Chapeuzinho Negro I

Era uma vez, uma garota que ganhara um sobretudo de sua avó, um sobretudo negro que chegava a cobrir seus cabelos escuros, deixando a vista apenas seus olhos claros e vazios. Dessa forma, ela ficou conhecida como Chapeuzinho Negro.

Numa linda manhã, sua mãe chamou-lhe e perguntou, acusadora:

-Minha filha, você já tem dezessete anos e não namora. Você é homossexual?

-Não, mãe – Respondeu Chapeuzinho fechando os olhos, nervosa – Por que essa pergunta?

-Ora, você não tem namorado. – Repetiu sua mãe, enquanto fritava ovos para o marido que esperava sentado a mesa.

O homem levou uma caneta de café aos lábios, suspirou e depois falou com a voz de trovão:

-Ainda estou esperando poder cortar a mão de seu primeiro namorado. – Ele sorriu, imaginando a ideia. Era um caçador forte e alto, a barba loira, tão clara que era quase grisalha, cobria-lhe o queixo e o cabelo liso estava guardado em um boné preto.

A garota estava sem fala, constrangida e antes que pudesse responder, sua mãe riu dizendo:

-Depois terminamos esse assunto, sua avó me ligou ontem e disse que gostaria de te ver hoje. Ela tem uma surpresa para você, algo realmente emocionante.

-Está bem! – Chapeuzinho saiu da cozinha, correndo em direção a seu quarto.

Abriu o velho guarda-roupa e tirou o sobretudo antigo. As traças haviam devorado parte da calda, criando um efeito sombrio e mórbido, parecia rasgado. Odiava a ir visitar sua avó. Desde que tinha onze anos, a avó nunca percebera que ela já estava um pouco grande para ouvir histórias de fadas e coisas do gênero.

Vestiu-o e voltou a cozinha: o pai e a mãe haviam desaparecido. Chapeuzinho subiu novamente as escadas, procurando os pais nos cômodos, mas, sua busca foi em vão. Vasculhou todo o andar de baixo e o de cima. Estava olhando embaixo do sofá quando, de fora da casa, ela ouviu os gritos de ódio do pai:

-Não é minha culpa! – Então, a mãe gritou uma, duas, três vezes para silenciar-se completamente depois.

A garota correu o mais rápido que pode para fora da casa, vasculhando a frente, mas não havia nada. Correu para os fundos e ao ver a cena, ficou paralisada, tremendo. Os troncos que o pai havia levado para casa na semana estavam encharcados de sangue. O pequeno banco de madeira que ficava de costas para a floresta atrás da casa, estava ocupado pelo corpo da mão. A cabeça estava fincada em uma espécie de lança de ferro.

Chapeuzinho não sabia o que fazer. Olhou para a casa vazia, os troncos de madeira e para a floresta. E sua surpresa foi ver seu pai, sorrindo nas sombras das árvores. Os olhos carregados de ódio e o sorriso era de um psicopata. Ele soltou uma gargalhada medonha e se virou, correndo para a floresta. Chapeuzinho levou a mão à boca, incrédula.

Olhando novamente para o corpo da mãe, observou atentamente o pescoço aberto, fitando o osso cortado e o sangue que ainda escorria em profusão. A visão fez seu estômago revirar e ela não conteve a bílis que saiu em uma torrente de sua boca em direção ao gramado.

Ela se levantou cambaleando e tentou entrar na casa, ligar para a policia. Sua mente estava perturbada demais para conseguir andar. Preferia morrer a ter que viver com a ideia de que seu pai matara sua mãe.

Andava como um zumbi, os olhos arregalados e tensos. Na metade do percurso, caiu no chão e começou a se arrastar, ferindo-se nas raízes pontudas das árvores que estavam a seu lado. Parecia que toda a floresta estava conspirando contra ela.

Tentou se levantar novamente, apoiando-se na árvore grossa ao seu lado. Apertou a casca da árvore, arrancando parte dela. O tronco era extremamente duro, e apertá-lo fez com que uma de suas unhas saltasse, liberando mais sangue. Chapeuzinho gritou, agoniada. Todo o sentimento de dor e culpa a estavam dilacerando.

Ela continuou a rastejar até a porta da casa e viu o xerife passar na estrada, fazendo a ronda.

-Ajuda. – Ela murmurou.

O xerife olhava em volta, mas, ao ver a menina parou a viatura, saindo do automóvel sem desligá-lo. Pegou-a no colo e a levou para a dentro da casa e a colocou no sofá do modo mais confortável possível.

-O que houve? – Ele perguntou, olhando a unha encravada da garota.

-Acabou. – As lágrimas explodiram de seu rosto enquanto ela revivia os momentos mais horríveis de sua vida.