Sapatos
Ela saiu do banheiro do hotel enrolada em uma toalha. Tivera um dia extremamente cansativo, daqueles típicos de turista. Visitara algumas igrejas, a prefeitura da pequena cidade e todo o centro histórico. Estava abafado. A caminhada, como não podia deixar de ser, fora muito desgastante; um bom banho era tudo de que precisava.
Quando se encaminhava para o armário, foi surpreendida: havia um sapato velho ao lado da cama. Ela recuou até a porta do banheiro assustada, levando a mão lentamente até a maçaneta, sem tirar os olhos do sapato. Será que entrara no quarto errado? Era possível. Depois do dia exaustivo que tivera, uma distração como essas seria perdoável. Ninguém reclamaria dela ter utilizado o chuveiro alheio... talvez ninguém precisasse saber.
Em um rápido movimento, entrou no banheiro e fechou a porta. A sua volta estavam todos os seus produtos de beleza e de higiene pessoal. Ela os colocara ali pela manhã; não tinha, portanto, entrado no quarto errado. Começou a sentir um pouco de medo. Será que outra pessoa entrara em seu quarto por engano? Ela estava de toalha, exposta. E se fosse algum louco? Talvez algum hóspede mais pervertido. Já ouvira falar de casos assim, lera sobre eles no jornal.
Abriu lentamente a porta, deixando apenas uma fresta por onde conseguia olhar. Ali estava o sapato, poucos metros ao lado da cama. Ela o fitou por alguns momentos. Era um sapato masculino muito velho, possuía algumas marcas de lama seca nas laterais. Deveria pertencer a alguém que esperara pacientemente nos jardins do hotel, alguém que aguardara o momento exato de entrar pela janela; isso explicava a lama, definitivamente.
Mas a janela estava aberta? Disso não conseguia se lembrar. Também não se arriscaria a tentar ver, era melhor evitar qualquer tipo de exposição. O sapato continuava ali, era o pé esquerdo. A sua presença incomodava. Onde estaria o outro pé? E pior, onde estaria o dono dos sapatos?
Ela se abaixou um pouco e olhou por debaixo da cama; não conseguiu ver ninguém. O homem provavelmente se escondera no armário. Ou, quem sabe, não houvesse homem algum. Ela riu, esta era uma idéia estúpida, o sapato continuava a sua frente, encarando-a; ele garantia a presença de alguém. Sapatos não andam sozinhos, ele deve estar aqui em algum lugar.
Seus olhos se moviam com habilidade pela fresta, percorriam cada centímetro do quarto. A janela estava fechada; a porta do quarto entreaberta. O homem deveria ter fugido, mas deixara para trás o sapato. Talvez tivesse invadido o quarto enquanto ela tomava banho, provavelmente com a intenção de roubar alguma coisa.
Ela saiu do banheiro, caminhando silenciosamente; olhava tudo ao redor com muita atenção. Andou vagarosamente até a porta do quarto e a fechou. Voltou-se uma vez mais para o sapato. O incômodo diminuíra, o sapato não mais marcava a presença de alguém, mas sim uma ausência. Alguém deixara o quarto, talvez bem antes dela tomar banho, talvez antes dela ter se hospedado naquele lugar. Nada fora roubado, nada fora sequer tocado, ninguém passara por ali.
Ela riu novamente. Tinha se assustado à toa, provavelmente impressionada com a onda de violência anunciada pelo noticiário. Olhou para o sapato por uma vez mais antes de chutá-lo para debaixo da cama; o incômodo retornara. Agora não se tratava de uma presença, nem de uma ausência: era uma questão de higiene. Como puderam as camareiras deixar um sapato sujo de lama no meio do quarto?
Visite também o Na Ponta dos Lápis, um blog literário como você nunca viu!
- Para mais textos, acessar o site do escritor: http://www.leonardoschabbach.com -
Ela saiu do banheiro do hotel enrolada em uma toalha. Tivera um dia extremamente cansativo, daqueles típicos de turista. Visitara algumas igrejas, a prefeitura da pequena cidade e todo o centro histórico. Estava abafado. A caminhada, como não podia deixar de ser, fora muito desgastante; um bom banho era tudo de que precisava.
Quando se encaminhava para o armário, foi surpreendida: havia um sapato velho ao lado da cama. Ela recuou até a porta do banheiro assustada, levando a mão lentamente até a maçaneta, sem tirar os olhos do sapato. Será que entrara no quarto errado? Era possível. Depois do dia exaustivo que tivera, uma distração como essas seria perdoável. Ninguém reclamaria dela ter utilizado o chuveiro alheio... talvez ninguém precisasse saber.
Em um rápido movimento, entrou no banheiro e fechou a porta. A sua volta estavam todos os seus produtos de beleza e de higiene pessoal. Ela os colocara ali pela manhã; não tinha, portanto, entrado no quarto errado. Começou a sentir um pouco de medo. Será que outra pessoa entrara em seu quarto por engano? Ela estava de toalha, exposta. E se fosse algum louco? Talvez algum hóspede mais pervertido. Já ouvira falar de casos assim, lera sobre eles no jornal.
Abriu lentamente a porta, deixando apenas uma fresta por onde conseguia olhar. Ali estava o sapato, poucos metros ao lado da cama. Ela o fitou por alguns momentos. Era um sapato masculino muito velho, possuía algumas marcas de lama seca nas laterais. Deveria pertencer a alguém que esperara pacientemente nos jardins do hotel, alguém que aguardara o momento exato de entrar pela janela; isso explicava a lama, definitivamente.
Mas a janela estava aberta? Disso não conseguia se lembrar. Também não se arriscaria a tentar ver, era melhor evitar qualquer tipo de exposição. O sapato continuava ali, era o pé esquerdo. A sua presença incomodava. Onde estaria o outro pé? E pior, onde estaria o dono dos sapatos?
Ela se abaixou um pouco e olhou por debaixo da cama; não conseguiu ver ninguém. O homem provavelmente se escondera no armário. Ou, quem sabe, não houvesse homem algum. Ela riu, esta era uma idéia estúpida, o sapato continuava a sua frente, encarando-a; ele garantia a presença de alguém. Sapatos não andam sozinhos, ele deve estar aqui em algum lugar.
Seus olhos se moviam com habilidade pela fresta, percorriam cada centímetro do quarto. A janela estava fechada; a porta do quarto entreaberta. O homem deveria ter fugido, mas deixara para trás o sapato. Talvez tivesse invadido o quarto enquanto ela tomava banho, provavelmente com a intenção de roubar alguma coisa.
Ela saiu do banheiro, caminhando silenciosamente; olhava tudo ao redor com muita atenção. Andou vagarosamente até a porta do quarto e a fechou. Voltou-se uma vez mais para o sapato. O incômodo diminuíra, o sapato não mais marcava a presença de alguém, mas sim uma ausência. Alguém deixara o quarto, talvez bem antes dela tomar banho, talvez antes dela ter se hospedado naquele lugar. Nada fora roubado, nada fora sequer tocado, ninguém passara por ali.
Ela riu novamente. Tinha se assustado à toa, provavelmente impressionada com a onda de violência anunciada pelo noticiário. Olhou para o sapato por uma vez mais antes de chutá-lo para debaixo da cama; o incômodo retornara. Agora não se tratava de uma presença, nem de uma ausência: era uma questão de higiene. Como puderam as camareiras deixar um sapato sujo de lama no meio do quarto?
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