O FEITIÇO
Era uma tarde seca de verão, meados de janeiro, quando Márcio tomou a decisão que mudaria o curso de sua vida para sempre. Fazia sete meses que estava namorando Andréia, a moça era muito bonita e inteligente, mas tinha um defeito que, para ele, era imperdoável, ela era pobre.
Márcio tinha vinte e quatro anos, trabalhava num escritório e fazia faculdade de Direito. Tinha muitas ambições na vida e queria uma mulher que gozasse de uma boa situação econômica para poder “apoiá-lo” em sua carreira.
Andréia era ainda uma menina, tinha apenas dezessete anos e estava terminando a escola. Não trabalhava, sua família era modesta e ela vivia contente com o pouco que tinha.
Naquela tarde, ele a convidou para dar um passeio, estacionou o carro numa esquina da cidade e desferiu o golpe assim, a seco:
- Eu sinto muito Andréia, gosto de você, mas não vai dar mais.
- Como assim? O que aconteceu?
- Eu não te amo mais.
Andréia encheu os olhos de lágrimas.
- Mas você dizia que eu era a mulher da sua vida. Eu não entendo.
Márcio ficou em silêncio por alguns instantes e por fim, disse:
- Eu conheci outra pessoa e estou apaixonado por ela.
Ele havia conhecido uma advogada bem sucedida e já tinha dado início a um novo relacionamento. Andréia chorou, se humilhou, implorou pelo amor de Márcio, mas ele estava irredutível. Num dado momento, ela recuperou um pouco do seu amor próprio e disse:
- Pois muito bem. Se é assim que você quer, então está tudo acabado. Mas você vai se arrepender amargamente do que está fazendo comigo.
Desceu do carro e foi caminhando para casa, sentindo-se meio tonta, em estado de choque. Ela era muito apaixonada por aquele homem, teve alguns namorados antes dele, mas nunca havia sentido um amor tão intenso.
Ao chegar em casa, contou à família o que tinha acontecido. Os pais tentaram consolar a garota, disseram que ela ainda era muito jovem, que iria conhecer muitas pessoas interessantes e aquela conversa toda que você, caro leitor que já levou um “pontapé na bunda”, deve conhecer muito bem. De nada adiantou o consolo dos pais, pois para Andréia, o mundo havia acabado.
Daquele dia em diante, não conseguiu mais dormir nem comer direito, vivia triste, choramingando pelos cantos, não queria mais sair com as amigas, estava sempre pensando em Márcio. Tentou ligar para ele algumas vezes, mas nunca era atendida.
Ela estava desconsolada e foi então, que o desespero lhe trouxe uma idéia um tanto estranha: pensou em fazer um feitiço para trazer o namorado de volta. Ela não era bruxa, mas poderia contratar os serviços de uma. O único problema era que não sabia onde encontrar tal feiticeira. Resolveu pesquisar na internet e encontrou o seguinte anúncio: Bruxa Natasha. Seu amor de volta em sete dias. E-mail pra contato: natashawitch@yuppy.com.br.
Mais do que depressa, enviou um e-mail para a bruxa: “Querida bruxa Natasha, meu namorado me abandonou e estou desesperada. Quero contratar seus serviços. Por favor, me ajude. Entre em contato comigo o mais rápido possível. Um abraço, Andréia Martins”.
No dia seguinte, veio a resposta: “Querida Andréia, por cinqüenta reais posso lhe ensinar um feitiço poderoso para trazer seu namorado de volta. Mas você tem certeza de que é isso mesmo que quer? Não esqueça: o que está feito não pode ser desfeito. Portanto, pense bem. Carinhosamente, Natasha.”.
Andréia ficou surpresa:
- Me ensinar a fazer um feitiço? Pensei que ela mesma fosse fazer. E ainda por cima me pede para pensar bem? E que história é essa de “o que está feito não pode ser desfeito”? O que ela quis dizer com isso? Afinal essa bruxa quer trabalhar ou não?
Ela pensou no assunto durante alguns dias e ao final de uma semana, tornou a entrar em contato com a feiticeira: “Natasha, amo esse homem mais do que tudo na vida e o quero de volta. Diga-me para onde devo enviar o dinheiro, quero receber esse feitiço o quanto antes.”.
Andréia e a bruxa fizeram as devidas negociações e alguns dias depois, ela recebeu um e-mail com as instruções para o ritual: “Andréia, segue em anexo o encantamento que você pediu, mas pense muito bem antes de fazer, porque como já disse, o que está feito não pode ser desfeito.”.
Feitiço para que o amor retorne
Vai ser preciso um limão galego (colhido por você), noventa e nove agulhas e vinte centímetros de fita verde, não muito larga.
Na primeira noite de lua cheia, pegue o limão e ate-o com a fita verde em forma de cruz, arrematando com um laço. Espete as agulhas, uma por uma, e deixe-as enfiadas no limão. A cada agulha espetada, repita: ponho-me tal como um selo no teu coração (diga o nome dele). Ponho-me tal como um selo no teu braço. Te quero de volta como um vento de verão, amarrado no limão por um laço.
Deixe o limão tomar sereno por sete dias e recolha-o todas as manhãs, antes do sol surgir no horizonte. Envolva-o num pano preto e guarde-o onde ninguém possa ver ou tocar.
Andréia colheu o limão no quintal de uma amiga, comprou as agulhas e a fita. Na primeira noite de lua cheia deu início ao ritual, seguindo minuciosamente as instruções da bruxa. Para que ninguém pudesse ver o limão, ela enterrou-o num terreno baldio. Feito isso, sete dias depois, recebeu um telefonema: Márcio estava arrependido e queria reatar o namoro. A moça ficou feliz da vida, voltaram a namorar e um mês depois, casaram-se.
Os primeiros três meses após o casamento foram maravilhosos. O marido cercava-a de atenções, trazia inúmeros presentes e ela sentia-se realizada. O único problema era que Márcio tinha se tornado um homem muito ciumento, não gostava que ninguém se aproximasse da esposa, nem mesmo as pessoas da família.
No início ela achou lindo aquele ciúme todo, mas depois de algum tempo começou a sentir-se incomodada. Quando ele estava em casa, ficava grudado nela, quando ia trabalhar, ligava de hora em hora para saber o que ela estava fazendo. Andréia já não tinha mais liberdade alguma, pois até para ir ao mercado da esquina tinha que dar mil e uma satisfações ao marido. Pois bem, a partir daí começaram as brigas.
Um dia, ela ameaçou abandoná-lo. Márcio fez um escândalo, disse que se ela fosse embora, iria persegui-la até o inferno se preciso fosse. E assim, Andréia cansou-se do casamento. Um ano depois, voltou a entrar em contato com a bruxa. Precisava desfazer o feitiço a qualquer custo. Não suportava mais o marido, todo o amor que sentia por ele tinha se transformado em repulsa.
Natasha simplesmente respondeu:
- Sinto muito Andréia, o que está feito não pode ser desfeito.
E por mais dinheiro que ela oferecesse à bruxa, recebia sempre a mesma resposta: o que está feito não pode ser desfeito.
Andréia tentou fugir, tentou voltar para a casa dos pais, mas aonde quer que fosse Márcio sempre ia atrás. Ele fazia enormes escândalos, batia nos homens que se aproximavam dela, estava se tornando cada vez mais violento. Ela ameaçou procurar a polícia, mas ele comprou uma arma e disse que se tentasse abandoná-lo mais uma vez, ele a mataria e cometeria suicídio logo em seguida.
Depois disso, ela concluiu que a única maneira de livrar-se de Márcio, era matando. Começou então, a elaborar um plano macabro: através de uma ex-colega de escola, que trabalhava na farmácia, conseguiu alguns remédios para dormir sem receita médica. Comprou vinho e alguns litros de álcool no supermercado.
Uma noite, enquanto esperava o marido chegar do trabalho, Andréia esmagou alguns dos compridos e guardou o pó num pequeno frasco. Em seguida, pôs-se a preparar o jantar, colocou a carne no forno e enfeitou a mesa com velas e flores. Serviu duas taças de vinho e em uma delas, colocou o sonífero.
Ao chegar em casa, Márcio encontrou a esposa bem vestida e perfumada, a mesa posta e um jantar maravilhoso. Sentaram-se à mesa, ela fez uma pequena declaração de amor ao marido, deu-lhe um beijo, fizeram um brinde e logo em seguida, Márcio começou a sentir-se tonto. Ela o consolou dizendo que era apenas um mal estar passageiro e ficou acariciando seus cabelos até que ele desmaiasse de vez.
Quando Márcio finalmente caiu adormecido Andréia o arrastou para a cama, jogou álcool em volta de todo o quarto e para começar o incêndio, usou a chama de uma das velas que enfeitavam a mesa. Feito isso, ela correu para fora da casa, tomando antes o cuidado de espalhar mais álcool na sala de estar e na varanda. Enquanto o fogo ia se alastrando, ela observava, de longe, as labaredas. Alguns vizinhos chamaram os bombeiros, mas quando esses chegaram, já era tarde demais, Márcio estava carbonizado.
Quando teve de explicar o incidente para a família e para a polícia, Andréia disse que não sabia como havia ocorrido o incêndio, pois estava supermercado, fazendo compras e quando voltou, encontrou a casa destruída e o marido morto. A desculpa não convenceu os policiais até porque, um vizinho contou que viu quando ela saiu correndo da casa em chamas.
Ela foi a julgamento e por revelar ao júri a história da bruxa, do feitiço e tudo mais que havia acontecido, foi considerada maluca e enviada a um manicômio.
Todas as noites no manicômio, os internos ouvem o choro e os gritos de Andréia:
- Vai embora Márcio, sai daqui. Pelo amor de Deus, me deixa em paz!