A casa 4
Em Mesquita, um município do Rio de Janeiro, havia uma pequena vila com seis casas, todas exatamente iguais em sua aparência exterior; todas pintadas de verde e com detalhes em branco nas bordas. A visão frontal das casas não revelava mais do que uma porta e uma janela em cada uma.
Essas casas eram separadas por um muro e ficavam numa posição tangente à rua, cada uma possuía um número par colocado num azulejo no ponto acima da porta, uma casa era a dois, outra era a quatro, seis, oito, dez e doze; tais números serviam como identificação para sua respectiva casa. Havia um corredor que fazia ligação com os pequenos portões de madeira, pintados de branco, que divisavam um quintal em tamanho reduzido frente a cada uma das casas e este corredor levava ao portão gradeado da vila que dava para a rua.
Todas as casas dessa vila foram construídas com o único intuito de serem alugadas e gerar dinheiro para o dono da vila, portanto, era uma constante que casais recém casados, iniciando uma vida a dois fossem morar lá, mesmo que por pouco tempo, somente até terem condições financeiras de se mudar para algum lugar melhor ou por força da chegada inesperada de um filho, o que também exigia um espaço mais amplo.
Eram casas muito jeitosas e embora pequenas em praticamente tudo ainda assim eram aconchegantes; possuíam apenas um quarto, cozinha, banheiro minúsculo, onde só havia o lugar para o chuveiro, o espelho da parede e o vaso sanitário; sala, onde ficava a principal porta de entrada da casa, que dava para o pequeno quintal da frente e uma área muito reduzida nos fundos, com uma porta para a cozinha; essa área dos fundos era usada para lavar roupas, tinha um tanque, um varal de arame onde as roupas eram postas para secar e mais nada.
Atrás dessa vila existia uma espécie de matagal; uma espécie de terreno baldio repleto de vegetação; e a divisão entre eles era feita por um alto muro entre a área dos fundos e o tal matagal que mais parecia um pântano. Este muro, em seu topo, era recoberto com uma massa de cimento da qual surgiam vários; inúmeros, cacos de vidro previamente colocados ali com o objetivo de inibir qualquer um que tentasse pular por sobre ele.
Tirando este inconveniente todo o resto era bom.
Entretanto, havia uma casa cujos inquilinos não passavam mais do que um mês, quando muito; pois, dizia-se que era mal-assombrada.
No princípio, nem Catarina nem Pedro acreditavam nessas histórias de fantasmas e mudaram-se para uma das casas da pequena vila quatro dias após seu casamento que aconteceu em uma cerimônia bem simples porque não tinham dinheiro para muita coisa naquela época e a Lua de mel foi custeada por parentes de ambos numa pousada em Cabo Frio, Região dos Lagos do Rio de Janeiro e a sétima cidade mais antiga do Brasil, durante dois dias. Casaram-se numa sexta à tarde, viajaram durante a noite, ficaram lá o Sábado e o Domingo.
Sua primeira casa alugada fora previamente mobiliada e nos primeiros dias nada de estranho ocorreu, contrariando os boatos que corriam na vizinhança, de que eles logo sairiam de lá.
Catarina trabalhava como vendedora de roupas femininas numa loja de shopping em Nilópolis, município vizinho; e Pedro era militar. Eles passavam os dias fora e só se encontravam durante a noite, davam muito duro para construir um futuro que lhes fosse mais favorável; talvez por isso tenham demorado tanto para sentir os efeitos estranhos que a casa influenciava em seus ocupantes.
Certa noite Catarina estava preparando a mesa do jantar, Pedro estava no banho; ela já tinha preparado a refeição e arrumava apenas os utensílios que ambos usariam; colocara os dois pratos um de frente para o outro na pequena mesa da cozinha e os garfos e facas ao lado. Arrumou com muito carinho os copos também sobre a mesa, até que percebeu algo estranho no ar; parecia que havia mais alguém com ela ali, Catarina poderia jurar que estava sendo observada e num reflexo impensado, virou-se para averiguar, lembrou dos boatos que ouviu a respeito da casa e esperava dar de cara com uma criatura medonha. Mas não havia nada lá, só a sensação; porém, ela no sobressalto do movimento esbarrou com o cotovelo em um dos copos que estava sobre a mesa, nesse momento Pedro surgiu pelo limiar da cozinha e ambos viram abismados o que aconteceu em seguida.
O copo caiu e os dois esperaram pelo barulho dele estilhaçando contra o chão, mas ao invés disso o copo se chocou contra o solo e subiu como se a gravidade estivesse invertida puxando as coisas para cima, explodiu de encontro ao teto do cômodo com um barulho tão alto que eles pensaram estar ouvindo a explosão de uma vidraça inteira.
Uma chuva de purpurina que na verdade era vidro estilhaçado em pedaços extremamente finos se fez presente e o silêncio tomou conta em seguida do lugar como se repentinamente todo o ar ao redor deles tivesse sido tirado criando na cozinha uma espécie de vácuo.
Catarina piscou sem entender o que tinha ocorrido e antes que Pedro pudesse dizer algo a torneira da pia desandou a derramar água. A única explicação que tinham era a de que aquilo tudo era inexplicável e com certa desconfiança no coração resolveram ignorar os fatos.
Pedro fechou a torneira; eles limparam o chão da cozinha, depois jantaram e quase não conversaram, havia algo os incomodando o subconsciente. Por fim foram dormir.
Durante a madrugada ambos dormiam tranqüilamente, por pouco tempo. Catarina abriu os olhos incomodada com uma sensação de peso sobre o peito, quase não conseguia respirar; estava suada e com os olhos lacrimejando. Parecia que tinha acabado de emergir de um terrível pesadelo embora não se lembrasse.
Ao se sentar na cama, recostando-se; ela viu que Pedro também parecia estar em um sono turbulento; ele virava a cabeça de um lado para o outro e emitia alguns ruídos indistinguíveis.
_Pedro._ chamou ela enquanto se recuperava de sua falta de ar.
Ele não respondeu, o que era estranho, pois tinha um sono muito leve e qualquer coisa era motivo para acordá-lo.
_Pedro, acorda!_insistiu. Mas ele parecia não ser capaz de ouvir.
Aquilo acabou produzindo na jovem uma ansiedade; recusava a acreditar que algo estranho estivesse em operação naquela casa. Não podia crer.
Pedro abriu os olhos vitrificados, se levantou vagarosamente e mesmo com sua esposa chamando não deu ouvidos, parecia estar ainda imerso em algum sonho ou pesadelo que mantinha cativa sua consciência; aprisionado em algum lugar distante, nas terras oníricas.
Ele estava como um sonâmbulo, mas aquilo não fazia o menor sentido; nunca apresentara tal comportamento antes nem nunca tinha falado de ter sofrido algo semelhante em toda a vida.
Catarina estava deixando passar um pequeno detalhe que percebeu logo em seguida.
Pedro levantou da cama mesmo com o cômodo às escuras e, apesar dos apelos de sua jovem esposa que o acompanhava com o olhar, caminhou em direção a porta do quarto que jazia aberta. Ela ascendeu o abajur e foi surpreendida com a imagem de seu marido ainda deitado sobre a cama, em pleno sono. Olhou para a porta e Pedro não estava mais lá; mas ela o tinha visto levantar e caminhar naquela direção e agora ele estava sinistramente deitado e dormindo sobre a cama.
_Pedro! Acorda! _ Catarina não sabia o que pensar e com gritos tentou novamente acordar o marido que despertou prontamente.
_O que houve?_ perguntou ele sonolento e assustado.
_Acabo de ver você sair da cama e caminhar até a porta.
As palavras dela não faziam o menor sentido para ele.
_O quê?!
_Eu disse que acabo de ver algo parecido com você se levantar deste exato lugar onde você está e caminhar pelo quarto até a porta. Pensei que você estivesse sonâmbulo, te chamei, mas você não acordava.
_ Alguma coisa se levantou aqui onde estou?
_Sim. Estou com medo; pode ser uma sombra, espectro, espírito, sabe lá. Já ouviu o que dizem sobre esta casa.
Pedro já ia refutar aquilo, que para ele não passava de uma tolice sem tamanho, quando ambos ouviram um estrondo aterrorizante vindo da cozinha. O som de pratos copos e panelas caindo ruidosamente e ou sendo arremessados em todas as direções contra as paredes e os móveis.
O barulho fez gelar o sangue dos dois dentro de suas veias; o coração de ambos disparou e um calafrio se apoderou de seus corpos por segundos que pareceram horas.
Catarina começou a tremer incontrolavelmente, o medo estava sub-julgando seu autocontrole, costumava ser emotiva e logo estaria em pânico.
O barulho permanecia, vidros estilhaçando e panelas e utensílios de metal e alumínio se chocando contra as paredes. Foi a experiência mais aflitiva que aquele casal sofreu.
De repente o frio que tinham sentido em seu sangue começou a se adensar e foi nesse momento em que perceberam que todo o quarto estava envolto em um manto gélido de verdade; cada respiração de Camila e Pedro vinha acompanhada de uma pequena lufada de vapor quente. A temperatura do quarto caiu drasticamente, embora não houvesse nenhum indício disso, nem gelo, nem água. Somente a sensação e os vapores quentes que abandonavam suas narinas e bocas quando respiravam.
_O que está acontecendo Pedro? O que é isso?
Pedro nem se deu conta de que tinha, em algum momento, segurado a mão da esposa e agora apertava com tanta força que temeu machucá-la.
_Não sei._ respondeu baixinho.
O barulho na cozinha passou para a sala e nitidamente estava vindo em direção ao quarto velozmente. Num sobressalto de puro terror e talvez também num instinto de autopreservação, Pedro correu para a porta e fechou rapidamente passando o trinco.
Mas aquilo estava longe de terminar e, sabe-se lá o quê, que estava do lado de fora do quarto, se chocou contra a porta com tanta força que o rapaz foi arremessado ao chão. Catarina irrompeu em gritos histéricos; Pedro se ergueu o mais rápido que pode, apelando a tudo o que considerava sagrado em sua vida e também em prantos tentou segurar a porta pelo lado de dentro.
Os golpes desferidos por fora eram tão fortes que as dobradiças tremiam e ameaçavam se soltar do umbral, igualmente as paredes também trepidavam e soltavam ruídos quando os impactos ocorriam; como se o que estivesse tentando entrar fosse muito maior do que o espaço para a entrada.
O Pânico durou toda aquela noite. Pedro lutou com todas as forças para manter a porta no lugar e Catarina esvaiu-se em lágrimas, querendo ajudar ao marido, mas sem poder, paralisada pelo terror.
Finalmente e de repente tudo cessou; já era dia e aquele foi o dia em que eles deixaram a casa, saíram somente com as roupas do corpo e não voltaram nem para buscar seus pertences. Comunicaram o fato apenas para poucas pessoas muito próximas a eles e ainda hoje quando falam daquela noite ficam visivelmente abalados.