Seu inferno - Capítulo I - Bem vindo ao meu inferno!
'Nenhuma mão para crer, nenhuma reza pode me curar.' - Mi.
Filliph abre os olhos, sente-se rodeado por longas dobras, livra-se delas. Apalpa com mãos tremulas as madeiras que o rodeiam. Estaria num caixão? É um sonho.. Um sonho infernal, um pesadelo opressivo. Não! Não aquela agonia que vai com seus sonhos de inferno, mas aquela que arranca os cabelos, que faz impecar Satã e amaldiçoar à Deus! Quantas lágrimas derramou sobre suas mãos... Quantos gritos soltou em seu tumulo. Pegou sua mortalha, rasgou-a com as unhas num ato de desespero.
A umidade dos sepulcros umedecia sua pele, ele tremia. Mas... Que inferno! Morrer de desespero e de fome... Sentiu o cheiro do sangue, gritou. Gritou até seus pulmões não aguentarem mais. Mas, alguém o escutou? Não. Pôs se a rir por suas antigas crenças. Deus? Não quis salvá-lo... Chamou pelo inferno. ‘Deus! Não irei implorar-lhe, eu o abomino! Pensa que vou rezar? Oh, sou orgulhoso demais!’ - disse Filliph, ao ranger os dentes. ‘A eternidade? Renego-a! Seu paraíso? Quimera! Sua felicidade celeste? Desprezo-a! Seu inferno? Desafio-o.’ Seus dentes batiam então ele parou... Assustado. Ouvira passos. Ouvira metais. Estava salvo? Talvez. Estava sufocando... O socorro chegaria à tempo? Filliph arranhava seu pescoço, fazendo-o sangrar... Em busca de ar, não havia. Gritou. Ouve vozes, que logo foram abafadas por batidas. Logo sentiu que algo forte o puxou, fazendo-o bater no concreto. Estava salvo. Empurrou a madeira, quebrando-a. Saiu. Onde estava? Ninguém estava ali. Sentiu medo... Nunca havia se sentido tão bem. Suspirou, fortemente, sentiu o ar entrar em seus pulmões. Engasgou-se... Engasgou-se? Tentou novamente, surtindo o mesmo efeito. Estaria amaldiçoado? Logo parou. Não necessitou de ar algum. De fato, estava amaldiçoado. Passaram-se alguns minutos, que mais pareceram horas. Então se levantou, num movimento rápido. Sentiu-se zonzo, precisou segurar-se em algo. Tentou respirar, surtindo os mesmos efeitos. Andou alguns passos, com certa dificuldade. Resolveu olhar à sua volta, estava escuro... Porém, sua vista estava clara. Sentiu cheiros, alguns irreconhecíveis, porém, conhecidos. Andava com dificuldade entre os túmulos, sempre procurando segurar-se em algo concreto.
Chegou aos portões, segurou-se ali sentindo-se estranhamente cansado. Precisava de algo que não podia reconhecer. Resolveu gritar, inutilmente. Apertou suas mãos nas grades, balançando-as. Alguns minutos de esforço, o relógio soou. Entregando o horário, exatamente 6h da manhã. Filliph desabou. O sol estava nascendo! Dobrou seus joelhos, encostando-se assim nas grandes grades dos portões. ‘Estava a salvo’ – foi o que pensou. Ao surgir o primeiro raio de sol através de um prédio, alguns metros atrás Filliph sentiu uma necessidade enorme de fugir. Para onde? Por quê? Não quis saber. Apenas se levantou e correu. Correu à um lugar que julgava ser seguro. Mas... Estava fugindo de que? Tudo estava confuso em sua cabeça. Sentou-se dentro de um tumulo que parecia estar abandonado. Descansou por algumas horas. Sentindo-se estranho. À cada hora de descanso, estava mais esgotado. Resolveu sair, colocou um dos braços para fora, puxando-o rapidamente para dentro, num ato de pavor. Logo fitou-a. Estava... Queimada? Gritou. Deslizou seus dedos sãos sobre suas queimaduras. Pareciam graves. Queria ajuda.. Mas, quem acreditaria em queimaduras feitas pelo sol? Não. Ele mesmo cuidaria delas quando chegasse em casa.
Sairia ao anoitecer. Resolveu esperar, adormecendo. Acordou por volta de 8h, com a escuridão já tomando conta do cemitério. Como sairia? Poderia gritar... Não, não seria algo recomendado dada as condições. Levantou-se e caminhou novamente até o portão. Encostou suas mãos ali, pressionando-o para frente, entortando-o como papel. Pôs um dos pés para fora, saindo assim por completo. Ao longe, algumas pessoas se entreolharam, procurando saber o que seria aquilo, e porque estava saindo do cemitério àquela hora. Porque não pedira ajuda? Certamente, um povoado do ano de 1930, julgou que Filliph fosse um Bruxo... Ou algo do tipo. E, não estavam inteiramente errados.
Trinta minutos se passaram, até que Filliph chegou à sua casa. Estava fechada. Ele não viu incômodo algum em tentar abri-la, quebrando por acidente sua fechadura. Por sorte, não houve barulho algum. Entrou, e acendeu uma vela, fazendo-a reluzir. Estava assustado, ainda não havia se acostumado de que não precisava de ar. Certamente, era um longo caminho do cemitério à sua casa. Não havia cansaço algum. Mas, deixou isso para depois. Havia coisas mais importantes a se tratar. Foi até seu quarto, sentou-se na cama, tudo estava como deixara dias atrás. Fechou os olhos, segundos depois escutou um forte barulho vindo da cozinha. Levantou-se. Passando pelo espelho... Estava pálido. Seus longos cabelos loiros transformaram-se em negros. Perguntou-se ainda estava sonhando, ‘certamente’ respondeu a si, rindo. Seus dentes estavam perfeitamente alinhados. Deslizou sua língua ao longo de seus caninos, superficialmente maiores. Ouviu-se uma longa risada ao longe, Filliph se virou à procura de alguém... Espantou-se com o que viu, era algo que poderia chamar de ‘perfeição’. Sentiu vontade de matá-lo... Havia se tornado algo repugnante, mal sabia o que era. E estava rindo? Não. Filliph cerrou os dentes, logo acalmando-se. Num sussurro lento, disse:
- Quem é você?
O estranho logo conteu seu riso e caminhou até ele. Deslizou uma das mãos por seu rosto, sorrindo cordialmente.
- Prazer, Filliph. Sou Carter. – Disse-lhe, numa breve reverência – Deve estar perguntando-se o que está acontecendo... Suponho que está confuso.
Filliph consentiu, num longo suspiro completou:
- Certamente, Carter. Poderia me explicar?
Carter assentiu, deslizando a ponta de sua longa unha sobre o rosto de Filliph, cortando-o superficialmente. Levou sua mão vaga ao peitoral de Filliph, empurrando-o ao sofá.
- Vejo que está com fome. – Disse, num sorriso superficial. – Tem certeza que não sabe o que houve, Filliph?
- Não estou entendendo, Carter. – Diz Filliph num sussurro. Olhando-o com o canto dos olhos. – Sim... Tenho medo do que estou me tornando. – Disse enquanto mordia seu lábio inferior, cortando-o rigidamente com uma das presas.
- Não há o que temer, meu caro. – Carter sorri, enquanto senta-se ao lado de Filliph, apoiando uma das pernas em seu joelho. – Você é minha cria. Serei fiel à você.
Filliph se aproxima de Carter, num sorriso malicioso.
- Poderia me explicar? – Diz enquanto se aproxima, encosta seus lábios no pescoço de Carter, roça ali suas presas, rasgando-o superficialmente. Uma fina gota de sangue desliza pelo mesmo, Filliph entreabre seus lábios, num movimento compulsivo, avança em direção à Carter que recua rapidamente, num riso alto.
- Tsc, tsc. Precisa se controlar. – Diz Carter enquanto se aproxima novamente, sentando-se no colo de Filliph. – Estou vendo que terei muito trabalho.
- Carter... Estou confuso. – Filliph cerra os dentes.
- Venha comigo, meu caro. Não é seguro ficar em sua casa. Vejo que acendeu algumas luzes... Tem muito o que aprender. – Carter se levanta, segurando na camisa de Filliph, trazendo-o junto consigo. – Vamos lá.
Filliph leva suas mãos ao punho de Carter, segurando-as inutilmente.
- Carter... Onde vamos?
Carter sorri, empurrando-o à janela. Num sussurro diz ‘Venha.’ [...]