O HOMEM QUE VENDIA RÉSTIAS DE SOL

-Olha a última réstia!

Sempre gritava o pintor de sóis. Tinha o costume de extrair deles, uma réstia de sol vendida juntamente a um poema. Sonhador como era, jurava viajar por outros sistemas solares e que, nessas viagens, aproveitara para pintar o sol de cada um deles. Seus matizes eram tantos e tão belos que não havia cores aqui na terra, capazes de representar os verdadeiros. Afirmava comprar nos planetas por onde passara. Em alguns deles, só na cor vermelha, havia um milhão de matizes. E por isso conseguia tantas nuances. Nos poemas usava sinais gráficos que nenhuma língua conhecia. Traduzia-os convencendo a todos da sua veracidade. Havia fundamento.

Otávio era muito conhecido. Uns o chamavam de “réstia”; outros, de o “mágico do sol”, o “ladrão de réstias, o “poeta-luz”...

De uma poça d’água vinha-lhe um desenho e um poema. Olhava para um lago e um sol maior pintava. Amanhecia e lá estava ele percorrendo horizontes. Quando voltava, às vezes pela tarde, afirmava ter passado por cinco sistemas solares diferentes. E provava com cinco quadros.

Havia uma lenda, contada por mulheres bem casadas, que quem comprasse uma réstia de sol de Otávio seria feliz para sempre! Um deus daquele planeta viria dormir a primeira noite com elas e lhes ensinava certos truques que “amarravam” os seus maridos eternamente apaixonados, dizia. Embora se eles não acreditassem, de fato, isso acontecia. Diariamente um florista levava flores oferecidas pelos maridos. Na cidadezinha havia vinte floriculturas e mais de cem entregadores. Os poemas? Nenhum marido escrevia. Otávio conhecia o gosto de cada mulher e num piscar o poema estava pronto. Lá iam as flores às mãos delas com um poema.

Certa feita, Judite, que se casaria com Afonso, não comprou uma réstia de sol. O casamento sequer foi marcado. No dia anterior houve uma briga, sem motivos, e tudo acabou. Afonso se casou com Márcia, tempos depois. Vive feliz até hoje. Todos os aniversários de casamento ele manda uma réstia de sol, comprada de Otávio, pelo florista, que vive muito bem, tamanha é a quantia das entregas.

As casas de Raio de Sol, era este o nome da cidade, costumam ser construídas com frestas, não porque é quente, mas para deixar entrar réstias de sol, à primeira hora da manhã. Ajudava muito na felicidade, embora ninguém fugisse da necessidade de ter uma réstia do Otávio na parede. Até nos funerais, os caixões continham frestas. Acreditavam que levando uma réstia daqui para o céu entrariam mais fácil.

Otávio estava rico, embora o dinheiro não lhe trouxesse prazer, dizia. Ninguém o contestava, era quase um deus. Os floristas, no aniversário do município, reuniam-se e ofereciam uma festa aos habitantes. O prefeito, um ateu convicto, que não falhava uma, já acreditava em um novo deus: Otávio.

Quem visitava a cidadezinha, encantava-se com a alegria do povo. Diziam, um dia, virem morar em Raio de Sol, Isso preocupava muito as autoridades municipais, o padre e o delegado. Poderia vir morar alguém mal intencionado e passar a se aproveitar da confiança das mulheres para desagregar suas famílias. Bem como a segurança, já que as portas das casas nem sempre eram fechadas. As réstias de sol deviam entrar livres por elas, com Otávio, claro.

Tudo começou quando choveu dois meses ininterruptos e uma jovem senhorita, muito bela, que sentia pavor da chuva, implorou a certo deus por umas réstias de sol. Esse deus, contemplado pela sua beleza, apaixonou-se por ela e, olhando para o céu, arrancou uma pequena réstia do sol que fez reluzir em seus olhos. Daquela hora em diante a chuva parou. Então ele pintou sua primeira réstia e a ofereceu. E num olhar apenas ela se entregara.

Certa tarde, já no lusco-fusco, dois estranhos surgiram na cidadezinha querendo falar com Otávio. Disseram que estavam admirados com o seu trabalho, que gostariam de saber qual o seu segredo. À noite, o prefeito ofereceu um jantar aos três, porém, sem a sua esposa. Era coisa pra homem e à mulher não convinha. Ela dirigiu-se à casa de uma amiga e só voltou quando haviam ido embora.

- E aí? Ensinaste o segredo da nossa felicidade a eles? Ele não respondeu e, desviando o assunto, lhe dissera que vinham a fim de negócios. O que a ela também não interessava.

O comportamento dos habitantes começou a mudar repentinamente. Havia desconfianças no ar. Afinal o que queriam? Casar-se? Não parecia, pois as mulheres dalí eram muito disputadas e as encomendas das réstias de sol andavam atrasadas na entrega. Não havia nenhuma disponível até para os próximos dois anos. Mas eles não saiam da cidadezinha. Sempre à noite passeavam pelas ruas, numa espécie de ronda, investigação...

Otávio passou a ralear suas andanças. Seus gritos de: “Olha a réstia de sol” já se ouvia pouco. Nada que a população devesse se preocupar. Afinal, não falhava na encomenda da réstia quando uma se casasse. Isso lhes garantiria a felicidade. Algo, porém, não cheirava bem!

O prefeito havia se desentendido com sua esposa, porque ela chegara numa tarde com uma nova réstia de sol. Disse-lhe que ganhara de Otávio. Era a sua última réstia de sol que pintara. Chovera um pouco e seus cabelos estavam molhados.

Naquela noite houve uma reunião no clube social, promovida pelo delegado. Estavam lá o prefeito, o padre, algumas autoridades e os dois forasteiros.

Raio de Sol não era mais a mesma na manhã seguinte. Encontraram Otávio assassinado em sua cama. Espalhadas pelo chão, lingeries, que o investigador lavrou como souvenir, supostamente, de quem havia vendido uma réstia de sol. Foi enterrado quando o último raio de sol se pôs no horizonte.

De vez em quando uma réstia de sol risca o céu sobre o olhar esperançoso das casadas. A paz deixou de reinar em Raio de Sol e não houve mais casamentos.

O prefeito se exonerou e foi morar em alhures. Os forasteiros montaram uma agência de turismo e construíram um hotel. O padre pediu a beatificação de Otávio. Já foram comprovados dois milagres de duas virgens que disseram estarem grávidas de uma réstia de sol. Falta mais um, mas que o padre diz ter e o guarda a sete chaves. Os mais alvissareiros supõe que seja o de uma muda, que começou a falar após Otávio por lá passar. Enquanto isso, um santuário está sendo construído em forma de uma réstia de sol.

Vilmar Daufenbach

Vilmar Daufenbach
Enviado por Vilmar Daufenbach em 23/10/2009
Reeditado em 06/11/2009
Código do texto: T1883089