Espelhos Negros
Nessa névoa clara e rasa, uma besta se escondia. Os olhos amarelos levam a morte em sua essência, o cabelo avermelhado derramando sangue pelas pontas, os dentes saltando da boca estão encharcados de tristeza e as garras, ah as garras, pingando a vida de inocentes.
Olhando-se no espelho, o monstro vê sua face amedrontadora. Nele, uma tristeza profunda transborda. A névoa leva o sentimento de culpa por seus crimes contra tudo, e contra todos, sente uma sensação de vingança emergir em sua garganta e a dor em seus braços intensifica-se. A dor de carregar tantas mortes em sua alma faz com que uma lágrima escorra dos olhos, inertes na solidão.
Passa as garras com força nos cabelos e vê seu próprio sangue escorrer. Sente o cérebro pulsar para fora da cabeça, estaria ficando louca? Uma dor insuportável. Observa novamente as garras, mas, desta vez estão limpas e a dor se esvai. É apenas mais um golpe do destino, pensa.
Volta os olhos para um dos espelhos no quarto. Uma sombra caminha a sua volta, com um capuz negro esconde o rosto e tudo o que vê é um sorriso, um sorriso maligno, assassino. Vira-se, mas não enxerga nada, nem ninguém, só a escuridão. Era cega? Não se lembrava. Fica maravilhada quando a luz volta a sua consciência. Olha para os lados e os espelhos, outrora intactos, estão quebrados, porém não estão despedaçados.
O cabelo cobrindo parte do rosto sobe com o vento do norte. Move as patas até um dos espelhos, passa as garras nas valas do mesmo, sente a dor voltar e leva as garras a cabeça, desta vez cai no chão e passa a definhar. Contorce-se de dor, o pescoço girando, fazendo a face bater no chão de madeira.
Aos poucos, sem nenhum controle, a saliva escorre dos lábios negros, a cabeça para, cansada. Quanto tempo passara naquela loucura? A dor ainda forte em sua mente, então aumenta. Volta a definhar, agora leva as garras à barriga, pressionando-a, como que evitando que algo escape de lá.
Levanta a cabeça com dificuldade e o suor escorre de sua testa, parece menos monstruosa agora, porém, ainda tem as garras e as presas. Volta a ter uma convulsão e vê erguer-se, a sua frente, a representação da morte. O sorriso do espírito ainda maligno e nas costas, preso ao sobretudo preto, uma foice de prata. Leva a mão esquelética até o cabo da foice, retirando-a de seu local.
A besta arregala os olhos, ainda na convulsão, e então subitamente, fica paralisada. Seu assassino ergue a foice, gargalhando com um tom funerário. Desce a foice cortando a cabeça da besta. Os espelhos são destruídos um a um pela morte e os cacos se cravam no corpo do monstro. A cabeça ainda rola até parar na parede preta de papel de parede queimado perto de uma única folha de vidro ensanguentada.
Pouco depois desse fato, policiais invadem a casa e descobrem o corpo de uma garota. Louca, de acordo com o psiquiatra da vítima. Depois da investigação, conclui-se que a garota se matou, entretanto, a família não consegue entender como.