Um São Jorge Palmeirense
Assim que terminou o jogo, o Jordão, lá em cima no décimo segundo andar, debruçou-se na janela e começou a berrar:
----Chupa porcaiada! Time de bundão! Chupa que a cana é doce!
Ficou gritando por uns dez minutos. Alguns palmeirenses também saíram à janela e partiram para o revide, com ofensas de ambas as partes.
Em toda redondeza o foguetório não parava um só segundo. O Corinthians sagrara-se campeão em cima do seu arque inimigo. Vencera o Palestra pelo magro placar de um a zero.
Jordão fechou a janela, vestiu o agasalho novo do Corinthians, que havia comprado na Vinte e Cinco de Março, e resolveu descer até o boteco do Bocão para comemorar com os amigos.
Fechou a porta do apartamento 125, e saiu gritando pelo corredor que terminava em frente ao elevador. Ele sabia que no prédio moravam vários torcedores do Palmeiras. Apertou o botão e continuou ali em pé berrando feito um doido provocando os palmeirenses. Assim que as portas do elevador se abriram ele entrou gritando o nome do Timão e nem percebeu que o elevador não estava ali. Precipitou-se no vazio e no desespero de se salvar conseguiu agarrar-se ao cabo de aço. Olhou de relance e viu apenas a escuridão do fosso com mais de dez andares abaixo dos seus pés. Tentou voltar até a abertura acima de sua cabeça, porém não teve forças para isso. Não estava mais agüentando. Sentia os músculos dos braços partindo-se ao meio. Foi quando lembrou do seu São Jorge Guerreiro. Não teve dúvidas. Começou a berrar o nome do santo, na intenção de conseguir um milagre.
----São Jorge! Oh meu São Jorge Guerreiro! Tu que nunca abandonastes o meu timão, não me abandone nessa hora também! Tira-me dessa dificuldade! Me salva pelo amor de Deus!
Ergueu os olhos e avistou com certa dificuldade um vulto empunhando uma lança, um pouco acima de onde estava. Exatamente no local de onde havia caído. Não conseguia visualizar direito quem era, pois além da escuridão, esquecera os óculos sobre o sofá da sala.
----É você meu São Jorge! --Perguntou o Jordão.
----Sim meu filho! Por que me chamastes? --Inquiriu o vulto com voz mansa e pausada.
----Oh meu São Jorge, salva esse teu pobre devoto de uma morte tão terrível como essa!
----Solta o cabo de aço meu filho!
Jordão olhou para baixo e sentiu um calafrio percorrer-lhe toda a espinha.
----Mas meu São Jorge... Se eu soltar vou me esborrachar todo lá em baixo!
----Você tem, ou não tem fé em mim? –Gritou o vulto lá em cima.
----Fé eu tenho, eu não tenho é coragem! Essa porra é alta pra cacete.
----Olha meu filho, eu estava tranquilhinho lá no meu cantinho e você acabou com o meu sossego. Fez-me descer até aqui e agora não quer acreditar em mim!
----Tá bom meu São Jorge Guerreiro! Eu vou me soltar! Mas você me garante que não vai acontecer nada comigo?
----Acredite em mim meu filho! Não sou eu quem vos salvarei! Vossa fé é quem vos salvará!
----Tá bom! Então vou me soltar!
Com toda fé do mundo, o Jordão largou do cabo de aço, e despencou lá de cima carregando consigo os seus noventa e sete quilos. A queda levou alguns segundos. Esborrachou-se todo lá em baixo.
Enquanto isso lá em cima a Dona Carmela abriu a porta do apartamento 127, e gritou pelo velho Giuseppe, que de touca e pijama, caminhava morosamente pelo corredor, arrastando as suas chinelas e segurando uma vassoura com uma das mãos.
----Giuseppe vem logo! Já esquentei a polenta!
----Já to indo Carmela! Já to indo!
----Com quem você estava conversando Giuseppe?
----Com ninguém Carmela! Com ninguém! --Respondeu o velho Giuseppe com um sorriso sarcástico no canto da boca.
----Tava sim! Eu ouvi você conversando com alguém!
----Impressão sua Carmela! Você está ouvindo demais!
Giuseppe fechou a porta e, completamente alheio a correria lá em baixo, comeu a sua polenta com frango. Depois deitou no sofá da sala e enquanto observava um quadro com o distintivo do palmeiras pendurado à parede, adormeceu tranquilamente sem dar a mínima para os gols da rodada, que o reporter do Fantástico anunciava naquele final de domingo.