MEU MAPINGUARI

MEU MAPINGUARI


Eu, um jovem cientista norte-americano, não sabia quase nada sobre o Brasil até os oito anos de idade. Pensava que sua capital fosse o Rio de Janeiro, imaginava o país como uma grande selva, cheia de macacos, povos primitivos, samba, carnaval, futebol, mulatas porque escutava isso na minha escola. Mudei de ideia, após começar a ouvir as histórias e lendas de uma vizinha brasileira, uma senhora nortista de uns setenta anos, que mal falava inglês, mas, mesmo assim, eu a entendia e depois de um tempo meio desconfiado, acabei ficando fascinado por seus relatos. Na adolescência, tinha vergonha de divulgar estes conhecimentos, e como me foram passados, sabia que os outros garotos iam me achar um ridículo, ouvindo as “sandices” de uma índia velha, de um país pobre e subdesenvolvido. Ficava “na minha” como dizem os brasileiros, mas não parava de pensar nas matas da América do Sul, e em seus seres feéricos-protetores.
Decidi, então, investir num sonho: juntei dinheiro para conhecer as famosas prostitutas baratas da orla de Copacabana e também travestis. Depois iria, com recursos do governo do meu país, iniciar uma pesquisa pela floresta Amazônica em busca dos seres sobrenaturais, que tanto me encantam, desde a infância.
Tornei-me um criptozoólogo, aventureiro, procurando comprovar a existência desses seres antropomórficos, na América. Fui à fronteira com o Canadá para pesquisar o Pé grande, e até consegui fotografias bastante interessantes, mas que infelizmente não provaram nada. Da próxima vez, quando for lá, já tenho anotadas todas as minhas falhas, não repetirei os erros e já tenho outras estratégias que obviamente me levarão ao êxito.
Quase fiz parte da equipe do doutor Craig, em sua mal sucedida empreitada, na busca pelo Mapinguari na Amazônia. Passou o tempo inteiro recolhendo excrementos, materiais posteriormente analisados em nossos laboratórios, Eram de tamanduá gigante. Pelos moldes das pegadas encontradas, também não se pode comprovar nada, pois pegadas podem-se forjar. Pensei: esta missão é minha, sei que é minha.
Chegou o grande dia de conhecer o Rio de Janeiro, lá aluguei uma quitinete na rua Inhangá e antes de tentar conhecer as putas, apaixonei-me pela minha vizinha, que também fazia programas eventualmente e estudava biologia na UFF. Soube por ela mesmo, foi logo me fornecendo sua ficha completa antes de eu perguntar alguma coisa. Cariocas são diretos, falam verdades ignorando se elas doerão ou não. Nem doeu. Estou acostumado com as verdades comprovadas através da ciência. Bem, até que nós nos combinamos fisicamente: ela, morena dos cabelos cacheados, corpo escultural, estatura média para alta e eu um branquelão louro, de um metro e oitenta e cinco, também “sarado” como dizem aqui. – Gostei dela, ótima na cama, fazia tudo e ainda por cima gostava de ciências e falava bem o inglês.
A convidei para a excursão, ia ser ótimo para o seu currículo acompanhar um cientista de Harvard, pretendia ficar no Norte por um mês.
Tracei o roteiro para ela e fiz uma lista de quais criaturas pesquisaria por lá. Ela riu de mim, achou tudo aquilo muito fantasioso, chamava-me de “meu louquinho” mas como todo jovem, comprou a briga.
Chegamos ao aeroporto de Manaus no mês de julho. Contratamos um guia local. Ficamos num hotel barato no Centro e conhecemos o Teatro Amazonas, muito bonito.
No dia seguinte, com o guia, fomos de carro até onde começava a floresta. E fizemos a pé o resto do trajeto. Meu primeiro alvo seria encontrar o igarapé, onde habitaria o Mapinguari. Ouvi relatos e fotos sobre ele: peludo, de um olho só, com uma enorme boca na barriga, no lugar do umbigo, nas costas uma espécie de casco semelhante ao da tartaruga. Outros diziam que tinha couro de jacaré. E era muito alto entre dois e três metros de altura. Alguns disseram que já o tinham visto na forma humana: como um velho índio forte, tatuado..
Nós três nos embrenhamos pela mata virgem com grandes expectativas, levando nossa aparelhagem, bagagem, alimentos, água, barraca de camping. Depois de três horas caminhando ouvimos urros.
O que é isso?
Onça!?
Vou ver o que é! Não saiam daqui! – Disse o guia, empunhando sua arma.
Os urros continuavam e o guia não voltava. Após um dia de espera, constatamos que talvez não voltasse mais, porque, se era guia, não iria se perder. O que teria acontecido a ele? – Pensamos os dois. E o que fazer? A noite chegou. Era melhor montar a barraca e esperar o dia amanhecer, mas os urros continuavam e o cansaço derrotava o medo. Dormimos abraçados ao relento, pois temíamos também despertar atenção da fera ao armar o abrigo.
Ao acordar, de manhã...
- Gilda!? Gilda!? Onde está você?
Silêncio absoluto na mata.
Meu amor!? Amoooooooor! EEEEEEEEEEiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii, Gilda?!
Será que ela se perdeu?
Esperei um pouco e resolvi procurá-la Embrenhei-me na mata e fui fixando fitas vermelhas nas árvores para não me perder e dar pistas do meu trajeto, no caso de Gilda aparecer.
O barulho do animal continuava próximo, andei, andei, andei muito. Percebi que estava sendo seguido pelo bicho. A certa altura, quando fui marcar a árvore, vi que já estava marcada, então eu ia começar a andar em círculos, estava no marco inicial. Perdido... O pânico ameaçava me dominar.
Socorro! Socorro! Help! Help! – Não posso gritar, senão viro refeição!
Quis tomar a direção oposta, quando me virei, meu coração quase parou. Um monstro apareceu na minha frente: o majestoso mapinguari. Na hora desejei que não existisse, que fosse fruto da minha imaginação. Mas não, ele estava materializado e gritou. Foi um grito tão apavorante que paralisei e perdi a cor. O monstro me puxou pelo braço como se eu fosse um brinquedo e disse através da bocarra localizada no meio de sua barriga::
Não tenha medo! Eu preciso da sua ajuda!
Pa- pa- pardon me me?
Preciso da sua ajuda! Há anos sofro de uma cruel dor de dentes infernal. Não consigo mais comer nada. Caçadores vêm atrás de mim e eu tenho que me esconder. Meus parentes todos foram para longe e eu fiquei aqui sozinho. Ninguém conversa comigo, todos saem correndo. E soube que ninguém acredita neles quando falam que me viram.
Ok. Soube que você também assume a forma de um índio, é verdade?
É verdade sim.
Você se transforma quando quer?
Sim.
A solução que eu tenho é levá-lo até a cidade para tratar desses dentes, depois você volta para a selva.
Concordo, mas você não poderá revelar nada sobre mim, a ninguém.
Mas meu objetivo aqui foi encontrá-lo! E estudá-lo.
Você irá saber tudo sobre mim, mas jamais publicar suas pesquisas, se fizer isso será o meu fim, e eu protejo a floresta onde moro.
Fechado, mas como eu posso saber que depois o senhor não irá me devorar?
Fizemos um acordo! Não tocarei em você!
E onde estão o guia e minha namorada?
Eles me viram e correram, saíram da floresta, estão a salvo!
E a bandida nem voltou aqui para me salvar!
Levei o mapinguari para a cidade e ele tratou de seus dentes. Ainda levou um tempo, uns seis meses. No primeiro dia de tratamento, sentiu tanta dor que perdeu o controle e voltou à forma de monstro na hora da cirurgia. Resultado: tivemos que esperar o dentista acordar do desmaio. Sorte é que não se lembrou de nada. Estive pensando em por que os dentes têm que ter raíz e nervos. Ainda acumulam bactérias que podem virar cáries e canal. No final das contas morremos e os dentes continuam agarrados no crânio, num enorme sorriso, debochando de nós mesmos. Poderíamos tirar a dentição, deixar no dentista e buscar quando terminasse o tratamento.
Fiquei com ele no quarto de um motel barato, porque a verba estava no final, ouvindo suas incríveis histórias. É claro, contratempos ocorreram, como num dia em que o levei para conhecer um fast food, ele simplesmente devorou trinta cheeseburgers e quase me levou à falência quando fomos a uma churrascaria. E, na intimidade só tinha um detalhe incômodo: ele não gostava de tomar banho.


LYGIA VICTORIA
Enviado por LYGIA VICTORIA em 31/08/2009
Reeditado em 20/09/2011
Código do texto: T1785590
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