Os Condenados
----Ok, Comando! Esperando permissão para deslocar-se da nave mãe!
----Correto comandante! Permissão concedida!
Uma pequena escotilha abriu-se lentamente e uma nave com quatro passageiros e dois tripulantes deixou a nave mãe e desceu em velocidade média até a superfície daquele planeta, ainda, desabitado por seres humanos.
Assim que aterrissaram, os dois tripulantes desceram e abriram uma das portas laterais da pequena nave, ordenando que os quatro tripulantes descessem. Estavam algemados. Um dos tripulantes libertou-os enquanto o outro, apontando uma arma, apenas observava.
Foram colocado um ao lado do outro para que o capitão da aeronave lesse a sentença.
---- Herbert Dunai! Condenado a viver os últimos dias de sua vida nesse planeta, pelo assassinato de quatro soldados da legião interplanetária!
---- Adão Bergoni! Condenado a viver os últimos dias de sua vida nesse planeta, por conspiração contra a Confederação, furto de armas do exército confederativo e assassinato de uma funcionária do governo interplanetário.
---- Ana Jusdimoris! Condenada a viver os últimos dias de sua vida nesse planeta, por espionagem contra o Governo Confederativo, e pela morte de oitenta e duas pessoas em um atentado a bomba contra a embaixada do planeta Ganus.
---- Eva Frans Kervics! Condenada a viver os últimos dias de sua vida nesse planeta, por roubo de documentos altamente confidenciais do governo Confederativo, e pela morte de oito pessoas ligadas ao serviço de inteligência da Confederação.
E enquanto um dos tripulantes vigiava os prisioneiros, o outro apanhou uma maleta que estava na aeronave e em seguida voltou trazendo uma escavadeira portátil. Ordenou a um dos prisioneiros que cavasse um buraco e enterrasse a maleta. Assim que terminou, o capitão deu as últimas instruções antes de partirem.
---- De maneira alguma vocês deverão mexer nessa maleta! Apesar, que pouco estou me lixando se vocês o fizerem! Estou apenas cumprindo a minha obrigação de avisá-los, pois é para o bem de vocês!
Assim que terminou as orientações, retornaram para a aeronave e seguiram em direção a nave mãe. Minutos depois partiram, deixando para trás os quatro prisioneiros, largados a própria sorte naquele planeta completamente desabitado por qualquer outro ser de sua raça.
Passaram-se quatro angustiantes meses sem nenhum contato com outras pessoas além deles.
Herbert construiu uma choupana a beira de um riacho que descia das montanhas em direção a um vale verdejante, de onde se avistava boa parte da densa floresta abaixo. Ana aceitou o convite de Herbert para ser sua companheira e passou a morar com ele.
Eva também aceitou o convite de Adão e passou a morar com ele em outra choupana, um pouco acima de onde estavam morando Herbert e Ana.
Desde os primeiros dias que ali chegaram uma coisa não parava de martelar a cabeça de Eva um só segundo. O que poderia ter naquela maleta que eles haviam enterrado? O porquê de tantas recomendações para não abrirem?
Os soldados que os deixaram ali, aconselharam que para o bem deles seria melhor que não abrissem a maleta. Seria verdade? Ou talvez dentro daquela maleta pudesse haver algo muito valioso, e eles esconderam ali para que um dia mais tarde voltassem para pegá-la? Eva começou a insistir para que voltassem até o grande rio, próximo ao local onde a nave havia pousado, para desenterrarem a maleta.
---- Não sei! –Respondeu Adão- Eles pediram para que não abríssemos a maleta. Pois seria para o nosso próprio bem!
----E se houver algo valioso ali dentro? –Insistiu Eva.
----E para que nos serviria? –Indagou Adão—Esqueceu-se que nos abandonaram aqui nesse planeta primitivo para o resto da vida?
----Só que tem um porém! Se tivermos algo valioso em mãos, talvez isso possa ser a passagem de volta para o nosso planeta!
----Não entendi? –Disse Adão, franzindo a sobrancelha.
----Pense só um pouquinho, Adão! Sempre tem alguém que aceita ser corrompido! Não custa tentar! Condenados a viver nessa droga de planeta já estamos mesmo! E se de repente houver algo valioso naquela maleta, não custa nada arriscar um olho! De repente aparece uma expedição do nosso planeta por aqui, e quem sabe não compramos a passagem de volta? Pior do que já estamos é que não vamos ficar!
Adão não respondeu nada. Saiu da choupana e sentou-se em um banco de madeira que ele havia feito dias antes. Fitou o céu carregado de estrelas, naquela noite morna de verão, de um dia que ele agora já nem lembrava mais qual era. Olhou, estrela por estrela, tentando adivinhar onde estava o seu planeta naquela imensidão infinita do vasto universo que se descortinava a sua frente. Pensou várias vezes na conversa que tivera com Eva minutos antes. E assim ficou por horas, até que resolveu entrar. Eva já estava deitada sobre um colchão que haviam improvisado com algumas folhas de palmeira, entrelaçadas com cipó em várias camadas.
---- Amanhã vou voltar até o grande rio, próximo de onde enterramos a maleta, e vou abri-la! –Disse Adão.
Eva permaneceu calada por alguns segundos.
----Eu dei a idéia e agora me arrependi! Não estou a fim de carregar mais essa culpa!
----Uma culpa a mais, outra a menos, a essa altura do campeonato não vai fazer diferença alguma! O que interessa no momento é que temos que tentar alguma coisa para cairmos fora daqui.
----Você vai avisar o Herbert? –Perguntou Eva.
----Sim! Amanhã cedo eu converso com ele!
Logo que amanheceu o dia, Adão desceu até a choupana onde Herbert e Ana estavam morando e explicou a eles o que pretendia fazer. A princípio não concordaram, depois acabaram por entender que Adão tinha razão. Qualquer tentativa para saírem daquele lugar, pouco ou nada influenciaria na condenação imposta a eles pela Confederação.
Andaram por aproximadamente duas horas até chegarem próximo ao grande rio onde haviam enterrado a maleta. Começaram a escavar com as próprias mãos e não demorou muito para a encontrarem.
Herbert apanhou uma pedra e com um golpe certeiro sobre o fecho que prendia as duas extremidades da maleta, abriu-a com facilidade. Arregalou os olhos diante do que se descortinou a sua frente. Havia muito dinheiro, ouro e pedras preciosas. Havia também, preso a parte superior da maleta, um envelope com uma carta dentro. Ana abriu o envelope e retirou a carta. Colocou os óculos e começou a ler:
---- “Saudações”
Sabíamos que vocês não resistiriam, e que, mais dia, menos dia, abririam essa maleta.
Esperamos que o que encontrarem em seu interior sirva como reflexão sobre tudo que fizeram de errado enquanto viveram em nosso planeta. Vocês já devem ter percebido que dentro tem dinheiro, ouro e pedras preciosas. Bens materiais que os levaram a atos monstruosos, fazendo com que muitas famílias inocentes pranteassem pelos entes queridos que perderam.
O dinheiro representa a ganância. Um mal terrível que endurece os corações dos seres humanos, fazendo com que percam o amor por si próprio, e em conseqüência disso o amor pelo próximo.
O ouro representa o orgulho. Outro mal terrível, que cega os olhos de quem o cobiça, fazendo com que tropecem em suas próprias pernas e caiam sobre o lodo da hipocrisia, tornando-os pessoas de almas imundas.
As pedras preciosas representam a vaidade e a perdição. Um mal também terrível que faz com que as pessoas pensem somente em si, sem se importarem com o sofrimento do próximo, pois só possuem olhos e sentimentos para aquilo que lhes dão prazeres.
Esperamos que agora consigam enxergar que tudo isso não passa de riquezas materiais que serve apenas para inferiorizar o espírito.
Tudo pela qual tanto lutaram para conseguirem, sem se importarem o mínimo sequer com o sofrimento do próximo, estão ai. Esperamos que se arrependam de todo mal que fizeram e se redimam de seus erros.
Que Deus se apiede de suas almas.
Os quatro sentaram-se próximo a uma árvore que generosamente cobriu-lhes com os bálsamos de sua sombra terna e refrescante, e ali permaneceram por um bom tempo sem dizerem nada. Adão foi o primeiro a se pronunciar:
----Alguém tem algo a dizer?
Herbert levantou-se e chutou algumas folhas que forravam o chão.
----Estou pouco me lixando com esse sermão babaca que deixaram para nós! O que eu fiz está feito e não me arrependo de nada!
----Pois eu muito menos! –Completou Ana.
Adão levantou-se e caminhou até a beirada do grande rio. Observou suas águas bravias que parecia ser tão furiosa e indomável quanto eles. Depois retornou lentamente até onde estavam, fechou a maleta, colocou a debaixo do braço e caminhou a passos lentos até a beira do barranco próximo ao rio. O barulho das águas, diante de sua fúria incontrolável, era ensurdecedor. Herbert o acompanhou a curta distância.
----Espere ai amiguinho! Isso não é só seu! Esse pequeno tesouro pertence a todos nós! –Falou Herbert.
----E para que você quer isso? Pretende comprar algum palácio para viver com seus súditos? Esqueceu-se que essa porcaria não tem valor algum aqui nessa droga de lugar?
----Realmente aqui não tem valor algum! Porém podemos comprar a nossa liberdade com esse pequeno tesouro!
----Larga mão de ser idiota Herbert! Eles nunca mais voltarão aqui! –Gritou Adão.
----Como você sabe que eles não voltarão? Por acaso você possui alguma bola de cristal? –Indagou Ana que se aproximou de onde os dois estavam.
----Não é preciso bola de cristal para adivinhar algo tão evidente quanto isso! –Respondeu Adão.
----Estou tendo um pequeno pressentimento que você está querendo ficar com a maleta só para você! –Falou Herbert.
----Cala a boca! Você está agindo como fosse uma criança! Essa maleta e esse monte de folhas esparramadas pelo chão possuem o mesmo valor! –Argumentou Adão.
----Então me dê à maleta! –Pediu Herbert.
Adão deu um passo para trás, sem desviar a atenção de Herbert que o ameaçava agredir na tentativa de arrancar-lhe a maleta das mãos.
----Pois bem você quer a maleta? Pois então vá buscá-la!
Adão rodou a maleta no ar e a atirou dentro do grande rio.
----Idiota!Imbecil! Hipócrita! Por que você fez isso? ----Berrou Herbert enquanto corria pela beirada do barranco tentando acompanhar a maleta que descia rio abaixo.
----Miserável! Na primeira chance que eu tiver eu te mato, seu desgraçado! Gritou Ana enquanto corria em direção a Herbert que completamente alucinado jogou-se nas águas do rio na tentativa de salvar a maleta. Ana não pensou duas vezes, atirou se também nas águas tentando ajudá-lo.
----Loucos! Insanos! –Gritou Herbert desesperado ao ver que os dois estavam se afogando.
----Eles vão morrer! Pelo amor de Deus faça alguma coisa! –Gritou Eva.
Adão correu pela beirada do barranco sem saber o que fazer. Sabia que se pulasse nas águas morreria também. Quase sem fôlego parou um pouco abaixo e apenas observou os dois sumirem na correnteza que lhes abafava o pedido de socorro. Depois de alguns minutos não os avistou mais. Apenas o rio continuava ali. Intrépido, prepotente e cruel. Sem dar a menor importância a Eva que chorava desesperadamente pela morte dos únicos amigos que tinham naquele planeta.
Foi difícil para eles assimilarem a perda do casal. Se a vida já era difícil, agora ficou ainda pior. Antes podiam contar com a ajuda um do outro. Agora teriam que se virar sozinhos.
Os meses que se passaram após o trágico acidente correu sem nenhuma novidade. Eva, agora, grávida de oito meses quase não saia da cabana. Adão não lhe permitia que fizesse qualquer tipo de esforço. Estava ciente que a povoação daquele planeta dependeria só deles. Se alguma coisa acontecesse a Eva seria o fim de tudo. No nono mês Eva deu a Luz a um belo menino que lhe deram o nome de Caim. Logo tiveram um segundo filho que lhe deram o nome de Abel. E as noites e os dias se seguiram mansos e suaves naquele planeta, onde apesar de todo o seu primitivismo, havia abundância e fartura de alimentos. Adão e Eva tiveram outros filhos e viveram os últimos dias de suas vidas naquele longínquo lugar, perdidos em uma parte qualquer da imensidão do universo, condenados a nunca mais retornarem ao seu planeta.