me ajudando com a limpeza desse escritório e dos meus aposentos. Nossos visitantes precisam saber que existem freiras bonitas também.
Dulcinéia se surpreendeu com a rapidez com que a Madre Superiora se ergueu de sua cadeira para, tomando-lhe com suavidade uma das mãos, conduzi-la ao banheiro anexo ao espaçoso escritório. Certamente a religiosa estaria querendo mostrar-lhe todo o ambiente. No banheiro ficou ainda mais aturdida quando a madre enlaçou-a pela cintura para lhe derramar na face o brilho intenso de seus olhos azuis.
-Você é realmente linda, menina, disse entre soluços Madre Andreatta, não dando tempo a que Dulcinéia pudesse fugir ao contacto da boca da freira com seus lábios. E divina, a Dulcinéia Divina, suspirava a Superiora.
Embora inegavelmente firmes, Dulcinéia considerou suaves os movimentos das mãos da freira em sua cintura, assim como o movimento dos lábios dela sobre os seus, e compatíveis com a vibração denunciada pelo semblante à sua frente antes do beijo. Em alguns instantes, já não soube dizer se voluntariamente correspondia à pressão das mãos da madre, agora em suas ancas, procurando ao mesmo tempo apressadamente subir-lhe o hábito pelas pernas”.
Flora percebia que não teria grandes dificuldades em saber a continuidade do que lia. Tratava-se de uma literatura de fácil recorrência, com os devidos clichês habituais, e que por isso mesmo não deveria ser considerada de qualidade ou original. No entanto, não podia negar o efeito que aquelas linhas lhe produziam, especialmente por trazerem a recordação de um estranho estado de excitação há muito tempo reprimido. Sabia que, não agora, mas no dia seguinte, por mais que dissesse a si mesma que não iria fazê-lo, certamente estaria de novo diante da telinha para a continuação da leitura do terceiro capítulo. Não sabia ainda se teria a coragem de comentá-lo com Helena. Embora desconfiasse de que vontade já havia, e muita.
-Audi A3 prata entrando na favela, copiô?
-Deve ser dá dotôra. Tá indo na direção do Terreirão?
-Certo. É a dotôra do Bordê.
-Que bordel o quê, merrmão. Se num sabe falá, fala que é a dotôra do vinho.
-Ah, tu entendeu, cara, tu entendeu!
Olívia tinha visto apenas um dos olheiros do movimento com um rádio transmissor. Apesar do exíguo espaço do beco, com largura para apenas um carro, conseguiu estacionar seu veículo no largo conhecido como Terreirão 3. Não foi difícil localizar o barraco de alvenaria sem revestimento. Verônica aguardava na porta, acenando com insistência. Francis esperava na janela, lacinho de fita na cabeça, prendendo os cabelos negros cacheados, cuja franja cobria parcialmente a testinha do rosto redondo da menina.
-Tudo bem, dotôra?, perguntou Verônica em voz alta, sem esperar que Olívia vencesse os dez passos entre as duas.
Ao aproximar-se, Olívia pode perceber dois meninos, que não tinham mais de treze anos, portando pistolas automáticas que deveriam ser do tipo Glock, a única de que ouvira falar. A toca de um deles parcialmente encobria os olhos fundos e o rosto vincado. Olívia apressou-se em desviar o olhar.
-Tudo, Verônica. E você?
-Melhor agora com a sua presença. Daqui a pouco vai ter um montão de gente aqui querendo consulta.
-Ih! É mesmo! Não tinha pensado nisso. Será que vim trazer problemas?
-Nada disso, dotôra. Tava apenas brincando. O pessoal respeita. Só vão aparecer se eu disser que pode. Quem daqui a pouco tá aí são os dois meninos dos Encontros Inusitados, o grupo que eu falei pra senhora.
-Não me importaria de dar uma olhada em umas duas ou três pessoas ou crianças. Mas primeiro quero falar com os garotos do grupo. Aliás, que nome engraçado: Encontros Inusitados.
-Os garotos são fera. São quatro de frente, reunindo talvez mais de vinte participantes. Mas hoje só vêm o Max e o Abel. O Tiago e o Dentinho foram tratar de entendimentos para aparecerem no programa de sábado à tarde da Rede Globo. Dentinho é o catiço no cavaco. Não sei como ainda não estourou num grupo de pagode desses por aí. Os pais estão muito sastifeito com os menino, dotôra. Tão longe do perigo, certo?
-É isso aí. Nem tudo está perdido. Mas como ela está bonitinha com esse lacinho na cabeça! Olha só: posso ir ali no carro pegar a câmara para uma foto dessa lindeza na janela?, perguntou baixinho Olívia, olhando discretamente ao redor do Terreirão. Os dois meninos com as suas pistolas já não estavam por ali.
-Mas claro que pode, dotôra. Limpeza.
Depois de obter três fotos de Francis na janela, Olívia, Verônica e a menina, sempre sorridente e no colo da médica, sentaram-se na mesa de fórmica da pequena cozinha onde se achavam um bolo de milho, um bolo de aipim, alguns pães franceses, uma jarra com suco de laranja, café, leite e queijo branco.
-Pra quê tudo isso, ô Verônica? Não sou candidata a nada não, menina!
-Pára cum isso, dotôra. Não me leve a mal, mas o que a senhora já nos deu de remédio paga o dobro disso tudinho aí.
Após o delicioso café e a verificação imediata dos efeitos calóricos daquele saboroso bolo de aipim, Olivia quis conhecer onde Francis dormia. A médica pôde constatar que a menina dormia numa cama nova, quase que de solteiro, ainda protegida lateralmente por grades de madeira, ao lado da cama da mãe, num ambiente arejado pela ampla janela que dava para o Terreirão, assim como a da pequena sala. Olívia surpreendeu-se ainda ao ver, ao longo das paredes, recipientes destinados a reduzir ou neutralizar os efeitos do mofo, que na realidade deveriam estar no interior do único armário ali existente. Olívia considerou-se satisfeita com o que viu, em relação aos cuidados da mãe com a sua filha, e com a constatação de que Verônica deveria estar mesmo com um salário melhor.
-Quando ela fizer cinco anos, em novembro agora, vou fazer uma festinha pros amiguinhos dela e pr’algumas pessoas mais chegadas. A senhora não poderá faltar, dotôra.
-Estarei aqui, se Deus quiser.
-Alô, D. Verônica! Podemos chegar?, era a voz de um rapaz.
-Claro, Max. Vamo entrano. O Abel tá aí cuntigo?
Depois dos entendimentos com Max e Abel, Olívia viu que aquele se tratara efetivamente de um encontro inusitado. Os rapazes garantiram à médica a edição de um livro de cerca de 180 páginas, costurado, com orelhas, texto de contracapa e imagem da capa ao preço aproximado de R$ 350,00, com direito a 120 exemplares e lançamento na quadra da escola de samba local. Como aquilo seria possível era coisa em que Olívia nem queria pensar. Os comes e bebes ficariam por conta da autora, que contaria, é claro, com a colaboração de Verônica e suas amigas.
Flora cumpriu a promessa feita a si mesma de acionar o micro pelo menos decorridos dois dias da última vez que o fizera. Dentre o número excessivo de e-mails acumulados, lá estava um cujo assunto era “Helena, uma foto”. Bastou um duplo-clique, realizado por ela inicialmente de forma nervosa, a ponto de trocar o lado do mouse, para ter na tela a figura de uma jovem loura sentada num banco de jardim, pintado de branco, à frente de um gramado. Sem que pudesse evitar, resolveu examinar toda a pessoa retratada a partir de seus membros superiores. No rosto, sobressaíam-se os cabelos dourados e os lábios grossos, sem ser salientes, já que a cor dos olhos não se podia perceber. O queixo de curva perfeita, tal como a curva dos braços, cujas mãos continham um dos joelhos numa perna dobrada sobre a outra. A camisa regata de malha vermelha, contendo seios que deveriam ser pequeninos e por isso naturalmente empinados. O outro joelho, cuja visibilidade talvez fosse proposital, mostrava-se compatível com a grossura da coxa, proporcional ao apreciável cumprimento da perna, na configuração do que comumente chamamos de falsa magra. Deveria ter realmente 1,76m de altura. O shortinho justo, denunciando o contorno voluptuoso das coxas de Helena, por ser preto, estabelecia um adorável contraste com a cor da pele da jovem, que poderia lembrar a tonalidade de um saibro siltoso levemente alaranjado.
Flora, à proporção que se deslumbrava com a fotografia, não se dava conta de que mantinha as duas mãos entre as pernas, como que para se livrar do delicioso friozinho que sentia por vestir o calção curto do pijama de seda. A exposição da foto levando-a a não se preocupar em acariciar disfarçadamente a própria vulva, que reconhecia estar estranhamente inchada.
Ora essa, meu Deus. Ruborizou-se ao se lembrar do que estava fazendo. Masturbando-me aqui em frente ao computador. Daqui a pouco Helena pode me chamar pelo Messenger. E, no entanto, a vontade lá dentro, que não se traduzia por palavras ou pensamentos, sendo talvez o resultado de emoções sentidas numa fração de segundos, era a de se livrar do calção e da calcinha para liberar o bicho peludo que ansiava por ser acariciado demorada e despreocupadamente, no conforto daquela solidão segura e estimulante.
As mãos continuaram mais algum tempo por ali, conferindo a maciez e a umidade dos lábios grossos da vagina, até que ela se decidiu a partir para o pior – ou para o melhor. Acessar o site Anita À Noite.
Não foi preciso esforço algum para que Flora se lembrasse de que tinha abandonado a Madre Superiora e a noviça no banheiro do escritório da primeira. Que finalmente tivera sucesso em erguer o hábito da noviça para “apalpar com maior sofreguidão as nádegas de Dulcinéia, pelo contacto direto com a pele da jovem, face à ausência da calcinha. Ficaram nisso por algum tempo, os beijos continuando com a sua ação inebriante junto a Dulcinéia, pelo hálito bom e o perfume agradável do corpo da madre, predispondo a noviça a tudo que não fosse a menor tentativa de resistir. Quando sentiu os dedos da Superiora tocando-lhe os lábios vaginais já umedecidos, Dulcinéia respirou fundo e instintivamente introduziu a língua na boca da madre.
-Você é virgem, doçurinha?
-Sou, madre.
-Oh, minha filha. Que bom saber disso. Ui, ui..., que bom! Sou a primeira?
-É sim, madre. Hum..., hummm. Nunca... nunca fiz com ninguém.
-Ninguém fez nada com você aqui no convento? Irmã Hermínia, Irmã Valéria?, perguntou a Superiora, parecendo excitar-se ainda mais com a pronúncia desses dois nomes.
-Não..., não... Nada, madre, respondeu Dulcinéia, resolvendo apoiar uma das pernas na banqueta com tampo de madre-pérola junto à banheira. Do que se aproveitou a Superiora para, com a abertura natural dos lábios da buceta de Dulcinéia, massageá-la mais livremente, tendo o cuidado de realizar penetrações com pouca profundidade.
-Espere um pouco, doçurinha. Não saia daí.
E a Superiora livrou-se parcialmente do hábito, jogando-se rapidamente ao chão, para alcançar com a boca os grandes lábios abertos e molhados de Dulcinéia, adornados por uma profusão de pelos de coloração meio alaranjada. A cor da pele branca como leite das ancas da madre, enchendo de saliva a boca da noviça”.
Flora a essa altura já tinha se livrado do calção e da calcinha, jogados de qualquer maneira sobre a poltrona ao lado da mesa do computador, e se masturbava violentamente, mantendo dois dedos no interior da vagina, sobre um dos quais se apoiava parcialmente o clitóris reluzente e meio avantajado. A utilização pela autora da palavra “alaranjada” remeteu-a imediatamente à cor da pele de Helena, cuja fotografia vinha há muito naquela noite alternando com o conto de Olívia – até explodir num orgasmo irrefreável, que lhe trouxe em suspiros a confusão entre os nomes Helena e Dulcinéia, por mais que nada tivessem a ver.