A queima roupa
Com o cano da espingarda Everaldo abriu uma pequena fenda por entre as folhagens do pé de Buriti, de maneira que pudesse observar melhor onde o pequeno animal havia se escondido. Inácio posicionou-se logo atrás e quase que de cócoras se enfiou pelo meio dos arbustos tentando em vão descobrir onde o bicho se amoqueara.
Desistiram do bicho e voltaram para a estreita trilha que levava para o fundo do grotão, e com os olhos atentos e acostumados a caçada, vasculhavam palmo a palmo as copas das árvores quase sem folhas, a procura de qualquer coisa que pudessem abater.
A seca que castigava há meses os moradores do lugar fazia com que eles saíssem à procura de alimento pelo cerrado, e qualquer coisa que encontrassem pelo caminho era vindo de bom grato. Um preá, um nambu, um teiú, qualquer coisa que se mexesse, que não fosse gente, eles abatiam para não deixar os de casa morrer de fome.
Foi Inácio quem avistou o bichinho dependurado a um pé de árvore ressequida, encostado a um filetinho de água que escorria agora, onde até pouco tempo era caminho de um pequeno riacho que descia até as terras do Coronel Januário.
----Ali! Ali! –Gritou Inácio.
----Já vi! Não precisa gritar! Sê tá querendo espantar o bicho! –Murmurou por entre os dentes o Everaldo.
Era uma fêmea de macaco. O pobre animal foi pego de surpresa. Encurralado sobre aquele galho de árvore seca não tinha prá onde correr. Everaldo aproximou-se lentamente e apontou para o bichinho quase que a queima roupa. Instintivamente o animal levou as mãos aos mamilos e os apertou, espirrando leite a uma pequena distância de onde eles estavam.
----Pera! Pera! Não atira não! – Gritou o Inácio.
----Que foi homem? Tá ficando doido? Quer que eu perca a caça? –Retrucou o Everaldo.
----Ela tá de cria! Sê não tá vendo ela espirrar leite em nós! A macaca tá tentando mostrar que ela tem filhote! –Gritou o Inácio.
----Eu quero é que se dane! Eu não vou perder a caça não!
Everaldo mirou outra vez para o pequeno animal, que completamente indefeso e com os olhos arregalados diante da morte eminente, soltou um grunhido como se suplicasse pela própria vida. Apertou outra vez os mamilos fazendo espirrar novamente o seu leite materno, na tentativa vã de que Everaldo se apiedasse e não puxasse o gatilho. Porém de nada adiantou as suas suplicas. Um estampido seco ecoou pelas veredas estorricadas do sertão, enquanto um pequeno corpo despencava do galho, estatelando-se no chão.
Everaldo encostou a espingarda a um canto, e enquanto colocava o pequeno animal dentro de um saco, cantarolou uma cantiga que mais se assemelhava a um lamento, acompanhado ao longe pelo canto lúgubre de uma ave que sobrevoava a caatinga a procura de abrigo, e que rapidamente sumiu lá embaixo onde o céu se encontrava com a terra estorricada.
Inácio permaneceu calado, sem entender direito a frieza do irmão, que completamente desprovido de compaixão, abateu o pobre animal que suplicava, não tanto por sua vida, mas sim pela sobrevivência do seu filhote, que agora sozinho não tinha mais a menor chance diante da brutalidade do sertão.
Everaldo passou a costa da mão sobre a testa, limpando o suor que lhe escorria em bica pela fronte, debaixo daquele sol de quase quarenta graus que chegava a cozinhar até a alma.
---- Pega a espingarda ali no canto! Vamos embora! –Ordenou Everaldo ao irmão mais novo.
E enquanto se afastavam, nem perceberam por detrás de um pé de baru um filhote de macaco, que inocentemente os observava, sem entender direito o que estava acontecendo. Assim que eles desapareceram por entre a vegetação ressequida da caatinga, o pequeno animal encolheu-se a um canto, suplicando inutilmente pela proteção da mãe, que agora não lhe atendia mais aos pedidos de carinho.