Escarlate.

Após ficar por um tempo sentado no escuro, Verner levantou-se e foi direto ao banheiro, sentia uma enorme repulsa, precisava lavar-se. Enquanto estava no banho, ouviu os fogos de artifícios lá fora, era meia-noite, ele imaginou que naquele momento as pessoas estavam se abraçando e desejando “ Feliz Ano Novo” umas as outras.

Voltou para o quarto, sentou-se na cama e olhou novamente para as mãos, apesar de já estarem limpas, quase podia ver o sangue que a pouco estava nelas. Então começou a relembrar os acontecimentos do dia. Havia saído pela manhã para fazer compras. Foi a um shopping luxuoso, entrou em algumas lojas caras para comprar roupas, almoçou, encontrou um amigo e voltou para casa, queria descansar antes de sair para festejar o Ano Novo.

Morava num apartamento grande, num condomínio chic, tinha um bom emprego, ganhava bem. Possuía alguns luxos e gostava de gastar.Tinha uma namorada e uma amante, amava a segunda e por ela nutria uma paixão incontrolável Lembrou que foi acordado pelo barulho de uma estouro no apartamento ao lado. Levantou rapidamente, conhecia os vizinhos. Correu ate lá, a porta estava aberta, na sala, seu amigo tinha um revolver na mão e chorava, em seus olhos uma profunda tristeza, ficou quieto por uns minutos, logo, levantou o revolver e suicidou-se diante dele.

Um tremor invadiu seu corpo, não conseguia se mexer, precisava gritar por socorro mas sua voz não saia. Devagar, foi caminhando para o interior do apartamento, no quarto, encontrou Luiza, a esposa de seu amigo suicida estava na cama, pálida e imóvel. Verner a sacudiu , tentou reanima-la, não podia acreditar que aquela mulher tão linda que sempre admirara, estava morta. Lembrou de sua altivez, do corpo esguio, dos cabelos louros sempre bem arrumados e de sua boca escarlate.

Nesse momento outras pessoas entraram no apartamento, ele ouviu suas vozes mas precisava sair dali. Foi direto para casa, fechou a porta e percebeu que sentia uma excitação fora do comum, olhou-se no espelho do quarto, seu corpo estava sujo de sangue, sentia o cheiro forte. Fitou-se e passou os dedos pelos lábios que ficaram vermelhos, sentiu o gosto e percebeu uma adrenalina espantosa, mórbida.

Estava sentado em sua mesa de trabalho mas não conseguia se concentrar, dias se passaram e a imagem de Luiza não lhe saia da cabeça. As mãos suavam, e a imaginação encarregava-se do resto.

No final do dia estava com um pensamento fixo, precisava comprar umas coisas. Depois de passar em algumas lojas, foi para um hotel carregado de sacolas. Fechou a porta, acendeu as luzes, tirou tudo que havia comprado e foi jogando em cima da cama, começou a vestir-se.

Quando terminou estava excitado, ansioso, tremia. Olhou-se no espelho e aprovou o resultado. Vestia uma saia curta, meias escuras e uma blusa decotada, na cabeça uma peruca loura de cabelos lisos, olhos bem delineados e a boca escarlate. Sentiu-se linda, viva, poderosa. Saiu a passos largos daquele hotel chulo, alugou o quarto para fazer a transformação, afinal não poderia aparecer vestido daquela maneira em seu apartamento.

Saiu pelas ruas e sentiu uma grande satisfação por atrair olhares, agora precisava alcançar seu objetivo. Não tinha mais volta.

Estava no centro da cidade e logo avistou algumas mulheres vestidas de forma extravagante, elas falavam alto. Aproximou-se e viu uma loura entre elas, com um cigarro nos lábios, pediu fogo e a garota acendeu seu cigarro. Seus cabelos eram quase brancos mas a raízes estavam escuras, deixando claro a vulgaridade do estilo. Ela chamava-se Star (nome de guerra), foi fácil convencê-la a ir ao hotel para um programa, ofereceu um pouco mais de dinheiro. Já no quarto, começou a despi-la lentamente, deliciava-se vendo aquela pele branca, pálida.

Fazia sexo com ela quando cravou em seu pescoço um punhal, a garota debateu-se até desfalecer, nunca antes havia sentido tanto prazer. Passou por seus lábios os dedos sujos de sangue e a beijou. Ainda pôde senti-los quentes.

Star foi apenas a primeira entre muitas vítimas de Verner. A cada semana ele saia de algum hotel ralé transvestido em busca de mais uma loura, e a matava deliciosamente.

Aos poucos foi refinando o ato, a maldade, logo, já não pagava por prostitutas, aprendeu que muitas mulheres sentiam-se atraídas por sua figura afeminada, ele soube aproveitar-se disso.

A mais difícil foi Clara, uma jovem universitária que conheceu numa casa noturna, ela estava com algumas amigas, dançava de um jeito sensual, era charmosa e linda. Quando a viu, desejou estar com ela. E usou de todas as armas possíveis, ela era noiva e se dizia fiel. Quando Verner conseguiu finalmente marcar um encontro com a jovem, não podia acreditar. Era uma noite de sexta-feira, eles se encontraram num restaurante, conversaram bastante, ela estava linda. Ele foi educado, gentil, carinhoso, galanteador. Clara parecia encantada.

Já dentro do carro na saída do restaurante, ele conseguiu beija-la, “como desejou aquele momento!” A convidou para um último drink em seu apartamento, ela aceitou. Já em casa, tomaram umas doses de uísque, Verner sentiu que aquele seria o momento, e começaram as caricias, beijos, mãos, mordidas, palavras de desejo, ele a levou para o quarto e parou diante do espelho, queria ver cada reação dela com suas caricias, tirou sua roupa e ficou ali por um tempo, admirando-a.

Carregou Clara até a cama, era carinhoso e ela estava completamente entregue. Fazia sexo com ela quando cortou sua garganta, uma, duas,...,dez. Não conseguia parar, quanto mais cortava, mais prazer sentia, foram tantas vezes que separou sua cabeça do corpo. Com a ajuda de um desocupado que pagava muito bem, conseguia dar fim nos corpos das vítimas. E durante muito tempo continuou mantando.

Não sentia culpa, nem um pouco de remorso, mas estava cansado de perambular pelas ruas a procura de mais uma loura, precisava acabar com qualquer uma que lembrasse Luíza , o grande amor de sua vida. Pela última vez olhou-se no espelho, estava “montado em sua personagem”, deitou-se na cama e cortou-se, passou os dedos ensangüentados pelos lábios e esperou pelo que seria seu último suspiro.

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