AMOR, CHUVA E MORTE.

Amor, chuva e morte.

Luciano numa ânsia descontrolada atendeu ao telefone antes que este findasse o primeiro toque:

-Terminou?

Lentamente o aparelho de mão deslizava em direção ao chão como se a força dos dedos que o segurava esvaecesse gradativamente, até enfim, chocar-se firmemente no solo frio. O aparelho expeliu um som seco e firme, mesclando-se com a ativa voz feminina emitida pelo singelo alto-falante; imediatamente silenciando-a.

Com os olhos fixos ao nada Luciano firmou o nó de sua gravata bem rente ao pescoço e, dirigiu-se com o olhar friamente perdido à varanda. Ao passar pela cozinha segurou o braço de uma cadeira e tratou de arrastá-la, parecendo não importar-se, ou melhor, muito menos aperceber o barulho e os riscos no piso que ocasionava durante o obscuro trajeto.

Pouco tempo depois aqueles olhos ainda inertes balançavam feito um pêndulo mecânico e rítmico. A gravata fora amarrada em uma viga do telhado, forçando esta a emitir sons peculiares e naturais de madeira flexionada unindo-se com o gotejar da chuva que advinha furiosamente. A cadeira agora estava deitada rente ao chão frio, onde ora os pés de Luciano raspavam-lhe suavemente. Pés estes que, como Luciano, estavam suspensos num interminável movimento pendular, movimento que, por ele, jamais haveria de se fazer findo.

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Dois meses antes:

Luciano, irritado por atrasarem seu ofício diário, atende o incômodo telefone.

Rapidamente a irritação extinguiu-se amenizando também os traços hostis que haviam configurado sua face. Era o irmão que tanto amava, qual cuidara e ajudara a criar. Um jantar fora proposto e rapidamente aceito; seu irmão iria apresentar-lhe sua nova namorada durante a ocasião, isto animou Luciano que aderia felizmente às vitórias e conquistas do irmão como suas. Às oito da noite, na casa de Luciano, estava marcado, a ligação findou-se e após o diálogo, contrariamente à irritação posterior, Luciano sentia-se repleto de serenidade e bom-humor.

Deus! Como era linda! Este fora o pensamento de Luciano ao ver pela primeira vez Raquel (A nova namorada do irmão). Tentou durante o jantar não demonstrar a hesitação a que fora surpreendido, porém os olhos humanos não lhes respondiam ao pensamento, e muitas vezes durante o jantar trocara olhares de representante delírio incontido, surpreendendo-lhe ainda mais quando alguns foram retribuídos. Seu irmão exalava alegria e Raquel transpassava todas as qualidades possíveis; como era inteligente, elegante, discreta, seu irmão um pedreiro, simples e digamos não muito belo. Como conseguira? Embora o amasse, tal mulher, como ordem normal do mundo, jamais seria para ele, não que este não merecesse, mas as ordens já foram definidas, pela ciência-social e o Darwinismo hipócrita, tudo se encaixa conforme a ordem.

Luciano involuntariamente apaixonara-se, mas conteve-se, era seu irmão, seu amado irmão, qualquer coisa poderia ser esquecida por ele, sem sombra de dúvida. Por este levantar de motivos e contradições o jantar não lhe fora agradável. Pensava na leviandade dos sentimentos que inéditamente começara a sentir e mais do que nunca se perdeu dentro deles, ocasionando um distanciamento involuntário das conversas que transcorriam, sendo, por isto, muitas vezes repreendido pelo irmão que lhe chamava a atenção: (Ou! Preste atenção). Luciano respondia com um educado: (Desculpe mano, estou cansado!) E todos sorriam.

Após todos saírem, Luciano tentava, no escuro da espaçosa sala, entender que coisa fora aquela, por qual motivo sentia-se assim. Trinta minutos depois a campainha tocava.

Ao ver Raquel quando abriu a porta, os sentimentos, antes confusos, agora se tornavam irreais. Os olhos, os olhos brilhavam, brilhavam um sentimento incomum e incompreensível, algo que se vive e perde-se na adolescência fervorosa, o brilho do desconhecido, da querência, da paixão ardente; aqueles olhos azuis o queriam, tanto quanto os seus, ou ainda mais.

-Você sentiu? Perguntou Raquel.

Não houve resposta, apenas um longo beijo.

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Na mesma noite chuvosa em que Luciano devolvia sua alma aos céus, a família Lima, enquanto assistia com ânimo ao programa televisivo favorito, fora surpreendida por um grito sufocado no quintal de sua casa. O velho Lima antecipou-se por impulso defensivo frente à amada família e, sozinho, dirigiu-se à janela buscando averiguar o imprevisto, não tardou para que seus olhos demonstrassem uma agonia incomum; frente à janela prostrava-se o tão conhecido Augustus (Irmão de Leandro) agonizando intermitentemente com uma faca cravada nas costas.

Mais tarde uma dúvida reinaria na família Lima e em toda vizinhança: Como e por que, dois irmãos haveriam de morrer na mesma noite? Para todos, esta seria uma dúvida insolúvel, contudo a verdade reina fora do conhecimento geral, firmando-se na realidade, às vezes omiti-se aos que a presenciam ou vivenciam, mas sobrevive ao exterior; àqueles que realizaram o ato,este bom ou mal , sempre o carregará, algumas vezes pesado como um fardo , em outras, leve como uma brisa de verão, mas acreditem; o carregará.

E quem carregava a verdade desta vez era Raquel, surpreendentemente não como um fardo, muito mais como uma leve brisa de verão, esta lhe enchia de sorrisos e felicidade, qual aos poucos o orgulho remetia às lembranças; tenebrosas lembranças relatoras das atitudes de uma mente tão doente:

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Raquel, pedagoga de sucesso, seria promovida em breve, ganhara a direção de uma escola em São Paulo, ato assinado pelo próprio governador. Rapariga singela, educada, culta e carinhosa; todas as qualidades preferíveis pela ciência descritiva na estruturalização de um indivíduo-social, entretanto configurava-se espiritualmente o contrário. Desde pequena adorava a perversidade, o mimo fez-lhe arrogante e egoísta, contudo aprendeu a utilizá-los de modo adequado, singelo, dissimulado e sempre vitorioso. Amava o mal, e o expôs de forma incrível e sagaz também desta última vez.

Escolheu sua vítima ao conhecer Augustos enquanto este trabalhava frente à sua casa em uma obra singela, aos poucos se aproximou, pela lógica não tardou a conquistá-lo. Pouco tempo depois, já enamorando, soube do irmão e, seu anseio maligno dobrou em resignação; logo iria embora, se fosse para fazer um mal; nada melhor que o fosse em dobro, assim, seguiu sua empreitada digna da ciência ilógica e corrosiva.

Solicitou ao encantado namorado após, para ela, uma nostálgica noite íntima, um jantar, para conhecer o irmão qual tanto ouvira falar; a resposta afirmativa seguiu-se rapidamente.

Raquel sabia como proceder, conhecia sua beleza e sabedoria e, durante o jantar, não tardou em encantar o irmão pretendido, voltou trinta minutos depois para concretizar sua sagacidade racional.

Dois meses se passaram, e a amargura de Leandro, um tormento diário, dilacerava-lhe o peito. Traíra a quem mais amava, não só uma vez, mas várias. Muitos foram os anseios e as oportunidades de findar aquele sofrimento, contudo a coragem esvaecia-se barrada pela sublime alegria do irmão.

Raquel utilizando o momento, sem deixar de aproveitá-lo, expressando muitas vezes sorrisos de pura felícia, tratou de findar seu plano: Dissimulou Leandro, dizendo que falaria com o irmão naquela noite e ligaria após o ocorrido, trataria de apaziguar os fatos, retirando-lhe enfim a agonia que o corroía. Leandro, entre lágrimas de desespero, concordou subitamente.

A chuva iniciara-se sob a noite escura e, Augustos, apaixonado, aceitou sem pestanejar o pedido de Raquel: O de passear rumo às águas. A chuva era fria, mas Augustos, não pode deixar de amá-la,pois Raquel beijava-o loucamente, envolvendo-o ao meio,mesclando o frio argênteo com o seu corpo ardente. Sentia o calor das emoções ferozmente, quando o ardor do aço frio cravou-lhe as costas. A dor era intensa, impulsiva de contorções. Raquel sorria, Augustos clamava pela ajuda da amada, e essa lentamente abandonou-o deliciando-se com a chuva e o frio.

Uma ligação, uma mentira teatral e tudo terminara:

-Ele, matou-se, matou-se Leandro. Disse fingidamente entre soluços a maléfica Raquel.

Não houve resposta, e pouco tempo depois, Leandro ceifaria a própria vida e seus olhos continuariam fixos num eterno movimento pendular.

Raquel, hoje, continua a ser bem-sucedida, singela, doce e educada, e acreditem, tem um novo namorado.

JVictor

Idéia de Danielo.

http://contosjvictor.blogspot.com/