ROMANCE - A FÊNIX NEGRA - CAPÍTULO I - parte 2

GERMANIA

O Ministro da Defesa estava sentado diante do Presidente, ouvindo com atenção.

- Rui Elias, até alguns anos atrás a Amazônia estava um caos, pirata por toda parte, gente nos roubando de tudo quanto era jeito, era ONG, garimpeiro, contrabandista de tudo quanto é mineral, madeira, plantas, animais, estavam devastando aquilo tudo e nós é que levávamos a culpa, graças a uma bem orquestrada campanha junto à mídia mundial e ao mundaréu de cabeças-ocas movidos a pilha que existe por aí, sempre prontos a acreditarem em qualquer bobagem e formarem massa de manobra para algum espertalhão. Bem, era apenas questão de tempo para atingirem seu objetivo, internacionalizar aquilo tudo, já haviam empresas montadas, com existência jurídica e mesmo um 'governo no exílio', com presidente e tudo. O Brasil passaria a ter menos de metade do seu tamanho original...

- Mas sinhoire Presidente, se s'bíamos tudo isso...

- Saber é uma coisa, provar é outra e a pior de todas é fazer com que gente manipulada acredite nas provas. Então, uma ONG nova começou a querer audiência comigo, quando eu ainda era Deputado, Presidente da Comissão de Defesa da Amazônia. Sempre detestei essa gente, dava um jeito de não os receber. De algum modo, descobriram o número do meu celular de trabalho, ligaram, nem dei conversa, mandei irem roubar lá na puta que os pariu. Passaram-se uns dias e então, num evento, fui apresentado a uma garota de parar o trânsito e fechar o comércio, coisa do outro mundo de tão linda. Era uma nova Assessora de Imprensa que fora contratada pelo Presidente do Congresso e destinada especialmente às Comissões. Seu gabinete centralizaria tudo o que interessasse às várias comissões de defesa disso e daquilo, a minha junto, daí me ser apresentada. Estranhei foi que o próprio Presidente da Casa a trouxe até mim, logo aquele velho cacique corrupto, que já vinha com aquela mão mole e suarenta dar aquele aperto frouxo na mão da gente. Apertei com força, mesmo com nojo, e vi que ele não gostou. Mas disfarçou e a apresentou, Natália o nome dela...

- A...?

- Sim, a atual esposa do Presidente do Supremo, quem vê diz que é filha, atualmente tem 30 anos mas na aparência mal chega a uns 20. Bem, o fato é que ela não desgrudava, sabe como é quando mulher quer agradar e mostrar que está interessada no cara, achava graça em tudo o que eu dizia, se arreganhava toda, estufava o peito, só faltava dizer "e aí, não vai me comer?'; bem, eu já era casado e com filhos, nunca aplicara uma na mulher mas ali estava algo do outro mundo, linda de doer, loura, olhos verdes, alta, um corpo de deixar qualquer vagabundo de queixo caído. E aquele narizinho arrebitado, petulante, meu Deus...

- Jaxuix, a minha M'ria que me d'sculpe mas eu tumbáim num t'ria resistido...

- Aí é que está, eu resisti. De repente me deu na veneta que o que aquele velho sórdido estava querendo era achar um rabo meu para puxar e me ter sob a asa, eu estava à época pedindo uma CPI sobre umas madeireiras ilegais mandando mogno direto para a Inglaterra, mogno recheado de diamantes brutos. Eu tinha provas e o pior, apontavam para o envolvimento de um dos genros dele - você sabe, ele sempre atuava indiretamente, através dos filhos, netos e genros - que era um frouxo e nos levaria retinho a ele...

- O que d' fato aconteceu...

- Pois é. Então ela trabalhava duas salas adiante da minha, bem de frente, era eu olhar para fora e dava de cara com ela, me olhando e sorrindo como uma gata esfomeada que encurralou um rato gorducho. Cara, você não tem idéia de quantas bronhas toquei naquele banheiro do meu gabinete, já nem conseguia transar em casa, alegava cansaço e fingia que ia dormir. E ela a mandar email um após o outro, ligar pelo interfone, inventava pretextos para ir à minha sala e deixava sempre algum bilhetinho perfumado na minha mesa, era um gênio nisso, eu nunca a peguei no ato. Bem, a coisa andou, a CPI foi aceita e a coisa começou a esquentar para o lado do velho safado. Comecei a ficar cada vez até mais tarde em meu gabinete, aparando os contragolpes, ameaças, chantagens, tentativas de suborno, o fiadaputa estava ficando desesperado. Daí arrumei um cara da Polícia Federal, gente fina, meu ex-colega de mestrado e ele começou a fazer em suas férias uns trabalhinhos para mim, tipo varredura por microfones, escutas, câmeras, qualquer tentativa de monitoramento do meu gabinete...

- Sim, o Del'gado P'ranhos, ele que...

- Sim, ensinou a você, para quando acabassem as férias e ele tivesse de voltar pro Rio. Mas nessa época ainda ele estava comigo - aliás, seria hoje meu Superintendente da Polícia Federal se não tivesse havido aquela tragédia, como é que um A-380 consegue bater no Pico da Neblina? Nem era rota dele, que tragédia mesmo, e logo no Brasil, mais de seiscentos mortos, que crise deu... - e meu gabinete era o mais 'limpo' do Congresso, não tinha como me filmarem, gravarem, grampearem, fotografarem, nada. Bom, chegou uma vez que ela veio à porta e entrou, todo mundo já tinha ido embora e eu ali, nem tinha notado que estava sozinho, absorto nos detalhes do processo, só notei quando ouvi o ruído da porta sendo fechada a chave e senti aquele perfume inconfundível. Nenhum de nós falou nada, a gente praticamente pulou um em cima do outro, feito bichos. Num instante era roupa pra todo lado e nós dois ali no sofá, feito uns desesperados. Trepamos a mais não poder, a desgraçada fodia feito doida, tudo que é buraco estava disponível ao uso (o nosso Presidente do Supremo deve andar comendo muito bem - deu uma risota), de vez em quando a gente parava um pouco e conversava aquelas bobagens de adolescente, perto de amanhecer eu já havia decidido mandar a família à merda e ficar com ela, e lhe disse isso. Muito séria, ela falou que isso era loucura, jogar fora minha grande chance por uma mulher e que de modo algum se prestaria a isso. Eu perguntei:

- Que grande chance? Ser Deputado Federal e Presidente de uma comissão?

Eu sabia que poderia até virar veado que meu Estado me reelegeria quantas vezes eu quisesse, só os ‘colegas’ de Niterói e Volta Redonda já bastariam, já estava em meu - nosso - atual partido, que tem mais votos na legenda do que precisa, e sendo meu pai um dos grandões do Diretório Nacional... Bem, então ela ali, deitada, peladinha, agarradinha em mim, lábios bem no meu ouvido, disse:

- Não falo dessa Presidência, falo da OUTRA...

- Congresso? Nem quero isso, você está aqui há pouco, minha linda, não conhece direito, nem que me pagassem o meu peso em ouro eu dirigiria este mercado de pulgas aqui...

- Mas não é dessa que eu falo...

Daí é que entendi: quem não quer ser O Presidente? Só um outro cargo é mais cobiçado e tem mais gente que acha que sabe o que deveria ser feito para acertar as coisas...

O Ministro riu:

- Sim, o treinadoire da Selecção Nacional!

Caíram ambos na risada.

- Tá, mas o que eu quero dizer é que fiquei confuso: do quê ela estava falando? E o meu troço estava começando a dar sinais de vida de novo. Bem, ela me disse que havia algumas pessoas que, a sabendo próxima de mim, lhe haviam dito que precisavam e queriam muito falar comigo, se a conversa fosse proveitosa, eu seria o Presidente mais jovem do Brasil, aos 38 anos.

- O que realmente aconteceu...

- Pois é, mas na hora nem esquentei muito com isso, eu queria era mandar brasa e pelo jeito ela também, quando finalmente começamos a nos vestir, sem banho nem nada, o sol já estava no horizonte e logo ia começar a chegar gente. Mas lhe confesso, eu já então estava perdidamente apaixonado por ela, se me pedisse para atirar a carreira para cima e fugir com ela para os EUA, o lugar que mais detesto no mundo, eu nem piscaria: iria na hora.

- Nossa...

- Pura verdade, daí começamos a nos encontrar discretamente, aqui e ali e, certa vez, num almoço, ela voltou ao assunto. Eu estava mais controlado e o discuti com ela, que deu uma fuçada na agenda do pager e achou um número, que me disse para ligar, dizer quem eu era e que estaria aberto a conversar. Apenas isso. E só falaria com alguém interessado no progresso do Brasil. Liguei de um orelhão, por via das dúvidas e, menos de meia hora depois, tocava o meu celular particular, cujo número só você e minha mulher sabiam. Estranho, mas... Bem, marcamos para aquela noite mesmo. Foi aí que conheci o Jungle Watch, que é uma organização alemã, o nome verdadeiro é Dschungel Wachen mas, como atuam no mundo todo, preferem usar o nome em inglês...

O Coronel Wolfgang descobrira a razão de, numa cidade tão ampla e grandiosa, não haverem ruas: haviam sim, avenidas enormes inclusive, mas todas subterrâneas, por razões de segurança e discrição. O Standartenführer lhe explicara que estavam ali desde o final do século dezenove, haviam vindo logo depois de uma expedição científica secreta alemã. Se haviam estabelecido em uma pequena colônia e mantinham espaçada porém constante correspondência com a terra natal. Outra expedição, em 1935, com finalidades aparentemente também científicas, chegou ao Brasil, começando a fazer experiências e mandar exemplares de flora e fauna para a Alemanha. A coberto deste grupo, um Regimento SS formado a partir do SS-Standarte "Germania" chegou pouco depois só que, ao invés de ficarem com o grupo de pesquisadores, seguiram mata adentro, um regimento inteiro da SS, cerca de dois mil homens com ordens de alcançar a atual destinação, já conhecida por mapas elaborados no século XIX por uma equipe inglesa de exploração e que ficara deslumbrada com o vale, amplo e totalmente cercado por altas montanhas cobertas de floresta tropical, sendo o próprio vale uma savana com poucas e esparsas árvores. O explorador inglês que bancara a expedição buscara junto à Coroa Britânica fundos para estabelecer uma colônia, que lhe foram recusados peremptoriamente, pela mais velha das razões: não voltara coberto de ouro e tinha desafetos na Corte. O desprezo com que foi recebido foi tão grande que até lhe devolveram seus mapas e anotações, intactos. Mas ele queria mesmo deixar sua marca, tentou a França, que o recusou da mesma forma, sequer tomando conhecimento dos mapas, planos e estudos, eis que começavam uma aproximação política por um ângulo diferente com os brasileiros e não queriam complicações por conta de colônias não-autorizadas. Ademais, não havia sinal de ouro mesmo. Ele terminou chegando ao assessor de um Ministro do Kaiser, um judeu chamado Fuchs que, fazendo jus ao seu nome (NDA: Fuchs significa raposa), e percebendo o lastimável estado em que a esta altura se encontrava o inglês, o levou na conversa e lhe estabeleceu uma razoável pensão às custas do erário alemão, além de uma residência em Berlim, igualmente às expensas do Estado. Volta e meia o inglês ia ao Ministério informar-se sobre o andamento do projeto de sua vida, onde era recebido com dignidade e respeito e informado que haviam estudos em andamento, não bastava saber onde era, precisava-se mandar discretamente expedições em busca de amostras da terra, vegetais e minerais, testar o clima, a umidade, a temperatura, a pluviosidade, a firmeza das encostas das montanhas, a fiabilidade das comunicações fluviais, possibilidades de doenças tropicais, miríades de coisas, não era só pegar um bando de colonos e botar lá, os Vikings haviam tentado isso na Vinland (NDA: América do Norte, chamada assim - terra do vinho - pelo instigador e líder da expedição, Erik, o Ruivo) e haviam fracassado miseravelmente. Não queriam repetir, estavam entusiamados mas precisavam de tempo para começar a lançar os fundamentos. O judeu estava era desconfiado de que o inglês amalucado e beberrão bem que podia ter esbarrado na lendária Eldorado e não se dado conta. Tratou de organizar, às escondidas do próprio Kaiser, uma pequena expedição que, alguns anos após, retornou sem qualquer sinal de ouro e muito menos Eldorado, mas revelara um vale esplêndido para se estabelecer uma colônia, nada de nativos hostis nas redondezas, nenhuma rota importante de navegação por perto. A terra da savana inclusive era razoavelmente fértil, nada de excepcional mas poderia alimentar milhares de pessoas. E a extensão fora medida, uns treze km2 quase que absolutamente planos, cercados de altas montanhas. Desapontado, o Herr Fuchs decidiu arquivar os planos e mapas do inglês, recentemente falecido de velhice e excessos de bebida, junto com os seus próprios materiais, trazidos pela expedição, que decidiu mandar a seguir para outro lugar.

Surpreso, ouviu de seu líder, Doktor Hoffmann, que desejavam retornar, fundar uma pequena colônia lá e estudar melhor a região. Só ele, Fuchs, seria informado dos resultados. Isso era interessante, poderia ser descoberto algo e somente ele saberia, e conhecimento é poder. Assim, despachou outra expedição maior, com os pesquisadores do grupo original levando suas famílias além de outros voluntários e voluntárias. Uns trinta casais e outros tantos solteiros de ambos os sexos, além de animais de criação, sementes, ferramentas, remédios. Não dava grande importância às questões étnicas, ao menos para ele alemães eram todos alemães, fossem de que raça, cor ou credo fossem. Era judeu étnico mas não dava a mínima à religião. Assim, nem notou que eram todos arianos puros. O mais interessante é que Hoffmann era um grande seu amigo e também não dava a mínima para estes aspectos, foi tudo realmente acidental. Despachada a nova expedição, que se comunicava exclusivamente com Fuchs e agora as informações eram enviadas a seu endereço particular, os papéis originais permaneceram engavetados no ministério até 1933, quando houve a ascensão dos nazistas de Hitler. Fuchs, um notório misantropo, já havia falecido havia mais de uma década e não deixara herdeiros. Sua volumosa correspondência fora parar no lixo havia anos. Os novos ministros ordenaram uma busca metódica em todos os arquivos, querendo descobrir possíveis inimigos ocultos do regime. Um velho baú com mapas e anotações, selado com um sinete com a Estrela-de-Davi (este selo nada mais era que uma brincadeira pessoal de Fuchs com suas próprias origens) e a inscrição MATERIAL SECRETO chegou em meados de 1934 ao próprio gabinete de Himmler; duas semanas depois, ele, Göering e Hitler folheavam a documentação, que lhes fora enviada após análise e elaboração de resumos por especialistas. Ficaram em silêncio por alguns momentos, sabiam QUEM deveria falar primeiro, o que daria o tom da conversa. Hitler pensava. Então falou:

- Senhores, é provável que não esteja tudo aí. Quem nos pode garantir que neste momento não haja uma próspera colônia judaica na região?

- Havia pensado mais ou menos isso, mein führer - apressou-se Göering a responder. Hitler, ignorando a puxa-saquice habitual, olhou para Himmler, que apenas o fitava com seu ar professoral, o que o irritava ligeiramente, e prosseguiu:

- Talvez esteja aí uma solução para o problema judaico. Poderíamos discretamente encher o tal vale com eles, depois eles que se virassem, seria problema dos sul-americanos, não nosso... - então Himmler interferiu:

- Com sua licença, mein führer, não seria melhor primeiro nos assegurarmos de que tenhamos controle sobre a tal terra? E se os judeus que já estiverem lá não quiserem aceitar os demais?

- Como assim, quer invadir o Brasil? Está louco? Como manter uma linha logística a essa distância? A Royal Navy logo saberia de tudo e a Kriegsmarine ainda não tem poderio suficiente para...- era Göering. Hitler, que entendera, revirou os olhos, impaciente:

- Hermann, não se trata disso, seria uma invasão cuidadosamente preparada e secreta, apenas uma marcha até o tal vale, parte a pé, parte pelas vias fluviais, por um regimento de elite. Simplesmente dominariam os judeus de lá e organizariam os preparativos para o envio em massa dos daqui...

- Ocorreu que a expedição, - continuou o SS Steiner - com baixas importantes por causa do clima quente e úmido e doenças tropicais, além de animais e plantas venenosos, conseguiu chegar ao vale e ficou impressionada: nada de judeus, mas sim alemães puríssimos. Uma cidadezinha de proporções razoáveis, umas dez mil almas. Febril de uma doença da mata, o então Comandante, Öberführer Schütze, olhou em torno, andou um pouco, pôs a mão no peito e exclamou, maravilhado: "Germania!" - Não se sabia se ele, em seu delírio, exaltava o nome de seu Regimento ou denominava a cidadezinha.

Logo ao chegarem, haviam sido recebidos com inamistosa curiosidade pelos locais, vários armados da mesma forma que os SS, fuzis Mauser 1898 em 7,92 mm e algumas submetralhadoras MP-18, enviadas por Fuchs poucos anos antes de falecer. Foi obtida uma reunião com o Bürgermeister (NDA: Prefeito), na qual lhe foram explicadas as mudanças políticas na Alemanha e Europa em geral. Os recém-chegados notaram que o clima curiosamente não era muito úmido e a temperatura razoavelmente amena. Após alguns meses, tudo estava estabilizado, o Öberführer Schütze, mais apaixonado que nunca pelo pequeno vale, e que havia convencido o Bürgermeister das vantagens da ideologia nazista, inclusive nomeando-o Gauleiter (para os nazistas, uma espécie de líder político-partidário local e prefeito, nomeado pelo führer ou um seu preposto, devidamente autorizado), escreveu de próprio punho uma carta ao seu superior máximo que, em tese, seria Göering mas, na prática, era Himmler. Este, após a surpresa inicial (afinal, uma colônia de arianos puros onde esperava encontrar um povoado de judeus era algo realmente inesperado) resolveu nada fazer para dissuadir o subordinado mas sim estimulá-lo, mandando recursos e mais tropas, além de médicos, pesquisadores, engenheiros militares e cientistas. O rearmamento alemão ainda enfrentava resistências políticas, algumas coisas podiam ser adiantadas lá longe, no Novo Mundo, longe das vistas de quem quer que fosse. Resolveu também não informar ainda a Hitler, esperando para ver no que daria. Se a experiência fracassasse, poria a culpa toda em Schütze. Mas o vale se foi povoando rapidamente, os relatórios eram extremamente animadores, não havia lugar na terra onde o nazismo fosse mais fervorosamente admirado e seguido. Uma pequena oposição socialista e outra anarquista foram rápida e eficientemente descobertas e aniquiladas, com o apoio entusiasmado da população. Por iniciativa própria, sabendo que haviam mais de dois homens por mulher na região, Himmler buscou e encontrou voluntárias na BDM (NDA: Bund Deutscher Mädel - Liga das Moças Alemãs), que fez transportar para a região. Eram pequenos grupos que seguiam esporadicamente e meio a contragosto, no auge do progresso alemão (eram geralmente as mais gordas e feias), mas que formavam verdadeiras filas no único posto de recrutamento quando as bombas começaram a varrer a Alemanha do mapa, quando já não mais eram transportadas em confortáveis navios mas espremidas em submarinos, dos quais várias já desciam grávidas, e muitas eram belíssimas.

Foi apenas em fins de 1944, a guerra já obviamente perdida, que Himmler informou ao führer sobre o que havia lá nos confins da América do Sul, com fotos, filmes, gráficos e relatórios. Este, após uma de suas costumeiras explosões de cólera, fez várias indagações. Desapontou-se um pouco, a colônia não tinha meios de reverter a situação terrível que a Alemanha vivenciava então, teria de ser mil vezes maior ou ainda mais para poder iniciar uma ofensiva contra a América do Norte e forçar os americanos a abandonarem a Europa para irem defender seu próprio território. Então, insidiosamente, Himmler, de olho no poder supremo, começou a instilar em Hitler a idéia de visitar pessoalmente a colônia, o que foi obtido em inícios do ano final da guerra, 1945, a bordo de um submarino especialmente preparado para oferecer acomodações razoavelmente luxuosas ao líder máximo. Hitler, paranóico a extremos, tinha vários sósias, sendo um deles particularmente hábil em seu papel, com voz e trejeitos cuidadosamente estudados e treinados, além da aparência muitíssimo próxima da do original. Eva Braun recusara-se terminantemente a embarcar no feio submarino e passar semanas debaixo d'água apenas para ir visitar um lugar lá nos confins de uma terra cheia de índios e animais venenosos. Himmler sabia a verdadeira razão mas a silenciou: ela mantinha um caso com o dito sósia, que na verdade se chamava Schneider. Quem a culparia? Hitler era reconhecidamente impotente, o que não era de modo algum o caso de quem representava seu papel em solenidades e ocasiões perigosas, como o caso daquela bomba, em que um dos outros sósias havia sido estraçalhado, seus restos misturados aos de outros atingidos enquanto Hitler ainda sequer havia chegado. Depois foi simples, uma chegada discreta, uns borrifos de sangue alheio, umas ataduras falsas e "Deus salvou o nosso führer". Acha mesmo que alguém sobreviveria a uma bomba colocada a dois metros de si?

- Mas como assim, Hitler aqui? Quando ele voltou para lá? Todo mundo sabe que ele se suicidou em... - o Coronel Wolfgang estava atônito.

- Todo mundo PENSA que sabe, acha que o Doktor Goebbels era o único que entendia de propaganda e cultura de massas entre nós? Adolf Hitler faleceu em 1963. Uma curiosidade: ele queria ver neve antes da morte que já pressentia chegando, então o levamos, com cuidados extremos de segurança, até a Argentina, para a mansão de um dos nossos homens da Kameradenwerke, em Bariloche. Lá, numa ampla suíte especialmente preparada para ele, ditou seu testamento, em que nos exortava a pesquisar arduamente, de modo a superar qualquer capacidade técnica do resto do mundo, em todas as áreas; manter a ideologia nazista viva; manter a nossa pureza política e racial até podermos retomar a nossa terra natal (Vaterland), que após a derrota estava sendo propositadamente poluída com todo tipo de ideologia perniciosa e raça imunda que se pudesse encontrar; e principalmente, nos mantermos cuidadosamente escondidos até o momento de ressurgirmos como a Fênix das cinzas da vergonhosa derrota para negros e judeus. Alguns dias após, faleceu, sentado a uma das janelas enquanto a neve caía lá fora. O translado, após embalsamamento, de seu corpo de volta para cá foi uma verdadeira odisséia mas conseguimos, o senhor o visitará no momento oportuno e verá o testamento original, além de alguns escritos dele para seu livro de memórias, que lamentavelmente jamais chegou a concluir, Coronel Wolfgang...

- Ainda não entendo: por quê está me contando e mostrando tudo isso? Assim que eu sair daqui...

- Quem disse que sairá?

- Bem, se fossem me matar, para que perder tempo me contando tantas coisas? Me transformar em nazista eu garanto que não conseguem, a não ser, sei lá, algum tipo de lavagem cerebral, mas ganhariam o quê? Seria mais um, apenas, e minhas habilidades como Soldado certamente seriam comprometidas no processo, além de...

Foi interrompido pela risada do Oficial SS.

- Homem, não entendeu ainda? Nós o ESTUDAMOS com meios muito além de sua compreensão. O senhor não faz a mínima idéia de seu valor para nós. Vou lhe contar uma coisa: sou SS Standartenführer mas não de tropa operacional, aliás, atiro mal como o diabo - riu gostosamente de sua própria piada. "Eu estava a cargo de estudá-lo logo após sua captura e, sei lá por que razões, ao invés de apenas fazer o que me mandaram, obter todas as informações a seu respeito, fiquei curioso com sua compleição e feições. Determinei então estudos de DNA, tema em que estamos bem à frente de qualquer outra nação e terminei tendo de repetir todos os testes, após reportar seu resultado a meu superior máximo, pois ninguém acreditou no que eu obtivera. Até a mim parecia uma coincidência tão incrível quanto cair uma bomba numa jaula de macacos e da mistura de seus restos emergir um ser humano completo e saudável. Mas o fato é que a terceira e última pesquisa foi conduzida e supervisionada pelo SS Reichsführer em pessoa, sempre com os mesmo resultados iniciais.

- Sim, mas que resultados? Descobriram que sou o Adolf ressurreto? - desta vez foi Wolfgang a rir.

- Peço-lhe a gentileza de jamais se referir assim novamente ao nosso Primeiro Führer, pode lhe causar inconvenientes.

- Desculpe, não quis ser indelicado, mas...

- Sem problemas, o senhor aprenderá. Bem, como eu ia dizendo, o senhor, após estudos extremamente detalhados, comprovou ser, sem sombra de dúvida e com todas as comprovações possíveis, algo que temos buscado desde que deciframos o genoma humano, em inícios dos anos oitenta: o Ariano Perfeito! Além do genoma puramente ariano, sem o menor indício de impureza racial, tem uma espantosa resistência a climas e doenças, estatura e força física comparáveis e mesmo superiores aos melhores que já estudamos e é geneticamente dominante, ou seja, tende a transmitir suas características aos descendentes. Ademais, sabe seu QI?

- Não, nunca me importei com isso...

- Saiba que é 162. Outra coisa: sabe que tem um filho?

- O QUÊ???

- Sim, teve uma de suas relações ainda no tempo de cadete com uma jovem casada com um Capitão, lembra?

- É, acho que sim... - o Coronel enrubesceu. "Eu era muito jovem, estava ainda na AFA e a encontrei numa festa a que compareci com uns colegas numa licença em que fomos a um baile em uma cidade vizinha; logo que chegamos ela botou os olhos em mim e não tirou mais, era uma loura linda e estava desacompanhada, puxei conversa, dançamos e acabamos num motel. De manhã, ela me revelou que era casada mas queria continuar a se encontrar comigo. Cortei a coisa ali mesmo, não queria manchas no meu currículo, um marido enciumado dando parte de mim ao meu Comandante de Companhia bastaria para acabar com a minha carreira de imediato. Meio ano depois, numa solenidade, a encontrei novamente, desta vez acompanhada e grávida. O marido era o Comandante da minha Companhia! Nunca estive tão embaraçado na vida. Mas então ela estava grávida de..."

- Sim, do senhor, eles até hoje só têm este filho, nenhum dos dois é estéril mas, além de ambos serem recessivos, são geneticamente incompatíveis. Não podem ter filhos, só que nunca foram informados disso, sua medicina está muito atrás da nossa em conhecimentos...

- E o garoto, como se chama, como ele é? Um filho, por Deus...

- É quase uma cópia sua, exceto por algumas pequenas imperfeições por conta da mãe, que tem traços genéticos de outras raças, ainda que pouco perceptíveis a olho nu. Ah, ele se chama César e está presentemente cursando Física na USP, não quis saber de ser militar, talvez pelos excessos do 'pai', um sujeito brutal e dado à bebida, tanto que foi reformado como Tenente-Coronel...

- Como sabem tantas coisas?

- Temos olhos e ouvidos por toda parte, meu amigo. Obter amostras de sangue em um laboratório dos seus e trazer para cá é extremamente fácil e rápido atualmente, e a análise completa leva poucos minutos com nossos métodos. Podemos provar sem sombra de dúvida que o rapaz é seu filho, não faço afirmações levianas nem me deixo levar pelo entusiasmo, se lhe disser algo, pode ter certeza de que sei do que estou falando...

- Não duvido, desculpe ter causado esta impressão mas tente entender como me sinto...

- Não se preocupe, terá muitos outros... - Steiner sorriu misteriosamente.

- Como assim?

- Deixemos isto de lado por enquanto, há muito a lhe mostrar e explicar e ela ainda não chegou, mesmo...

- Ela? Ela quem?

- Tudo a seu tempo, meu amigo, tudo a seu tempo...

O Presidente e o Ministro da Defesa entraram na sala de reuniões. Haviam cinco pessoas sentadas à sua espera. Quatro já eram velhos conhecidos de ambos mas hoje o ambiente estava carregado de tensão. O quinto, no entanto, nunca haviam visto: uma loura alta, ainda bastante jovem, olhos cinzentos, belíssima e extremamente bem proporcionada, o que ambos perceberam de imediato, quando os cinco se ergueram à sua entrada. O Presidente a comparou mentalmente a Natália: era como se esta fosse um fusca comparada à verdadeira Ferrari que tinham diante de si. O Líder da ONG, Herr Friedrich, dirigiu-se ao Presidente:

- Herr Präsident, permita-me apresentar-lhe nossa jovem estagiária, Fräulein Arianne Eisenkopf, que está aqui como assessora especial, devendo retornar à pátria em breve, uma grandiosa missão para a nossa causa a aguarda! - falou, com entusiasmo.

O Ministro a olhou diretamente nos olhos, esperando vê-la enrubescer e baixá-los: ela o encarou firmemente, os olhos cinzentos frios como gelo, terminando ele por desviar o olhar. Apesar de jovem, era uma garota que não se deixava intimidar facilmente, ele notou de imediato. Bem coerente com o significado de seu sobrenome em português: Cabeça de Ferro...

A reunião começou com os alemães se queixando amargamente dos prejuízos a seus esforços causados pela incompreensível operação militar desencadeada contra pobres índios ignorantes, que se jogavam ao chão a cada passagem de um jato, tremendo como varas verdes a cada rugido de um AMX se aproximando. Nunca haviam visto nada assim, segundo eles eram demônios, pássaros gigantes que vinham devorá-los. Fugiam aos magotes para os recantos mais profundos do mato.

- Herr Präsident, já expliquei desde que o senhor era pré-candidato o nosso trabalho aqui em sua pátria: descobrir tribos em plena Idade da Pedra Lascada e induzir sutilmente, sem interferência direta, sua evolução até os tempos atuais, passando pela Pedra Polida, a descoberta dos Metais, tudo tão natural quanto possível, apenas levemente acelerado e facilitado. Isso gerará subsídios inacreditáveis a Ciências como a Antropologia, a Sociologia e tantas outras. Quantas teorias totalmente disparatadas não serão aí postas em cheque? Em troca, poríamos - como fizemos - em debandada aqueles bandos de piratas e depredadores da fauna e flora da Amazônia, os ladrões de minérios preciosos. Prometemos e cumprimos!

"Sim - pensou amargamente o Presidente - até minha eleição foi prometida e cumprida, nunca me faltaram verbas nem espaço numa mídia esplendidamente receptiva..."

- E o quê pedimos em troca? - prosseguiu o alemão. Apenas a preservação intacta daquela região, nada de voos, nada de soldados, posseiros, colonos, INCRA, FUNAI, nada que comprometesse o nosso esforço. Nunca hasteamos bandeira alguma lá, e o senhor bem sabe quantas estrangeiras havia por toda a Amazônia. Fomos expandindo nossa esfera de ação a ponto de banir até mesmo missões clandestinas de Forças Especiais de outros países, como Estados Unidos e França, fotografando-os, filmando-os e os denunciando ao mundo como invasores. Hoje a Amazônia Brasileira é tabu para todos eles. Nem sonham em entrar. As ONGs predatórias, os missionários geólogos, contrabandistas de toda sorte, narcotraficantes e terroristas, nada mais disso existe por lá, e isso tem sido comprovado pelos voos a grande altitude por aviões-radar que o senhor insistiu que permitíssemos, garantindo nossa boa fé. E então...isso! - fez um amplo e dramático gesto, como se derrubasse um castelo de cartas. Índios aterrorizados por toda parte, acreditando em algum Weltgericht...como se diz...é algo como Doomsday, o Dia do Juízo. Agora estão propensos a acreditar que o fim do mundo está próximo, que aves gigantes e barulhentas os devorarão a todos, o senhor tem idéia do mal que causou? - olhava agora para o Ministro da Defesa. Este tentou replicar:

- Mas sinhoire, coisas muito estranhas estão a aconteceire por lá, jatos que ap'recem e desap'recem, Tropas de Elicte que p'recem teire sido engolidas pela terra...

- Meu caro senhor - soou a cristalina voz da jovem fräulein Eisenkopf - eu nada sei de soldados e aviões de guerra. Vi apenas fotos e filmes de um pesquisador nosso, um dos muitos que se mantém cuidadosamente ocultos para não atrapalharem o desenvolvimento dos nativos, e mostravam apenas aviões que me foi garantido por especialistas como pertencentes à SUA Força Aérea, e carregados de enormes bombas, fiquei horrorizada com a simples hipótese de que algum daqueles...engenhos tivesse algum problema e caísse por lá, as tremendas explosões que causaria, os incêndios, os pobres índios mais horrorizados do que nunca, fugindo para muito longe, pondo a perder tantos anos de trabalho paciente e cuidadoso, tantas verbas a fundo perdido...

O idoso alemão olhou de soslaio para o Presidente, que entendeu perfeitamente QUAIS verbas seriam consideradas 'fundo perdido' em primeiro lugar: sua reeleição estava por um fio. Falou então, antes que o Ministro retrucasse e estragasse tudo de vez:

- Senhor Friedrich, todas as tropas estão sendo retiradas às pressas e JAMAIS o nosso Ministro autorizará qualquer coisa assim outra vez, enquanto EU for Presidente desta República. Aliás, posso propor algo ainda melhor: mesmo os voos de reconhecimento a grande altura serão suspensos num raio de mil quilômetros da região onde se verificou este terrível contratempo. O nosso Ministro Maltez foi manipulado por alguns Comandantes sequiosos de medalhas e promoções e...

- Sei, sei...eles ainda têm aquele velho receio da internacionalização da Amazônia, mesmo com todas as garantias que demos e provamos serem sólidas. De qualquer modo, posso crer que tenho sua palavra de que não seremos novamente perturbados? Dois de nossos pesquisadores de campo já pediram demissão e o senhor não sabe como é difícil recrutar pessoas com o perfil certo, pacientes, dedicadas e discretas...

- O senhor tem a minha palavra, Herr Friedrich.

O Ministro da Defesa teve muito trabalho para conter a pergunta "e os soldados desaparecidos?" mas seria desastroso, sabia disso. Ainda mais após a frase seguinte proferida pelo alemão, à guisa de despedida:

- Bem, então estamos entendidos, Herr Präsident. Confio muito no senhor. Nos veremos novamente na sua campanha de reeleição, a meu ver coisa certa. - apertou efusivamente a mão do mandatário, sorridente. Os demais alemães, que nada haviam dito, apertaram também a mão presidencial, todos igualmente sorridentes. A jovem foi a última, mas sem sorrisos...

Miami, Florida. Sede do Comando Sul dos EUA, uma organização militar criada para monitorar e executar planejamentos de ações e cooperações de escopo militar com os países da América do Sul e Central. Gabinete do Comandante, General Sterrius, quatro estrelas. Presentes este, os diretores da CIA, NSA e um assessor especial do Secretário de Defesa, Mr. Bourne. O General tomou a palavra:

- Senhores, agradeço a bondade de terem vindo com tanta presteza. O assunto é intrigante, sem dúvida, mas deve permanecer secreto, apenas entre nós, até termos um quadro mais claro da situação que possamos apresentar ao Presidente. Aliás, oficialmente esta reunião jamais aconteceu. Alguma dúvida?

Todos assentiram. Aquilo que discutiriam permaneceria secreto.

- Bem - o General Sterrius clicou num laptop e um projetor a ele ligado mostrou um mapa do norte do Brasil - fomos solicitados a monitorar esta região com satélites militares pelo próprio governo brasileiro faz uns dez dias. Diziam que estavam com uma patrulha perdida e queriam auxílio nas buscas. Como de costume, a NSA foi informada e encarregada da missão. Mr. Holmes, poderia prosseguir? - o diretor da NSA se ergueu e, com um pequeno bastão emissor de laser, apontou uma localização específica no grande mapa:

- Senhores, quero reiterar o caráter secreto desta reunião. Vou revelar fatos que o próprio Presidente desconhece. - novo assentimento geral. "Bem, acontece que a região que os brasileiros nos pediram para monitorar já está sob monitoramento há décadas. Chegamos a desviar um P-3 especialmente equipado de sua rota autorizada para sobrevoá-la, o que gerou um pequeno incidente com as autoridades brasileiras, que detectaram a mudança de rota e protestaram, o que foi felizmente contornado por nossa diplomacia e não deixou seqüelas, ao menos até onde eu saiba. Então aproveitamos a oportunidade e, ao invés de mandarmos apenas o que eles esperavam, algum satélite capaz de fazer varredura ótica e termal, acrescentamos um trio de dispositivos cuja existência o mundo ainda desconhece: o SARSAT, o HAARPSAT e o ECHEFLEX!"

- SARSAT? ECHEFLEX? HAARPSAT? - perguntou Mr. Bourne.

- Sim, o SARSAT é um satélite com o mais poderoso radar de abertura sintética já posto em órbita, sendo o HAARPSAT o mais poderoso dispositivo de varredura em profundidade com base não-terrestre, enquanto o ECHEFLEX é uma espécie de refletor do sistema ECHELON para um ponto específico. Os três trabalham em conjunto: o SARSAT emite, recebe os retornos e os processa, entregando os dados brutos à NSA, que os reprocessa em busca de informações válidas. A cada vez que o SARSAT emite, o ECHEFLEX reflete as ressonâncias diretamente ao nosso sistema ECHELON, infinitamente mais sensível. Todos os dados obtidos, após processados, foram enviados à CIA, que poderá explicar melhor suas conclusões. Já o HAARPSAT faz o mesmo que o SARSAT só que penetra o solo ou água ou mesmo ambos e igualmente usa o ECHEFLEX para transmitir imagens em tempo real, só que enquanto o SARSAT mostra o que há à superfície, o HAARPSAT mostra o que há abaixo dela, milhas abaixo, para falar a verdade...

O diretor da CIA, Mr. Pepper, se ergueu por sua vez e começou sua preleção. Bourne logo se irritou com o hábito do espião-mor, de falar andando de um lado para o outro.

- Senhores, em primeiro lugar analisamos as imagens e relatórios do SARSAT e estranhamos jatos de ataque armados em uma simples missão de resgate de desaparecidos. Ademais, pela metade da madrugada notamos que a varredura deles se concentrou num ponto determinado, aí permanecendo até o amanhecer. Depois detectamos uma comunicação em código que levamos menos de vinte segundos para decifrar, determinando uma rota e um destino final para novas varreduras e revelando que havia na região uma missão brasileira de busca e destruição. Neste destino final permaneceram vários dias, até receberem novas ordens, determinando a imediata remoção de todo e qualquer meio militar da região. Emanavam do Ministro da Defesa em pessoa e eram bastante ríspidas e urgentes. Houveram algumas réplicas bem desagradáveis em seu teor, que aqui gerariam conseqüências algo funestas às carreiras dos que as fizeram mas quem entende os brasileiros? Não obstante, aquilo tudo nos intrigava. Então passamos aos dados do HAARPSAT e aí - com o perdão da expressão - tivemos de sair catando as nossas bolas pelo chão. As imagens do SARSAT não batiam absolutamente com as do HAARPSAT! Onde o SARSAT mostrava uma montanha maciça o HAARPSAT encontrou um vale cujas bordas não refletem ao radar, algo como se as montanhas não tivessem paredes internas, mas isso não foi nem de longe o mais impressionante: a varredura em maior profundidade mostrou padrões simplesmente impossíveis de entender, era como se houvessem sóis dentro da terra, massas de água em suspensão, não é bem isso, como eu disse, não conseguimos entender, só um minuto e vou lhes dar um exemplo... - foi até o laptop, inseriu um pequeno pendrive, abriu um arquivo, selecionou uma foto e a mostrou pelo projetor. Bourne se ergueu, impulsivamente:

- Mas que loucura é essa? Parece um daqueles ridículos quadros de arte moderna, sem pé nem cabeça...

Todos olhavam aquilo tudo boquiabertos, o diretor da CIA ia mostrando mais e mais imagens, cada uma mais estranha do que a outra. Então saiu de perto do laptop e parou no centro da sala, de modo algo dramático:

- Senhores, a CIA declara oficialmente que há algo lá que é totalmente estranho à raça humana e sugere que devemos fazer algo a respeito antes que os brasileiros descubram e, eventualmente, nos tomem a dianteira em algo que desconhecemos por completo...