Joãozinho Sete Foi à Praia

No sítio onde nascera, o menino Joãozinho respondia pelo apelido de Joãozinho Sete, graças aos seus pais, Dona Marta e Senhor Bonifácio que, por razões óbvias, costumavam acrescentar números aos nomes de seus muitos filhos.

Desde o primeiro canto de Onofre, o galo assanhado que reinava sozinho no poleiro das galinhas, sempre havia muito que fazer no sítio. Todos acordavam ao mesmo tempo, corriam de um lado a outro, até o sol esconder-se atrás da serra e as primeiras estrelas piscarem no céu.

Depois de lavar-se e trocar a roupa, todos tinham pressa de chegar à mesa onde se reuniam para jantar. Todo dia era o mesmo ritual. Depois, escovavam os dentes, faziam as últimas preces e recolhiam-se, cada qual na sua cama, até Onofre os despertar para novo dia de trabalho na roça, de onde tiravam a maior parte do sustento.

Agora que já completara sete anos, Joãozinho podia matricular-se na escola paroquial, onde os irmãos maiores já estudavam; esperava impaciente pela chegada de seu primeiro dia de aula, quando substituiria o trabalho de plantio e cuidado com os animais, pelos estudos.

O domingo amanheceu ensolarado. Como de hábito, a família aprontou-se para ir à igreja; durante a missa, de mãos dadas com seu pai, Joãozinho Sete não conseguia desgrudar os olhos da larga porta ao lado da igreja, onde ficava a escola. Na segunda feira, entraria por ela em companhia de seus irmãos, começaria a aprender a ler e escrever, estava ficando um rapaz.

Ao sairem do templo, os fiéis dirigiram-se para os ônibus que os esperava, bem debaixo de frondosos galhos da mangueira existente diante da sacristia, por onde entravam o velho sacristão e o vigário, antes da missa.

Aquele último final de semana de férias escolares, fora escolhido pelos sitiantes para realizarem o passeio na praia mais próxima.

Mariinha Dois, a sua irmã de doze anos subiu no veículo onde já se encontravam os seus pais, em companhia de todos os outros irmãos e alguns vizinhos. Logo o ônibus estava lotado.

Alegres, excitados por aqueles instantes de puro lazer, escolhiam lugares próximos aos parentes, trocavam ideias sobre o passeio que iam realizar, resultado de muita economia durante o ano inteiro.

Entre os adultos, enquanto a viagem prosseguia, Joãozinho descobriu meninos e meninas de idades semelhantes à sua. Inventavam brincadeiras, cantavam, contagiavam os demais, muito felizes por estarem juntos.

Depois de um longo percurso, afinal, surgiram os primeiros coqueiros, sinal de aproximação à praia. Pulando e gritando de felicidade, as crianças respiraram com mais força a brisa marinha; até desembarcarem, os adultos tiveram dificuldade em conter tanto entusiasmo.

Habituado a realizar programas daquela natureza, o motorista encontrou uma árvore copada o bastante para sombrear o veículo e, se fosse preciso, mais alguns. Durante as manobras de estacionamento, os ocupantes do ônibus se preocuparam em reunir os pertences; naquela hora, Joãozinho virou-se para a mãe, o olhar carregado de aflição:

- Você lembrou-se de trazer o meu short, hein, mãe?

Ela precipitou-se para fora, atrás de seu marido Bonifácio, que parecia ansioso para juntar-se aos demais. Joãozinho afundou, muito feliz, os pés descalços na areia branca e fofa. Finalmente conhecia o mar! Aproximou-se da água, prestes a experimentar o seu primeiro mergulho, onde a maioria já se deleitava.

Antes de alcançá-los, foi surpreendido por forte repuxão no pé esquerdo. Deu um salto para trás; muito assustado, percebeu que se tratava de um grande caranguejo. Joãozinho nunca havia visto aquele espécime de crustáceo. Tentou desvencilhar-se, porém, interrompeu o que fazia ao ouvir o bicho berrar de dor:

- Cuidado aí, desse jeito vai arrancar-me uma pata!

Com a naturalidade própria de criança, Joãozinho Sete afastou o pé, embora em seu íntimo, uma vozinha marota o aconselhasse aprisioná-lo entre os dedos, para jogá-lo bem distante.

Agora que estava livre, empurrou-o devagarinho em direção às ondas, que vinham quebrar-se na areia. O caranguejo tagarela recusou-se a ser tragado no vai e vem do mar e não se mexeu.

Cada vez mais surpreso, o menino ouviu o seu convite:

- O que você está fazendo aí, seu bobo? Por que não vem aproveitar desse mar delicioso? Venha, vamos logo.

Joãozinho percorreu o olhar em todas direções, mas a turma divertia-se a valer dentro d’água e nada percebera. Deixou de preocupar-se com a sua fantástica descoberta e resolveu seguir o conselho de seu novo amigo. Se contasse ter ouvido um caranguejo falar, quem acreditaria?

Os últimos raios de sol se esconderam por trás de nuvens. A noite havia chegado, sem que o grupo que se adaptara durante a viagem junto à família de Dona Marta e Senhor Bonifácio, encontrasse a necessária coragem para fazer o que deveriam, que era regressar às suas casas. Até àquela hora. nenhum vestígio haviam descoberto de Joãozinho Sete. O menino desaparecera.

Depois de cansativa procura, esgotados, voltaram a reunir-se junto ao ônibus. No íntimo, todos sabiam, enquanto o dia não terminasse ainda haveria alguma esperança de que estivesse vivo, perdido por aí. Quando a noite chegasse, teriam de partir sem ele.

Intimamente, tentavam manter bem viva a chama de esperança de encontrar Joãozinho Sete. Depois de improvisada refeição, dividiram-se novamente em grupos e recomeçaram a percorrer a praia, até o posto salva-vidas.

Disfarçando a aflição, Mariinha Dois acompanhou os pais, durante o trajeto se esforçava para lembrar a última vez em que estivera com o irmãozinho. Ele brincava sozinho atrás de umas dunas, sem aproximar-se da água, ou, se tratava de outro menino?

Na hora em que todos desembarcaram do coletivo, por que não se lembrara de cuidar de Joãozinho? Afastou os remorsos e redobrou as preces para que o encontrassem depressa.

Entregue aos pensamentos, deixara-se ficar para trás, a contragosto, ouvindo os comentários sobre o irmãozinho travesso que se perdera e poderia estar àquela hora no fundo do oceano.

Como as anteriores, as novas buscas foram um fiasco; os pais de Joãozinho não conseguiam mais esconder a grande aflição, agravada pelo cansaço. Desalentados, compreenderam que chegara a hora de voltar. Precisavam retornar aos afazeres; àquela hora, outros ônibus que haviam seguido viagem antes deles, provavelmente teriam chegado.

De olhos semicerrados, Bonifácio continuava preocupado, sabia que a esposa chorava, vez por outra notava o tremor de seus ombros. Como todas as mães, Marta se recusava a aceitar a perda de Joãozinho Sete; implorava a todos os santos que lhe mostrassem onde ele poderia estar, antes de deixarem a praia.

Se não tivessem vindo, nada teria acontecido, se torturava Mariinha Dois, enquanto caminhava em direção ao ônibus. Quem sabe, estirada em um de seus bancos estaria mais bem acomodada, teria mais chance de adormecer?

Alcançou a porta de entrada. Naquele momento, teve a impressão de ouvir o longíquo canto de um galo madrugador; ficou atenta, nada mais escutou, meneou a cabeça incrédula e abriu a porta.

Sem querer, esbarrou nos pés de um passageiro que tentava cochilar. Por alguns segundos, o homem entreabriu os olhos sonolentos, depois, tornou a reclinar-se. Na penumbra reinante, ela tateou, até encontrar o banco que procurava para se acomodar e dormir em sossego.

De súbito, arregalou os olhos, espantada; como se uma cobra a tivesse picado, começou a berrar:

- Venham todos, depressa, depressa!

Acordados por seus gritos, as crianças e os adultos acorreram em sobressalto. De rosto transfigurado, Mariinha Dois agitava braços e mãos:

- Mal posso acreditar no que encontrei. O que estão esperando? Venham aqui, depressa, depressa!

Atropelando-se, todos percorreram o ônibus, chegaram ao lugar em que a menina estava. Ao avistarem Joãozinho Sete de olhar esgazeado, ainda reclinado ao último banco, tiveram reações iguais às suas.

Sem entender direito os gritos de sua irmã, o menino começou a chorar, não por muito tempo. Logo foi envolvido pelos braços amorosos de Marta e Bonifácio, que não cabiam em si de tanta felicidade. Contagiado por tamanha euforia, Joãozinho sorriu entre as lágrimas.

Enquanto o grupo inteiro divertira-se na praia, ele se deixara ficar para trás. Sozinho, trocara o short com dificuldade, os olhos pesados por causa da noite indormida. Escorregara no assento e pegara no sono.

O caranguejo falante, o incrível passeio de Joãozinho Sete até o fundo do oceano, onde avistara peixes de variados tamanhos e cores, belas sereias do reino encantado de Netuno, o príncipe dos mares, tudo não passara de fantasioso, fantástico sonho, do qual Mariinha Dois despertou ao ouvir o canto do galo Onofre.

Com os olhos rasos d’água, a menina desceu da cama, ajoelhou-se e rezou pela alma de seu irmãozinho, que se afogara no mar, há um ano atrás.

MCC Pazzola