ROMANCE - A FÊNIX NEGRA - CAPÍTULO II - parte 1

Primeira Parte – Os Quatro Cavaleiros

A sede do Eisenbank em Berlim é um prédio alto e imponente, localizado na Tiergartenstasse. Da luxuosa sala da presidência, naturalmente no último andar, todo ocupado por ela, em seus múltiplos ambientes e ampla suíte pessoal do presidente, pode-se abarcar praticamente todo o parque com a vista e os poucos escolhidos que o fazem não se arrependem: a beleza é indescritível em qualquer época do ano.

Diante da enorme janela de um tipo de vidro a prova de balas só ali existente em toda Berlim, fino, límpido e transparente, fabricado e trazido de Germania, o presidente do banco, Herr Otto Eisenkopf suspira levemente, extasiado pela beleza natural da qual jamais se cansa, antes de se voltar. Sentado num enorme e macio sofá de couro, seu filho, Rudolph, Vice-Presidente Geral aos 29 anos sem favorecimento algum do poderoso pai, pois por escolha própria começou sua carreira como simples contínuo, subindo à medida que seus estudos e méritos iam sendo apreciados. Já era então considerado um dos grandes gênios econômicos da atualidade, um de seus livros, que escrevera aos 23 anos, sendo praticamente obrigatório nas boas faculdades de Economia, no qual defendia ser perfeitamente possível se manter a maior parte do tempo como um conservador mas ter visão para aproveitar as janelas de oportunidade que de tempos em tempos surgiam. O espetacular progresso do EisenBank dava respaldo às suas idéias, o único a sobreviver intacto e sólido diante das sucessivas hecatombes econômicas que vinham assolando o mundo todo desde 2007. Agora espera, sabe que o pai o chama raramente, até para evitar murmúrios de ‘conchavos entre o velho e o pimpolho’, a ocasião deve ser importante. Finalmente, Herr Otto fala:

- Rudolph, ele está chegando. Nada sabe das alterações no Plano. Creio que não ficará nada satisfeito. Você, como amigo íntimo, pode...resolver...

- Herr Präsident – eles jamais usavam termos familiares no banco – creio que será algo complexo mas darei um jeito. Ele é um Waffen-SS, acima e além de qualquer consideração. O dever vem primeiro, sempre!

- Gosto quando fala assim, bem como sua irmã. Jamais me desapontaram... – surpreendentemente, fala de modo paternal. Rudolph está surpreso. Estará o velho amolecendo? Mas mantém o tom neutro e profissional.

- Jamais o faremos, Herr Präsident. Ademais, ele é meu velho amigo e camarada de armas...

- Sim, sei que eram inseparáveis na Jugend bem como no seu serviço obrigatório nas Waffen...

- E temos mantido contato regularmente. Pode ficar descansado, eu me entendo com ele...

- Use bastante tato, sim? É um dos melhores soldaten que temos, extremamente inteligente e capaz, mas mesmo homens assim podem cometer desatinos pela razão que eventualmente julguem certa e que, aliás, geralmente é a razão errada... – sorriu.

Ao lado do banco há um prédio bem menor, uma luxuosa pousada pertencente ao mesmo, onde se hospedam clientes especiais, grandes investidores, políticos, qualquer um cuja satisfação interesse ao EisenBank. O prédio, diferente do vizinho, é no mais puro estilo germânico, com seus múltiplos telhados ponteagudos. Sua cozinha e adega são mundialmente famosos. Esta última fica no subterrâneo e é rigorosamente inacessível, guardada por dentro por seguranças armados do próprio banco. Há quem diga que ela foi escavada bem junto ao cofre principal, também subterrâneo, daí as precauções. Apenas o chef pessoalmente tem acesso. Ou assim deveria ser.

Um homem louro, alto e forte, pele tisnada de sol, muito bem vestido e com apenas uma maleta, se registra na pousada, com o usual passe do banco. Herr Lang, Superintendente de Auditorias e Negócios para a África. Sua reserva data de mais de três meses, para a suíte número trinta e sete, no terceiro e último andar. O boy o conduz a seus aposentos. Herr Lang permanece com a maleta. Aberta a porta e entregue a chave, antes mesmo que o rapaz tente ser amável, é dispensado com um seco danke e a porta é trancada. Não se importa com isso, os únicos que costumam ser amáveis e dar gorjetas são os árabes e latinos, já os alemães...”raça de merda” – murmura entredentes, enquanto se afasta.

O dito ‘superintendente’ abre a maleta e retira seu uniforme, colocando-o cuidadosamente sobre a cama. Na maleta fica apenas uma pasta negra de papelão e um pequeno tubo de plástico marrom. Depois vai ao chuveiro e toma uma rápida ducha, mais para remover o bronzeado artificial de sua pele alva, eis que se espera que alguém que tenha passado meses na África tenha sofrido as agruras de seu clima tórrido. Após secar-se e vestir sua farda com muitas condecorações e pendurar ao pescoço a RitterKreutz (NDA: Cruz de Cavaleiro, condecoração imediatamente superior à Cruz de Ferro, 1ª Classe), olha-se ao espelho, algo vaidosamente. “Agora sim, este sou eu” – pensa. “Hauptsturmführer Lang. Com um pouco de sorte, ainda este ano chego a Sturmbahnführer...” Consulta seu relógio. Vai chegar, como sempre, um pouco antes. Ótimo.

A suíte trinta e sete nunca é cedida a ninguém sem a aprovação pessoal de Herr Otto. Os funcionários que fazem a limpeza são sempre os mesmos, antigos e discretos. Não poderia ser de outro modo. Há uma porta interna sempre trancada que não deve ser jamais aberta e eles sabem disso. A chave é dada apenas aos hóspedes selecionados para ocupá-la. Satisfeito com sua aparência, após endireitar ligeiramente a RitterKreutz para que ficasse bem ao centro, Lang apanha a pasta, se dirige à porta e vira a chave duas vezes para a esquerda, depois outras duas para a direita e finalmente mais uma para a esquerda, retirando-a em seguida. Então, com um clique, a porta desliza suavemente ao invés de abrir para dentro ou para fora, como se esperaria. É um elevador. Não há botões, apenas uma câmera e um pequeno alto-falante, de onde sai uma voz feminina:

- Willkommen, Herr Hauptsturmführer. Vou conduzi-lo imediatamente ao OberKommando.

Lang sente o elevador descer. Sabe que, abaixo do imenso cofre do banco, há algo muito mais secreto. E valioso.

O elevador para. A porta se abre. Dois SS-Unterscharführer se perfilam, batem forte os calcanhares das botas e erguem a mão:

- Herr Hauptsturmführer, Heil Hitler!

- Sieg Heil! Sou esperado.

- Jawohl, sala do Comandante de Operações Especiais. Se o senhor desejar...

- Nein, conheço o caminho, danke schön. – e se dirige a passo firme, muito ereto, para a sala ao fundo do longo corredor. Diante da porta, outros dois enormes SS. Mesmo ritual. A porta é aberta pela secretária, que o presenteia com um belo sorriso:

- Grande prazer em revê-lo, Hauptsturm. O SS-Brigadenführer o aguarda. Queira ter a gentileza de ir diretamente até ele.

Lang apenas sorri para ela, murmura um agradecimento e segue. Abre-se a última porta e ele entra no escritório de seu comandante direto, onde uma surpresa o aguarda. Sentado à mesa do SS Trauber, está seu velho amigo, Rudolph Eisenkopf. O próprio Trauber está num sofá, olhar impassível. – “o que diabos está acontecendo?” – pensa Lang. “Rudy entende tanto de armas e operações quanto eu de bancos, será que terei de apresentar meu relatório a...?” – Rudolph se ergue e vai até ele. O abraça efusivamente:

- Meu caro Kurt, que saudade!

- Rudy, não posso deixar de perguntar...

- Está surpreso , não? Pois é, temos de conversar sobre alguns assuntos.

- Arianne? Algo aconteceu a ela?

- Calma, meu amigo, ela está com perfeita saúde, como sempre. – volta-se para o Brigadenführer:

- Pode nos dar licença? Mandarei chamá-lo tão logo seja possível. Ah, diga à sua secretária que não devemos ser interrompidos exceto pelo meu pai em pessoa, sim?

O homem sai, rosto tão impassível quanto antes, mas Lang o conhece há anos, sabe que o homem ferve de raiva por dentro. Como culpá-lo? Praticamente enxotado de sua própria sala, e por um civil...

Estão reunidos em uma fazenda no interior do Mato Grosso, alegadamente de um amigo do Coronel Bolovo, chamado Travassos. Na realidade, seu nome é Boris Kumanski e é antigo residente do falecido KGB, tendo sido conservado pelo FSB, seu sucessor. Seus olhos escuros e tez amorenada o haviam tornado ideal para a missão de inocente criador de gado bubalino e plantador de soja. Com o tempo, aprendera as manhas do ofício e acabara mesmo gostando. Mas nunca se esqueceu de quem era. Havia algumas peculiaridades na imensa fazenda, como uma área de mata densa com centenas de hectares e uma pequena clareira no centro, com alguns galpões camuflados no meio do mato. Aliás, a camuflagem era esplêndida, idéia de Boris: cortavam-se árvores e usavam-se os troncos para construir as paredes e telhados. Depois tudo era calafetado e recoberto com grossa camada de terra, ficando com a aparência de pequenas cavernas. Com os anos, nascera vegetação por cima e pelos lados e agora era tudo indistinguível, mesmo radares nada acusariam. Outra diferença era a pista dos aviões de fumigação e ‘paquera’ do gado, muito mais longa do que o necessário. Um Agente Federal, numa inspeção de rotina, certa vez levantara a questão. Boris:

- Mas o senhor vê, aqui tem veiz que alaga muito, a gente usa a parte da pista que fica seca e já aconteceu de nem assim poder decolar pra ver adonde o gado anda, eu ando inté pensando em encompridar mais um pouco, o senhor num sabe como às veiz é difíci pressas banda... – seu sotaque caipira e jeito bonachão enganava a todos. Mal sabia o Agente Federal que tinha diante de si, na ocasião, um agente altamente treinado e experiente do KGB, que poderia matá-lo, revistá-lo e desarmá-lo antes que seu corpo tocasse o solo então poeirento.

Fala o Coronel Bolovo:

- Senhores, primeiramente devo dizer-lhes que é uma honra para mim comandar Soldados treinados pessoalmente por meu amigo, Coronel Wolfgang. Estamos aqui apenas para verificarmos e, se necessário, aprimorarmos algumas capacidades técnicas. Seu antigo comandante, em que pese suas excepcionais habilidades, sempre esteve com sua mente mais voltada para ambientes de selva, já meu caso é o oposto: minha maior habilidade é em ambientes urbanos. Para estes, há que se desenvolver aptidões e habilidades menos necessárias na selva...

- Senhor, permissão para falar! – era o ‘Perdigueiro’.

- Concedida.

- Senhor, o ‘ratão’ sumiu na selva, não? O que a gente vai querer com...

- Tenente, vamos assumir desde já algo que tenho como fato indiscutível: aquilo lá não pode ser penetrado, não do modo habitual, ou seja, observação, infiltração, operação, exfiltração. Não! Certamente está coalhado de sensores de algum tipo que desconhecemos, estudei os relatórios de aviões e satélites naquela maldita madrugada e não foi detectada nenhuma emissão. Nem rádios, nem radares, nem termais. Meu palpite é que o Coronel e sua equipe chegaram até lá, foram detectados e destruídos ou aprisionados. A questão é: ao menos alguns tiros deveriam ter sido notados pelos termais, ao menos o calor de algum corpo, e nada. É como se nunca tivessem existido...

- Mas como ficamos, então? – pergunta o Major Freitas.

- ‘Judeu’, em sua opinião qual o interesse dessa Jungle Watch?

- Ah, apenas outra ONG querendo...

- Aí é que está: parece ser isso. Mas me dei ao trabalho de estudá-la e descobri algumas coisas bem interessantes. Eles têm operações pequenas em quase todo o mundo, apenas no Brasil assumem a envergadura que aí temos, a ponto de terem – desculpem a franqueza – bancado a eleição de seu próprio Presidente...

- Como assim? ‘Nosso’ Presidente? É seu Presidente também, não? – pergunta Freitas.

“Tenho que ser mais cauteloso” – pensa o Coronel Bolovo. – Desculpem, falo assim porque não votei nele e nem votaria, não sei se sabem mas não sou muito amigo de ONGs ditando ordens no Planalto. Mas prosseguindo...

- Não, me desculpe mas primeiro o senhor responda uma coisa: de que unidade é? É da FAB, EB, o quê...? – era agora o Sgt Renan, o ‘pajé’.

- Lamento, senhores, esta pergunta terá de ficar sem resposta. Apenas posso assegurar-lhes que sou realmente Coronel da ativa, amigo pessoal de seu comandante e especialista com bastante prática (quase disse ‘inclusive em combate, como na Chechênia, na Geórgia e na Ucrânia’, mas se conteve) nas mesmas funções que exercem. Ademais, creio que foi feito um juramento pelos senhores e atrevo-me a dizer que sei que querem muito saber que fim levou seu pessoal. Bem, sou a melhor chance que têm, agora decidam se confiam em mim ou não. Os senhores têm duas horas para discutir o assunto, estarei no barracão três. Se resolverem que não confiam em mim, irei embora imediatamente e me apresentarei a meu comandante, retornando às minhas funções normais. Se quiserem seguir em frente sozinhos e acharem necessárias estas instalações para treinarem, posso pedir isso ao meu bom amigo Travassos, ele nunca me negaria um favor. Agora, se quiserem seguir comigo, nunca mais quero ter de responder perguntas que não tenham relação direta com a operação. Espero ter sido claro.

O Major Freitas:

- Senhor, creio que...

- Duas horas, não mais, não menos. Barracão três. Se não aparecerem todos e prontos para me seguirem...como vocês dizem...’até o inferno’ sem perguntas, saberei que estou fora, pegarei minhas coisas e partirei. Reitero que a área permanece à sua disposição. Com sua licença, senhores... – e deu a volta, não como um soldado comum o faria, mas à mesma maneira do Coronel Wolfgang, como um tigre se voltando para atacar um inimigo atrás de si. “Bem, agora ou vai ou racha” – pensava o Coronel...

A tropa restante se reuniu em círculo na clareira. O ‘pajé’:

- Mas credo, que sujeito azedo, dá até para dizer que bebe uma garrafa inteira de vinagre todas as manhãs...

O Reichsführer era realmente insuportável. Ela fazia o impossível para não reagir com irritação ao hábito do homem de tocá-la a cada vez que falava algo, os olhos inundados de luxúria. Mas mesmo ele sabia até onde poderia ir pois, mesmo vários graus abaixo dele na hierarquia, uma queixa grave que ela fizesse a seu poderoso pai o destruiria imediatamente. Não, era melhor contentar-se em apenas tocá-la de vez em quando, sentir aquela pele macia, aquele corpo rijo. Não agüentando mais a excitação, chamou uma das aeromoças e pediu que esta o conduzisse à suíte. Elas estavam ali para isso também, satisfazer ao insaciável Reichsführer. Enquanto possuía brutalmente a funcionária, ele sussurrava ao ouvido da pobre mulher “está gostoso, não está, Arianne...?”

A imponente aeronave pousou em Manaus. Rápido translado para um helicóptero executivo. Este voou para o norte, direto para uma das áreas de preservação da Dschungel Wachen. Não havia nenhum índio à vista para se incomodar com o ruído do heli. Na verdade, não havia nenhum índio vivo num raio de mais de cem quilômetros, haviam se encarregado disso. Ali chegando foram recebidos por pessoal da SS à paisana, vestidos como pesquisadores. Após as cortesias de praxe o Reichsführer, impaciente, exigiu ser logo levado a Germania. O comandante local ficou bastante desapontado, queria mostrar os novos progressos feitos, as novas técnicas que permitiam que o ouro abundantemente extraído da região fosse purificado e convertido em lingotes num tempo curtíssimo. Haviam sido descobertas novas jazidas também, ainda maiores do que as que já exploravam. Bem, Herr Rudolph ficara impressionado e isso não era pouca coisa, mas era apenas um civil, para um SS o que importa é a boa impressão que possa causar a outro SS, um superior, claro. E o maior deles, o Reichsführer, não queria nem saber. Bem, deveria estar preocupado com outras coisas, certamente não era fácil a vida do futuro Líder do Mundo...Foram então conduzidos a um enorme barracão: um hangar. Lá dentro, algo que sempre comovia a alma alemã e nazista de Arianne, um atestado indiscutível da superioridade germânica: uma longa e negra aeronave, sem nenhuma forma de propulsão aparente, turbinas, hélices, entradas de ar, nada. Ela sabia que as pequenas asas tinham muito pouco a haver com a sustentação ou manobrabilidade do aparelho, sendo meros depósitos de baterias de reserva. Uma porta estava aberta para baixo, indo até o solo. Subiu os degraus após o Reichsführer, ainda comovida. O interior era bem simples, trinta e oito poltronas regularmente espaçadas, de duas em duas, nada do luxo do Lineage. Mas que era comovente, ah, sem dúvida era. Nada na terra se comparava àquilo...

Removido do hangar, o estranho engenho simplesmente se fundiu à paisagem circundante. Bem de perto, mal dava para ver seus contornos. Então, sem ruído algum, começou a erguer-se na vertical, fazendo uma leve curva e se dirigindo a Germania. Suave música alemã se ouvia nos alto-falantes de bordo. Sentada ao lado do Líder, Arianne não pôde conter um suspiro de emoção por estar a bordo de tal maravilha, por fazer parte de algo tão grandioso. Emoção que se tornou em asco tão logo o homem mais uma vez lhe tocou o braço:

- Sim, minha bela, estamos a bordo da recém-nascida primeira asa da Fênix, ou seja, a aeronave suprema, diante da qual tudo o que atualmente voa não passa de sucata ultrapassada. Ainda é um protótipo, muito se há que aperfeiçoar, principalmente em duas áreas: propulsão e furtividade. No último teste um daqueles obsoletos aviões-radar dos untermenschen nos detectou, ainda que por breves instantes. De algum modo, estando bem perto e focando muita energia podemos ser detectados e rastreados. Daquela vez o piloto foi esperto, enveredou por um vale à máxima velocidade que conseguiu e pousou numa pequena clareira que conhecia. Mas foi por pouco, teve de passar mais de vinte e quatro horas lá para não ser descoberto, morrendo de medo de as baterias se esgotarem e não conseguir retornar depois. Não que sejamos incapazes de resgatar uma aeronave, é até simples, levamos baterias extras, instalamos e é só levantar vôo. Mas para o piloto seria uma humilhação, ter de ser socorrido. Ademais, ficar sem carga nas baterias é ficar sem camuflagem, seria um desastre se fosse fotografado ou pior, capturado. No fim, este incidente acabou por ter um final feliz, nos levando por mero acaso a encontrar o segundo Ariano Perfeito, nível dez, o seu par ideal para o bem do Quarto Reich...

“Sim” – pensou amargamente Arianne – “meu par ideal, um macaco geneticamente perfeito...”

- E então, Coronel?

- Está difícil, Brigadeiro. Como toda Tropa de Elite, são muito perceptivos e curiosos. Mas dei-lhes um ultimato e duas horas para pensar. Assim, ou...

- Ou assume definitivamente o comando ou cai fora, correto?

- No que o senhor apostaria?

- Nem cabe aposta aqui, já devem estar todos contando os minutos para se apresentarem ao senhor, Coronel. Conheço meu pessoal, vão ter um treco se não fizerem alguma coisa logo...- o Brigadeiro não conseguiu conter uma risada.

- Espero que sim, ainda mais quando lhes expuser meu plano de ação.

- Vai insistir nisso?

- O senhor vislumbra outra alternativa? Se formos direto para lá, não importa de que jeito, vamos sumir igual aos outros. Não, não, vamos atacar onde não esperam...

- Coronel, isso pode dar uma encrenca dos diabos...

- Pois lhe proponho nova aposta: dê no que der, todo mundo vai acobertar. Uma caixa de Stolichnaya e outra de Cohibas contra...

- ...contra meu comando, minhas divisas e mesmo minha cabeça, se não funcionar como o senhor diz. De qualquer modo, já fomos longe demais para darmos marcha à ré. Se o senhor tomar as rédeas dessa turma aí, de minha parte, vá em frente. E que se foda, não vou morrer com a destruição de uma unidade que acompanhei desde o princípio na consciência, sabendo que poderia ter tentado algo e nada fiz! Confio no senhor, Coronel.

- Obrigado pela confiança, senhor. Não vai se arrepender. Até breve.

O Coronel Bolovo pensou um pouco, depois ligou o laptop e o conectou à internet com seu novíssimo modem Iridium. Acessou um inocente blog alemão de comentários políticos. Procurou um pouco até achar o post que convinha ao comentário que tinha a fazer e que sabia que era monitorado pelos seus superiores; o blogueiro terminara um texto sobre o futuro da União Européia com as palavras “De meu ponto de vista, as uvas ainda estão verdes...”

Usando seu Nick, ‘neueDeutscher’ (NDA: novoAlemão), comentou:

“ Onde você vê uvas verdes, eu vejo um grande sinal verde. A integração corre a contento e os resultados não tardarão a aparecer.”

Pareceria uma mensagem de esperança a um leitor comum mas não ao Operador que monitorava aquele blog. Em poucos minutos um breve relatório estava em uma certa mesa no Kremlin. O homem que a leu perdeu-se em pensamentos: era uma jogada bem alta...

O aparelho cruzava o céu silenciosamente ao dobro da velocidade do som. A floresta e rios abaixo não passavam de um monte de borrões verdes e azuis-acinzentados. Arianne bem que preferiria ir mais devagar para poder apreciar melhor a paisagem. O Reichsführer prosseguia em sua arenga técnica:

- Como eu dizia, falta-nos aperfeiçoar a propulsão e a furtividade. Nossos avanços em eletromagnetismo permitiram, com o uso de uma resina ainda em desenvolvimento, fazer com que ondas eletromagnéticas sigam a dinâmica dos fluidos, daí é apenas uma questão de usar as formas certas e as ondas de radares não serão refletidas nem absorvidas mas sim passarão pelas superfícies da aeronave como o ar ou qualquer outro fluido. Estamos estreando neste vôo a quarta geração desta resina, quando fomos detectados estávamos na terceira. Diria que em uns cinco ou seis anos teremos atingido a perfeição, tanto da resina quanto das formas ideais para o nosso ‘pássaro’. Já a propulsão é mais complexa, depende exclusivamente de impulsão e repulsão de plasma eletromagnético induzido e localizado, provendo sustentação, propulsão e camuflagem visual e termal. Temos – e de longe - as melhores baterias do mundo mas ainda nos falta evoluir muito neste tema para chegarmos a uma autonomia que nos permitisse voar até a Europa, por exemplo. No momento atual, para passar de uns mil quilômetros ou desligamos a camuflagem ou desligamos a propulsão ou a sustentação, daí a necessidade de mantermos sempre altas velocidades, isso nos permite poupar em sustentação, que se dá pelos velhos princípios da aerodinâmica supersônica. – Roçou suavemente o braço dela, subindo lentamente do antebraço até o ombro. Arianne não suportou mais:

- Herr Reichsführer, peço-lhe respeitosamente que não faça mais isso.

- Mas por que, minha tão linda jovem? Não gosta de ser tocada?

- Absolutamente não, Herr Reichsführer. Peço-lhe desculpas...

- Sem problemas, minha cara, nem imaginava... – “putinha emproada, não tivesse o pai que tem e eu te estuprava aqui mesmo e aposto que você ia acabar gostando. Du scheisse...”

Batem à porta do barracão três. O Coronel Bolovo consulta seu relógio. O laptop continua ligado e conectado, mas agora exibe uma imagem.

- Podem entrar.

Entram os doze homens, em fila indiana, seguindo o ‘judeu’. Perfilam-se todos. Fala o Major Freitas:

- Discutimos o caso, senhor. Pedimos desculpas e nunca mais acontecerá nada parecido. ATÉ O INFERNO! – os homens se uniram em um segundo brado, olhando-o após de maneira penetrante. Então, ao lançarem o grito de guerra pela terceira vez, o Coronel os imitou. Passado o instante de euforia, falou aos comandados:

- Senhores, a abordagem a este inusitado caso me pareceu errada desde o princípio. Lá não tem como entrar, gente de primeira tentou e sumiu sem deixar vestígios. Não, não é por aí. Se não podemos pegar esses caras, podemos dar uma espiada mais de perto em quem os protege.

- O senhor não está falando em...? – o ‘judeu’ não pôde deixar de ver a imagem do prédio exibida na tela LCD de quinze polegadas do laptop.

- Sim. Estou. Senhores, vamos treinar aqui algumas habilidades especiais de infiltração em guerra urbana, pois vamos penetrar na sede da Jungle Watch, em Brasília, e ver o que há lá dentro, aposto que iremos nos surpreender com o que iremos achar mas garanto que eles vão ficar ainda mais surpresos que nós...

No heliponto, no topo do edifício-sede do EisenBank, um helicóptero executivo EC-135 HERMES aguarda, os dois pilotos prontos para a decolagem. Surge então o alto Herr Eisenkopf, curvado por causa das pás do rotor. Um segurança que o acompanha abre a porta e ele entra, instalando-se no confortável assento, especialmente desenhado para ele. Em sua versão original, a aeronave pode comportar até cinco passageiros e um piloto, ali são apenas dois e dois. Tão logo ele dá a ordem, o HERMES decola graciosamente, deslocando-se rumo à Suíça. Tem um encontro marcado com os outros Três, não pode nem deve chegar atrasado, como Grão-Mestre deve dar sempre o exemplo.

Há uma mansão encravada na encosta de um alto monte, próximo aos Alpes Suíços. Não há trilhas nem estrada até o topo e abundam os cartazes contra caçadores, esquiadores e alpinistas, na remota hipótese de aparecerem por ali, dado o dificílimo acesso à região, que é particularmente propensa a avalanches de neve. Guardas florestais particulares, devidamente armados, patrulham incessantemente a região. Ademais, a mansão está quase sempre coberta de neve e nevoeiro. Mas não hoje, um dia claro e límpido. Após umas três horas de vôo, o helicóptero que conduz Herr Eisenkopf se aproxima e este contempla a casa. Conhecedor de História, sabe que qualquer um a tomaria como cópia melhorada da Kehlsteinhaus (NDA: Casa da Montanha), que passou a ser mais conhecida como o ‘Ninho da Águia’ de Adolf Hitler: ledo engano, o bunker nazista é que era cópia – bastante imperfeita, aliás – daquela a que chegava Herr Otto. Na verdade, sequer era mesmo uma casa. Era um pequeno castelo, última fortaleza onde o Grão-Mestre Albert Von Brandenburg pretendia manter intactos os preceitos e fundamentos da Ordem dos Cavaleiros Teutônicos, após ter abandonado o catolicismo para se converter à doutrina de Lutero com o objetivo de poder se tornar Duque hereditário da Prússia, que veio a originar a Alemanha como a conhecemos. Até poucos anos após a Segunda Guerra, havia uma pequena e acidentada trilha até lá que, com o advento de helicópteros relativamente seguros, foi destruída após a construção de um heliponto e hangares. Agora só se chegava e saía pelo ar...

Na ampla Sala das Armas, mobiliada de modo medieval, com armaduras vazias, espadas, machados de guerra, bestas e lanças como decoração, três homens já passados da meia-idade conversam sobre amenidades, diante de uma lareira. Todos vestem hábitos brancos com cruzes negras no peito. O ruído da aeronave lhes chama a atenção.

- É ele. Sempre pontual...

Em poucos minutos, Herr Otto Von Eisenkopf (suprimira o ‘Von’ de sua identidade civil para bem da discrição), Grão-Mestre da Ordem dos Cavaleiros Teutônicos, entrava no recinto. Após as saudações rituais, cada um agora instalado em uma pouco confortável poltrona feita no século XIV, fala o Grão-Mestre:

- Senhores, posso dizer que minha parte está muito perto de estar completa. Germania é um sucesso, o banco não tem rivais no mundo e tenho um casal de Arianos Perfeitos, plenamente nível dez, jovens e saudáveis, que induzirão um imenso melhoramento genético em nossa raça, tornando-nos definitivamente o Herrenvolk (NDA: Povo-senhor). Além disso, em breve lhes apresentarei meu filho Rudolph, que submeterei à vossa consideração como meu futuro substituto na Ordem. E o senhor, irmão Von Regensburg?

- Bem, diria que em cerca de um ano terei o monopólio quase exclusivo das principais fontes de alimentos e combustíveis da terra. Estou comprando sem parar, através de uma miríade de empresas-fantasma perfeitamente estruturadas, com presidentes e acionistas mas que, através de um processo de afunilamento, terminam todas respondendo e obedecendo diretamente a mim. Também tenho um filho, como sabem, de sangue nobre puríssimo mas ainda jovem demais, porém bastante promissor...

- Quase? – Von Eisenkopf ergue ligeiramente o cenho.

- Será mais do que o bastante para o Plano, confie em mim.

- Sabe que confio. Irmão Von Lübeck?

- Assim que Germania me fornecer o que pedi – e me foi prometido para menos de um ano – terei o suficiente para, usando minha indústria farmacêutica, que está para os medicamentos genéricos como as empresas do Irmão Von Regensburg para comida e combustível, por em execução minha parte no Grande Plano.

- Irmão Von Huhn?

- Já tenho sob minhas ordens, através de prepostos, milhares de senhores da guerra, generais e políticos ambiciosos, ditadores do terceiro mundo e toda sorte de revolucionários, terroristas e guerrilheiros. Outros se somam todos os dias, mas tenho sido bem provido de fundos, graças ao nosso amado Grão-Mestre, e sido pródigo em distribuí-los, mantendo o pessoal quieto, treinando e se armando cada vez mais...

- Graças a Germânia, que nos mantém um fluxo contínuo de ouro e pedras preciosas. – corrige Von Eisenkopf.

- E não é a mesma coisa? Germania e o senhor são um só! E o senhor é o nosso líder, o que comandará os que tiverem permissão de existir no Novo Mundo que traremos ao lume, sem guerras, sem fome, sem doenças, sem injustiças, sem tiranias e crimes. Finamente, o Mundo Perfeito. E ariano...

Von Huhn parece hesitar. Tem uma pergunta mas não consegue decidir se deve ou não fazê-la. Von Eisenkopf percebe:

- O que o incomoda, irmão?

- Irmão, esses nazistas...

- Que têm eles?

- Não são gente normal, reconheço que só há arianos puros entre eles mas...não parecem pessoas decentes, parecem mais...robôs...

- São úteis por enquanto, é o que importa. Há uma fase em qualquer grande plano, Irmão Von Huhn, em que é mister se poder contar com fanáticos – é a palavra que buscava, não? – e estamos nela, Germania jamais seria o que é sem eles. Quando deixarem de ser necessários... – deixou o desfecho no ar...

Mais tímido do que nunca, Huhn voltou à carga:

- Sua filha, Grão-Mestre? Ela é nazista de corpo e alma, dizem...

- E daí? Que tem ela? É apenas uma mulher, geneticamente privilegiada, que nos permitirá um salto maior rumo à perfeição. Nazista ou comunista, sua função será apenas ovular e gerar arianos perfeitos. Quando perder sua principal utilidade, ou seja, entrar na menopausa, ou se conforma com um mundo sem tiranias – inclusive a nazista - ou... – deixou a frase no ar outra vez...

- Irmãos – anunciou o Irmão Von Lübeck – o jantar está pronto para ser servido. Se não se ofenderem, poderíamos continuar a discutir mais tarde com um cálice de conhaque nas mãos à frente da lareira, não?

Os quatro Cavaleiros se ergueram e seguiram para o salão de jantar.

Germania. Sala de Controle e Defesa. O SS Steiner explica, em linhas gerais, o seu funcionamento ao Coronel Wolfgang:

- Daqui controlamos o espaço terrestre e aquático num raio de mais de quinhentos quilômetros. O espaço aéreo é monitorado a mais de mil quilômetros em azimute e virtualmente sem limites em altitude. Um simples macaco saltando de uma árvore para outra pode ser até classificado com precisão como macho ou fêmea. O senhor e seus homens já haviam sido detectados no momento em que saltaram daquele avião. Quando notamos a lancha, logo percebemos o que pretendiam. Então, tivemos várias horas para monitorá-los e preparar-lhes a emboscada, na qual aproveitamos para testar armas ainda experimentais, que lhe mostrarei mais tarde.

- Mas como podem monitorar um espaço tão amplo sem que seus sensores sejam detectados?

- Simples: usamos exclusivamente sensores passivos, que retransmitem suas informações em tempo real usando feixes direcionados e estreitíssimos de microondas. Já lhe falei de nosso avanço também neste campo da Ciência. Seus E-99B e mesmo os J-STARS norte-americanos podem passar em vôo rasante diretamente por cima no momento em que estivermos recebendo/transmitindo que não detectarão nada. No entanto, se um sujeito qualquer nas proximidades ligar um radinho de pilha, será imediatamente detectado. Seus cientistas sequer sonham com a existência das janelas de freqüência que usamos; além do mais, nosso Supercomputador atual, o Kraut...

- Kraut? Repolho? Nome estranho para...

O SS-Standartenführer riu gostosamente:

- Temos gente bem humorada entre nossos cientistas. A forma atual do nosso terachip lembra vagamente um bulbo vegetal se abrindo. Alguém sugeriu chamá-lo de Rosa – tinha alguma semelhança com uma - mas sua cor é verde, então um dos pesquisadores veio com essa de Kraut, todo mundo riu e o nome pegou. Mas ia lhe dizendo, nosso Kraut serve a tudo aqui em Germania, inclusive à Defesa. Vou lhe contar um caso que aconteceu ontem e está relacionado à sua malfadada operação contra nós. Bem, os americanos enviaram um daqueles seus ridículos aviões-asa que eles presumem serem furtivos em nossa direção. Isso tocou vários alarmes, aquela coisa costuma conduzir armas nucleares e bastaria uma bem colocada para nos deixar em sérios apuros. Então, um feixe finíssimo de microondas foi emitido em direção a um dos satélites GPS que orientavam o aeroplano. Obtido com discrição um link com o computador central do satélite, foi bem simples linkar o computador central do avião e, a partir daí, tudo o que fosse eletrônico a bordo dele estava sob monitoramento direto nosso. Fomos primeiro ao sistema de armas, pois nos interessava sobretudo saber se haviam nukes a bordo...

- Haviam?

- Não, nenhuma arma de nenhum tipo. Então...

- Mas e se houvessem alguns mísseis nucleares? – interrompeu Wolfgang, interessado.

- Bem, checaríamos se haviam coordenadas de disparo para eles e ordens a respeito no computador de tiro.

Suponhamos então que houvessem as armas e estivessem previstas para serem disparadas sobre nós, serve a hipótese?

- Sim, por favor, prossiga...

- Bem, reprogramaríamos o padrão de voo do B-2 e de disparo dos mísseis, o que resultaria num ataque nuclear àquela área sob controle das FARC, na fronteira da Colômbia com a Venezuela. O americanos se tornariam definitivamente os párias da humanidade... Mas eu estava lhe relatando um caso real e o senhor veio com uma hipótese, poderíamos discuti-la com mais calma em outro momento, agora eu...

- Desculpe, Herr Steiner, não tive a intenção mas o senhor sabe como é, militar sempre pensa...

- Não se incomode, meu amigo. Tudo aqui é novidade para o senhor, o compreendo perfeitamente. Mas, como eu ia dizendo, não haviam armas a bordo mas sim sensores, muitos deles. Checando o FMS do avião, percebemos que iriam fazer muitas passagens diretamente sobre nós, com todos aqueles sensores tentando nos descobrir. Como era quase tudo puramente eletrônico, poderíamos inserir os dados que quiséssemos. Não obstante, logo detectamos um problema: um pequeno pod com câmeras puramente óticas, uma fotográfica e outra filmadora. Ambas com filmes de altíssima granulação. Poderíamos preenchê-los com imagens pixeladas ou simplesmente queimá-los ou fazê-los serem gastos antes do momento, mas isso apenas causaria maiores suspeitas por parte dos americanos, precisamente o que não queremos, ao menos por enquanto. Bem, o B-2 é uma aeronave lenta, quando obtivemos a informação sobre as câmeras óticas ainda tínhamos quase três horas para decidir qual atitude tomar, mesmo sendo supostamente furtivo ele não podia se dar ao luxo de voar diretamente para cá, tinha de fazer muitas curvas e mudanças abruptas de rota a cada vez que detectava um radar, por motivos de segurança. Claro que, para ganhar tempo, estávamos induzindo contatos falsos em seus sensores, ora um caça, ora um radar terrestre e assim por diante e ele a voar em ziguezague. Enquanto isso, nossa intranet funcionava freneticamente, os especialistas em fotografia ótica debatiam em videoconferência. Então, um deles se lembrou de arquivos de imagens óticas que um outro havia fabricado em filme comum, reproduzindo as imagens do SARSAT americano e que havíamos gravado e arquivado. Como já lhe disse, aqui toda a pesquisa é incentivada, pode parecer até uma bobagem mas autorizamos e apoiamos mesmo assim, não nos falta gente nem dinheiro, que mal há em manter todo mundo ocupado? Este foi um dos casos, em uma era de câmeras digitais e radares de abertura sintética, qual a necessidade de se converter imagens SAR em imagens fotográficas reais, aparentemente feitas com filme de rolo? Mas autorizamos, e como estávamos certos!

O SARSAT nos havia ‘fotografado’ e ‘filmado’ de todos os ângulos possíveis e imagináveis e o rapaz, então SS-Rottenführer Breittner – atualmente Unterscharführer e Cruz de Mérito Primeira Classe pelo seu feito – havia simplesmente convertido todas as imagens em fotografias e filmes reais, perfeitas, indistingüíveis de qualquer outra feita com o melhor rolo de filme disponível. Ele não estava na videoconferência por sua baixa patente, equivalente a Cabo no seu Exército do Brasil (“Sou da FAB”, pensou em dizer Wolfgang, mas preferiu silenciar, afinal, a FAB também tem Cabos...). Mas foi lembrado e seu banco de dados acessado: estava tudo lá, ordenado e catalogado, perfeito, enganaria até os nossos próprios especialistas. Quase meia hora antes de começarmos a ser sobrevoados todos os dados e imagens já estavam inseridos nas caixas-pretas deles, com os horários e as coordenadas corretas. Devem estar sendo examinadas neste momento e o pessoal de lá deve estar bem decepcionado...

- Inacreditável isso, tanto progresso e a humanidade nem desconfia...

Nisso se aproxima uma jovem secretária:

- SS-Standartenführer Steiner, eles chegaram. O senhor deve comparecer imediatamente à sala do SS-Reichsführer.

- Obrigado, Greta. – dirigindo-se ao Coronel Wolfgang, diz:

- Sinto, amigo, nossos dois...acompanhantes o conduzirão a seu alojamento provisório – sim, breve receberá acomodações mais condizentes com sua posição – onde permanecerá por algumas horas. Haverá um jantar festivo em honra ao nosso Reichsführer esta noite, ele deseja muito conhecê-lo, veio especialmente da Alemanha para isso. Considere como uma grande honra, pois assim é. Ademais, há alguém que eu desejo que conheça...- piscou um olho, sorridente. “Por agora, peço minhas mais sinceras desculpas pelo pequeno e breve incômodo, mas logo tudo se ajeitará, prometo-lhe, meu amigo.”

- Sem problemas, Herr Steiner.

Arianne estava comovida: de volta a Germania, seu lar. Seu pequeno apartamento estava em perfeita ordem, a limpeza era feita regularmente e com competência pelos funcionários destacados para isso, o arejamento funcionava como sempre, um leve odor floral no ar. Nem um só grão de poeira. Sem fome devido às lautas refeições servidas a bordo do Lineage, foi até o pequeno frigobar, de onde tirou uma garrafinha de suco natural. A data de validade estava, como era de se esperar, perfeitamente válida, na verdade a data de fabricação constava como sendo do dia anterior. Germania sabia cuidar de seus filhos. Serviu-se. Até o suco tinha sabor de Germania, sabor de saudade, sabor de seus tempos de criança. Suas emoções chegaram ao auge, então chorou longamente, recordando do quão fora feliz ali, pequenos momentos, como aquele beijo escondido com um menino da Jugend e que lhe valera uma dura repreensão mas não constara em sua ficha. As aulas de geometria com o idoso e severo Professor Halder em que ela, a menina alta, magricela e desengonçada era invariavelmente elogiada a cada trabalho difícil em que sempre se destacava pela precisão e criatividade. Sua mãe, a Condessa, como todos a chamavam, e que se recusara a ir para a Alemanha com o marido e o filho, preferindo ficar com a filha, ela. Ainda vivia lá, em outro setor, o dos Superiores. Teria de pedir permissão para visitá-la, a saudade doía. Sua mãe, sua amiga, sua conselheira. Lembrou-se então: o Macaco também estava lá, respirando o mesmo ar floral, talvez bebendo o mesmo suco. Raiva e incerteza. Então, a idéia: talvez sua mãe a salvasse dessa, seu pai simplesmente rira de suas súplicas, dizendo “mulheres, quem as entende? Essa idiota aí tem a chance sonhada por milhares e não quer porque se enrabichou por um oficialzinho das Waffen que mal chega ao nível nove...”

Seu irmão, o querido Rudy, a consolava, não havia jeito, ela era de Germania e sabia perfeitamente como se faziam essas coisas, não se escolhia, se era escolhido pelo Partido, ela era uma Oficial SS de ficha ilibada, iria manchá-la por uma bobagem sentimental? Ele mesmo, Rudy, não casara com a filha de um amigo de seu pai, a loura Baronesa Anna Von Huhn, de voz esganiçada e já começando a engordar, mesmo antes de terem o primeiro filho? Por acaso protestara? Ordens não são para serem discutidas e sim cumpridas, ainda mais quando vêm do próprio pai. No fim, vencida, ela enxugara as lágrimas e pedira perdão por seu destempero, sim, fora um momento de fraqueza que não se repetiria. Mas pensando agora, havia sempre sua mãe, sábia e independente, capaz de discordar do marido e sustentar com lógica e determinação suas opiniões. Fora a única pessoa, ao menos que Arianne soubesse, que já discordara de seu pai, vencera a discussão e ainda estava viva e com saúde. Sim, ela poderia salvá-la...

Brasília. Palácio do Planalto. Gabinete do Presidente da República. Presentes apenas o próprio e o Ministro da Defesa.

- Sinhoire President’, nossos espiões na Colómbia reportaram a passagem de um bombardeiro invisível em direcção ao nosso território, bem na rota para a área que o sinhoire nos proibiu de sobrevoaire. O que ‘stá a fazeire por lá nós desconheccemos e sequer podemos a averiguaire... – havia um leve tom de repreensão na voz do Ministro. O Presidente pareceu não notar, preocupado com outras coisas.

- Meu Deus, Rui Elias, agora é que esses alemães não largam mais do meu pé mesmo...

A poucos quilômetros dali, treze homens recém chegados do Mato Grosso se preparavam para fazer algo que deixaria o Presidente tão aterrorizado que até esqueceria o Bombardeiro americano...

Na sala do Reichsführer, ele e Steiner conversavam sobre o Coronel Wolfgang quando a campainha do interfone tocou repetidas vezes. O colérico Líder berrou:

- Não falei que não deveríamos ser interrompidos?

- Herr Reichsführer – a voz feminina tremia – isso é demasiado importante para ser ignorado.

- O que é, que diabos?

- Houve um sério problema com o Hóspede, os paramédicos estão chegando lá neste momento...