A TRAVESSIA
O relógio da estação indicava o horário: 1:40 da madrugada...
As ruas do bairro estavam desertas e eu caminhava só.
Nem ônibus, nem táxi, nem policia, nem os bêbados esquecidos pelas calçadas.
O vento soprando em meu rosto sinalizava chuva para qualquer momento.
Voltava de uma festa e optei por voltar a pé para casa, talvez por não querer companhia, apenas ficar comigo mesmo e caminhar pela noite.
A madrugada é um convite para abertura de nossos corações. Ela suspende o véu e derruba as mascaras que escondem quem verdadeiramente somos.
Olhava o chão, observando as luzes da noite refletidas no asfalto. Caminhando no meio da rua estava mais seguro, porém mais exposto.
Além do som dos meus passos, ouvia os ruídos da madrugada. Cães latindo a minha passagem, criança chorando, o vento nas árvores assobiando pelas esquinas.
Sentia olhos ocultos fitando-me.
Ainda não havia atingido a metade do percurso e já começava a achar não ter sido uma boa idéia a caminhada noturna. Porém, era tarde para voltar e tinha pela frente o trecho mais perigoso e pouco conhecido por mim.
Pela frente poucas e antigas casas, velhos galpões desabitados e um ar de abandono.
Na calçada à minha esquerda um conjunto de árvores, muito próximas umas das outras, contei cinco.
Foi após deixá-las para trás que percebi o que parecia ser o som de passos há uns cinqüenta metros dos meus.
Naquele momento, o lugar estava mergulhado num profundo silencio, exceto as minhas passadas e aquelas que, ritmadas mantinham-se a distancia, porém firmes no solo.
Criei coragem e virei-me sem diminuir meu passo. Nada via além da bruma da madrugada, que impedia visibilidade além de vinte metros.
Pensei, quem quer que fosse, também não poderia me ver.
Decidi arriscar, reduzi o ritmo, na esperança de encurtar a distancia, para enfim observar quem vinha.
Como previa, também quem quer que fosse, reduziu seu ritmo, mantendo uma distancia de observação. Mas, essa zona de conforto era só aparência, pois notei sua aceleração.
Um arrepio percorreu meu corpo, lembrei-me de que quando isto ocorre sempre era sinal de que estava diante de uma situação anormal, como um alarme disparando dentro de mim.
Tive dúvidas, mas pus-me a correr. Perguntava-me:
- De que eu corria?
- Poderia fingir que não era comigo?
No desespero, em plena fuga, quando me dei conta, estava numa região totalmente desconhecida, sem qualquer referencia de direção.
Saí da rua principal, tomando uma travessa, caminhei rápido por uns cinqüenta metros e me escondia atrás de uma enorme árvore.
Logo, fiquei na espreita esperando vê-lo passar.
Era uma rua estreita, com casarões antigos e alguns em demolição, terrenos baldios e murados.
Percebi uma silhueta chegando na esquina, vestia uma capa escura até os pés e usava uma espécie de toca.
Pela sua posição, ali parado, desconfiava de minha rota de fuga.
Certamente estava em dúvida entre seguir adiante ou dobrar a direita. Eu precisava esperar por sua definição.
O tempo passava, ele parado olhando a rua, parecia sentir a minha presença.
Ele estava aguardando um sinal.
E aconteceu inesperadamente, o latido de um cão, incomodado com minha presença.
Sua reação foi imediata, tomou a rua em minha direção.
Não tive escolha a não ser correr, correr, o mais que pude, em qualquer direção, até me sentir seguro.
Sem rumo, ingressei no que parecia ser o lado mais desabitado de um bairro fantasma.
Na certeza de que ele poderia alcançar-me, buscava um lugar, um refúgio para aguardara a noite passar, até chegar o amanhecer.
Foi então que avistei uma casa antiga abandonada, uma porta parcialmente aberta e uma tênue luz, no seu interior.
Sorte, um muro baixo, um convite para a salvação, um esconderijo perfeito, ou um cativeiro e meu fim.
O relógio marcava em meu pulso 2:30 da madrugada, mais algumas horas, era apenas o que eu precisava...
Daí, que resolvi arriscar tudo, não tinha escolha, poderia haver alguém ali que pudesse ajudar-me.
Pulei o muro e num salto estava diante da porta. Ao abri-la devagar, vi uma pequena fogueira, no que poderia ter sido uma espécie de sala. Paredes antigas, sujas, desgastadas pelo tempo, não havia teto.
Rapidamente fechei a porta e arrastei uma grande pedra para calça-la.
Com mais calma olhei a minha volta. Havia muita poeira, próximo à fogueira, sentei-me para aquecer-me um pouco.
Fechei os olhos por alguns instantes e os abri assustado, senti que não estava só naquele ambiente ...
Aterrorizado, percebi dois homens sentados ao redor do fogo, recostados na parede, a olharem-me demoradamente.
Possuíam aparências simples, roupas antigas, fisionomias familiares e muita idade. Um deles usava um chapéu de couro com aba, bigode e barbas brancas e olhava-me com curiosidade.
O outro parecia muito mais velho, oriental, de rosto redondo e um olhar penetrante, como se quisesse ler meu pensamento.
Ficamos a nos observar por algum tempo, até que o homem de chapéu falou...
Falou com uma voz grave, contando histórias daquele lugar, há muitos , muitos anos atrás.
Das fugas e das perseguições e daquela cabana, assim referindo-se ao casarão abandonado.
Falou sobre a vida e a morte, sobre as criaturas da noite e sobre o homem de capa escura que acompanhava minha caminhada por aquela madrugada... Um guardião a me proteger.
Ao final de sua fala, o homem do rosto redondo, atento ao seu lado, pela primeira vez sorriu.
Aí, o homem de chapéu de couro estendeu sua mão sobre o fogo e passou-me uma adaga, com cabo feito em osso. Sua lamina brilhava sob a luz do luar, era um presente.
Coloquei-a no bolso esquerdo interno do casaco e acenei com a cabeça em agradecimento. Depois disto nada mais recordo... adormeci.
Na manhã seguinte acordei com o sol entrando por onde devia haver um teto. As cinzas estavam ainda quentes. Procurei em vão por aqueles dois companheiros de prosa e nada. Nenhum sinal ou vestígio de suas presenças.
Removi a pedra que ainda calçava a porta. Olhei a rua e retomei a caminhada.
Ao sol não foi difícil localizar o caminho de volta pra casa.
Ao chegar, ainda relembrando os fatos da noite anterior, buscava entender a experiência vivida entre o sonho e a realidade.
Em meu quarto, enquanto pendurava o casaco no armário, notei um objeto metálico em meu bolso esquerdo. Uma adaga, com cabo de osso de tigre, presente de um amigo que certamente tornarei a rever.
O relógio da estação indicava o horário: 1:40 da madrugada...
As ruas do bairro estavam desertas e eu caminhava só.
Nem ônibus, nem táxi, nem policia, nem os bêbados esquecidos pelas calçadas.
O vento soprando em meu rosto sinalizava chuva para qualquer momento.
Voltava de uma festa e optei por voltar a pé para casa, talvez por não querer companhia, apenas ficar comigo mesmo e caminhar pela noite.
A madrugada é um convite para abertura de nossos corações. Ela suspende o véu e derruba as mascaras que escondem quem verdadeiramente somos.
Olhava o chão, observando as luzes da noite refletidas no asfalto. Caminhando no meio da rua estava mais seguro, porém mais exposto.
Além do som dos meus passos, ouvia os ruídos da madrugada. Cães latindo a minha passagem, criança chorando, o vento nas árvores assobiando pelas esquinas.
Sentia olhos ocultos fitando-me.
Ainda não havia atingido a metade do percurso e já começava a achar não ter sido uma boa idéia a caminhada noturna. Porém, era tarde para voltar e tinha pela frente o trecho mais perigoso e pouco conhecido por mim.
Pela frente poucas e antigas casas, velhos galpões desabitados e um ar de abandono.
Na calçada à minha esquerda um conjunto de árvores, muito próximas umas das outras, contei cinco.
Foi após deixá-las para trás que percebi o que parecia ser o som de passos há uns cinqüenta metros dos meus.
Naquele momento, o lugar estava mergulhado num profundo silencio, exceto as minhas passadas e aquelas que, ritmadas mantinham-se a distancia, porém firmes no solo.
Criei coragem e virei-me sem diminuir meu passo. Nada via além da bruma da madrugada, que impedia visibilidade além de vinte metros.
Pensei, quem quer que fosse, também não poderia me ver.
Decidi arriscar, reduzi o ritmo, na esperança de encurtar a distancia, para enfim observar quem vinha.
Como previa, também quem quer que fosse, reduziu seu ritmo, mantendo uma distancia de observação. Mas, essa zona de conforto era só aparência, pois notei sua aceleração.
Um arrepio percorreu meu corpo, lembrei-me de que quando isto ocorre sempre era sinal de que estava diante de uma situação anormal, como um alarme disparando dentro de mim.
Tive dúvidas, mas pus-me a correr. Perguntava-me:
- De que eu corria?
- Poderia fingir que não era comigo?
No desespero, em plena fuga, quando me dei conta, estava numa região totalmente desconhecida, sem qualquer referencia de direção.
Saí da rua principal, tomando uma travessa, caminhei rápido por uns cinqüenta metros e me escondia atrás de uma enorme árvore.
Logo, fiquei na espreita esperando vê-lo passar.
Era uma rua estreita, com casarões antigos e alguns em demolição, terrenos baldios e murados.
Percebi uma silhueta chegando na esquina, vestia uma capa escura até os pés e usava uma espécie de toca.
Pela sua posição, ali parado, desconfiava de minha rota de fuga.
Certamente estava em dúvida entre seguir adiante ou dobrar a direita. Eu precisava esperar por sua definição.
O tempo passava, ele parado olhando a rua, parecia sentir a minha presença.
Ele estava aguardando um sinal.
E aconteceu inesperadamente, o latido de um cão, incomodado com minha presença.
Sua reação foi imediata, tomou a rua em minha direção.
Não tive escolha a não ser correr, correr, o mais que pude, em qualquer direção, até me sentir seguro.
Sem rumo, ingressei no que parecia ser o lado mais desabitado de um bairro fantasma.
Na certeza de que ele poderia alcançar-me, buscava um lugar, um refúgio para aguardara a noite passar, até chegar o amanhecer.
Foi então que avistei uma casa antiga abandonada, uma porta parcialmente aberta e uma tênue luz, no seu interior.
Sorte, um muro baixo, um convite para a salvação, um esconderijo perfeito, ou um cativeiro e meu fim.
O relógio marcava em meu pulso 2:30 da madrugada, mais algumas horas, era apenas o que eu precisava...
Daí, que resolvi arriscar tudo, não tinha escolha, poderia haver alguém ali que pudesse ajudar-me.
Pulei o muro e num salto estava diante da porta. Ao abri-la devagar, vi uma pequena fogueira, no que poderia ter sido uma espécie de sala. Paredes antigas, sujas, desgastadas pelo tempo, não havia teto.
Rapidamente fechei a porta e arrastei uma grande pedra para calça-la.
Com mais calma olhei a minha volta. Havia muita poeira, próximo à fogueira, sentei-me para aquecer-me um pouco.
Fechei os olhos por alguns instantes e os abri assustado, senti que não estava só naquele ambiente ...
Aterrorizado, percebi dois homens sentados ao redor do fogo, recostados na parede, a olharem-me demoradamente.
Possuíam aparências simples, roupas antigas, fisionomias familiares e muita idade. Um deles usava um chapéu de couro com aba, bigode e barbas brancas e olhava-me com curiosidade.
O outro parecia muito mais velho, oriental, de rosto redondo e um olhar penetrante, como se quisesse ler meu pensamento.
Ficamos a nos observar por algum tempo, até que o homem de chapéu falou...
Falou com uma voz grave, contando histórias daquele lugar, há muitos , muitos anos atrás.
Das fugas e das perseguições e daquela cabana, assim referindo-se ao casarão abandonado.
Falou sobre a vida e a morte, sobre as criaturas da noite e sobre o homem de capa escura que acompanhava minha caminhada por aquela madrugada... Um guardião a me proteger.
Ao final de sua fala, o homem do rosto redondo, atento ao seu lado, pela primeira vez sorriu.
Aí, o homem de chapéu de couro estendeu sua mão sobre o fogo e passou-me uma adaga, com cabo feito em osso. Sua lamina brilhava sob a luz do luar, era um presente.
Coloquei-a no bolso esquerdo interno do casaco e acenei com a cabeça em agradecimento. Depois disto nada mais recordo... adormeci.
Na manhã seguinte acordei com o sol entrando por onde devia haver um teto. As cinzas estavam ainda quentes. Procurei em vão por aqueles dois companheiros de prosa e nada. Nenhum sinal ou vestígio de suas presenças.
Removi a pedra que ainda calçava a porta. Olhei a rua e retomei a caminhada.
Ao sol não foi difícil localizar o caminho de volta pra casa.
Ao chegar, ainda relembrando os fatos da noite anterior, buscava entender a experiência vivida entre o sonho e a realidade.
Em meu quarto, enquanto pendurava o casaco no armário, notei um objeto metálico em meu bolso esquerdo. Uma adaga, com cabo de osso de tigre, presente de um amigo que certamente tornarei a rever.