Morte
Era quase como um balanço de ferro, porém, era mais grosso, mais seguro e mais amedrontador. Aquelas correntes não eram feitas de aço apenas, era prata, prata e ouro. Senti-me segura naquele poço. Fazia muito tempo desde que acordei, ou não?
Aquelas correntes pendiam da boca de meu calabouço, cintilando na luz fraca da lua e sibilando como cobras, prestes a tomar minhas réstias de vida. A lua parecia estar me vigiando, exatamente sobre o poço onde me encontrava.
O silêncio parecia penetrar minhas entranhas, era devorador, como tentar derrotar o som de uma bateria com um contra-baixo, era inútil lutar contra aquilo, era doloroso evitar aquelas lembranças, aqueles olhos penetrantes, negros e brilhantes. Se eu não tivesse notado que eram olhos, diria que havia feito fortuna com diamantes negros, mas eram muito mais lindos e isso os denunciou. Foram minha última visão.
Meus devaneios foram interrompidos por alguém: um rosto surgira da escuridão, cobrindo, parcialmente, a lua. Era mais do que um rosto, era perfeito, era lindo. O cabelo estava grudado em sua face pálida, provavelmente, molhado. Então uma gota de água caiu em meu rosto erguido. Sim, estava molhado.
-Está tudo bem, querida? - A voz ecoou no poço e pude sentir seus lábios se movendo lentamente.
-Sim. - Respondi débil. Ele, seja lá quem fosse, franziu a testa e então percebi que minha garganta estava ressecada. Os olhos dele brilharam quando saiu de minha visão, fazendo minha mente implorar por aquela face perfeita.
Eu queria gritar e chamá-lo, mas antes de gastar minhas forças ele reapareceu com um odre em uma das mãos, soltando-o disse:
-Beba, vai se sentir melhor.
Ergui as mãos para receber o odre, porém, este escapou de meus dedos caindo no chão de terra, o poço estava seco a, pelo menos, duas longas décadas. Abaixei-me e segurei o odre forçando meus músculos a apertá-lo. Consegui retirar a tampa com algum esforço e despejei o líquido gelado em meus lábios, sentindo minha garganta agradecer pela dose.
-Agora consegue falar melhor? - Sorriu.
-Acredito que sim. Como vim parar aqui? E quem é você? - Gritei.
-Eu te trouxe até aqui por motivos que prefiro guardar para mim mesmo e, você sabe quem sou. Estava com você quando desmaiou.
Eu queria subir por aquelas correntes naquele instante e ficar com ele. Minhas mãos pousaram na corrente, fazendo ela se mover, meus dedos envolveram-na. Ele franziu a testa.
-O que pensa que está fazendo?
-Eu quero subir! - Eu parecia uma criança fazendo birra, mas estava sendo sincera. Não. Eu estava omitindo meus propósitos. Eu queria mais do que chegar até la, eu queria estar com ele, queria ver seus olhos e queria poder passar mais tempo repousando minha mão em seu cabelo ruivo e liso.
-Não pode fazer isso! - Ele protestou se apoiando no poço e eu comecei minha escalada. Não podia ser tão difícil, eram cerca de 6 metros até lá.
Meus dedos começaram a queimar perto do 3º metro. Ele percebeu que eu não iria desistir e começou a puxar a corrente, me levando até ele. Parecia inútil, mas conseguimos juntos. Sai do poço, caindo em seus braços. Ele me apertou em seu peito musculoso.
Depois daquele abraço ele me pôs no chão e pude olhar em volta. Corpos e mais corpos jogados no chão e sangue, sangue e mais sangue espalhado na grama.
-O que é isso? - Pergunto entrando em pânico.
Ele me soltou e caminhou até um pequeno rio que corria, dividindo os restos de um massacre.
-Isso? - Ele riu. - Esse é meu motivo para te levar até aquele poço. -Ele me olhou como um pedaço de carne e passou a mão em meu pescoço. - Nunca havia sentido um cheiro tão atraente, tão doce. Desculpe não ter contado antes. - Ele pressionou meu pescoço, me enforcando. - Sabe, eu sou muito mais do que você pensa que sou.
Ele sorriu, mostrando os caninos.
-Um vampiro? - Solucei e ele me soltou, brincando.
-Mais do que isso! Nenhum monstro pode ser comparado a mim! Pois eu tenho o poder de todos eles! Posso ser apenas a Morte!