O gosto da vingança
Já era costume ele se ausentar por semanas as vezes. Assim como era de costume , também, ele ligar um dia antes avisando que estava voltando.
Isaac não era de muita conversa e nem de muitos amigos. Reservadão, evitava na maioria das vezes fazer parte de uma roda de conversa entre amigos ou parentes. Preferia ficar a distância, calado, só observando.
Ao contrário do que muita gente dizia pelas costas, na verdade aquilo tudo era por conta de uma timidez sem tamanho de sua parte, e não orgulhoso e metidão, como insinuavam alguns.
Trabalhava em uma multinacional prestando serviços de manutenção em computadores. E era comum viajar para outro estado a mando da direção.
Saiu, daquela vez, na segunda pela manhã com previsão de retornar só no sábado a tarde. Porém assim que chegou recebeu um comunicado para que fizesse a manutenção de um computador da gerência local, e retornasse urgente, pois necessitavam dele na matriz.
Terminou o serviço no fim da tarde e retornou no voo das 19:00 horas. Chegou na matriz por volta das 22:00 horas. Chovia torrencialmente desde cedo. Apresentou-se a seus superiores e recebeu de imediato a incumbência para que no outro dia, logo cedo, partisse com destino a Argentina para dar assessoria a uma das filiais naquele país.
Pegou um táxi e rumou para casa, que ficava a menos de vinte minutos dali. Desta vez, sem avisar que estava retornando.
Era quase meia noite quando chegou. Pagou a corrida e deixou com o motorista o troco de uma nota de cinquenta reais. Atravessou a rua correndo, com o casaco puxado sore a cabeça, na intensão de se proteger da chuva, que agora caia com menos intensidade.
Abriu a porta silenciosamente e foi até o seu quarto. Pensou em fazer uma surpresa para Eleonora. Pé ante pé percorreu o corredor e empurrou vagarosamente a porta do seu aposento. Não acreditou no que seus olhos estavam vendo. Na sua cama, com a sua mulher, o seu melhor amigo. Dormiam feito anjos. Nem perceberam que ele havia chegado.
Silencioso, da mesma maneira que havia entrado, ele saiu. Foi até a biblioteca e empurrou um falso armário que escondia, atrás dele, um pequeno cofre. Lá de dentro tirou um revolver calibre 38, de cabo madrepérola. Apanhou algumas balas dundum, que estavam dentro de uma caixa, e entupiu o danado até o talo.
Sorrateiramente voltou até o quarto, e tão silencioso quanto uma serpente, abriu a porta e, mais uma vez, olhou para os dois que dormiam completamente desavisados. Ficou parado diante deles por alguns segundos, segurando o revolver apontado para o chão. Depois colocou-o na cintura e voltou para a sala onde apanhou o guarda chuva pendurado no cabide. Rumou até um orelhão de onde chamou um táxi. Apertou com uma das mãos o revolver, para ter a certeza que estava firme em sua cintura, e ficou esperando o táxi chegar. O hotel onde iria passar a noite ficava em um lugar meio deserto e o revolver era para sua segurança. No outro dia cedo pegaria o primeiro voo para a Argentina.
Não demorou quase nada e o táxi chegou. Entrou no carro com um sorriso idiota no rosto, acomodou-se todo feliz no banco do passageiro, e pediu ao chofer que seguisse até o hotel, onde passaria aquela noite.
Pateticamente, sentia-se vingado. Ficou imaginado a cara de besta do seu falso amigo na hora de ir embora. Com certeza iria se molhar todo, pois roubara seu guarda-chuva.