PARADA OBRIGATÓRIA
(Da minha obra Chega?!.)
— É um assalto!
É um assalto?!
Gritavam, num coro de horror, as vozes que saíam de dentro dos capuzes que cobriam os rostos dos bandidos.
Antes, uma forte luz de um holofote bloqueou as rodas do ônibus, numa parada obrigatória.
O enérgico clarão tomou a direção das nossas vistas. Prevíamos. Era um assalto.
Com destino ao Rio Grande do Sul, não tínhamos mais, naquele momento, previsão do rumo que nossas vidas iriam tomar. Elas foram roubadas e dominadas sem piedade.
Meus minutos apavorados abraçavam o desespero de minha mulher que inquieta chorava, chamando a atenção de um dos mascarados o qual, violentamente, agarrou-me como refém.
Era eu o eleito a receber as balas que podiam ser vistas através do tambor do revólver.
Indefeso e dominado, senti-me um boi sendo conduzido ao matadouro.
Arrastado à frente do ônibus pelas pesadas mãos do marginal, pude divisar, em cada olhar dos passageiros, profundo pavor durante todo o período de ameaça. Representava, na verdade, aquele ônibus um túmulo gelado repleto de almas aflitas levitadas pelo medo. Almas que espiavam seus próprios suspiros ofegantes no desmanchar do escuro da morte. Sem esperanças.
Naquele momento, busquei na mente a nobre calma do meu avô. Dizia ele que a morte deveria ser recebida pelo homem num solene rigor. A morte lhe era uma condecoração final da conquista de uma jornada. Um prêmio.
Mesmo sabedor de que a morte é inevitável, eu não queria morrer na humilhação de um assalto. Morrer no vexame de despir do meu caráter a dignidade, a vergonha e o ser homem.
A inocência do garotinho de quatro anos, ainda no colo de sua mãe, interrogou:
— Meu amigo homem-aranha você veio prender este bandido?
E um dos marginais advertiu:
— Cala a boca deste moleque se não quiser que ele leve uma azeitona na matraca.
As senhoras, abatidas pelo horror, observavam suas bolsas serem vasculhadas. Era como se suas intimidades estivessem sendo expostas da forma mais vexatória possível.
Aos setenta e nove anos de idade, dona Celeste que poucos minutos antes do assalto tivera a pressão alterada, tinha naquele momento a feição descorada pela certeza do seu fim. Era chegada a vez dos seus pertences serem arremessados no piso do ônibus. Entre outros acessórios foram espalhados vários remédios, lencinho, óculos, caneta, agenda, alguns poucos dólares enroladinhos e presos com vários elásticos. Havia, também, um tercinho de contas em madrepérola.
Dona Celeste, com meiguice na fala, exclamou:
— Meu filho, pode levar tudo, menos este tercinho que meu finado marido trouxe-me de Roma.
Enfurecido, o bandido lançou uma só coronhada sobre a cabeça da pobre velhinha, que desmanchando um pálido sorriso — como se quisesse dizer “Não precisava nada disto, meu filho!” — cerrou os olhinhos para o mundo sanguinolento.
Aquela iluminada senhora morrera ofendida na honra por um ninguém, vindo do nada, aborto da miséria.
Senti no olhar aceso de todos os passageiros o pânico e a indignação brotando no desejo da reação. Reação coletiva em defesa da vida. Reação coletiva pela honra de dona Celeste.
Desconfortável sob a mira da arma chorei indignado ao ver aquela senhora estendida sobre seus pertences. Pensei: Quantos sonhos a pobre senhora teria alcançado para em questão de segundos serem destroçados pelas mãos de um monstro? As perguntas borbulhavam em minha cabeça: "Onde estaria Deus? Ele teria o poder de impedir tal violência? Estaria escrito o fim daquela dócil senhora"? O mistério sobre a existência de um Deus que zelava pelo homem, era duvidoso, ao menos, naquele momento em que velei o corpo daquela senhora, que, aos olhos dos marginais, representava apenas uma bagagem inútil. O desejo de reagir oscilava em mim, como a incerteza sobre a misericórdia de Deus.
Em uma ocasião assisti pela televisão à cena de um bandido que rendera um gerente de banco. O gerente, vestido com um elegante terno o que demonstrava respeito ao cargo e aos clientes, naquele momento chorava como uma criança desprovida de amparo. Foi uma cena deprimente de se presenciar. E eu estava vivenciando o mesmo episódio.
Quando os bandidos completaram os saques pensei que estaria livre. Porém, não. Era eu o refém que iria acompanhá-los garantindo suas seguranças.
Olhei aliviado para minha mulher. Ela estava salva. Mas não escondia no olhar a tristeza de quem não conseguia juntar nossos sonhos que se apresentavam estilhaçados.
Na estrada, um carro aguardava os selvagens. Arrastado pelos encapuzados, divisei o ônibus que avançava a estrada, depois sumia no silêncio da fúnebre dor.
Uma luz forte cegou minha vista apagando a treva do meu minuto. Tempo para a eficaz ação dos policiais que renderam os mascarados.
Com a aliviada sensação de estar flutuando num globo de paz, senti a forte presença de dona Celeste, que num abraço terno derramava sobre meu rosto uma lágrima quente de amor. Eu estava vivo. Vivo no plano superior, morada dos justos.
(Da minha obra Chega?!.)
— É um assalto!
É um assalto?!
Gritavam, num coro de horror, as vozes que saíam de dentro dos capuzes que cobriam os rostos dos bandidos.
Antes, uma forte luz de um holofote bloqueou as rodas do ônibus, numa parada obrigatória.
O enérgico clarão tomou a direção das nossas vistas. Prevíamos. Era um assalto.
Com destino ao Rio Grande do Sul, não tínhamos mais, naquele momento, previsão do rumo que nossas vidas iriam tomar. Elas foram roubadas e dominadas sem piedade.
Meus minutos apavorados abraçavam o desespero de minha mulher que inquieta chorava, chamando a atenção de um dos mascarados o qual, violentamente, agarrou-me como refém.
Era eu o eleito a receber as balas que podiam ser vistas através do tambor do revólver.
Indefeso e dominado, senti-me um boi sendo conduzido ao matadouro.
Arrastado à frente do ônibus pelas pesadas mãos do marginal, pude divisar, em cada olhar dos passageiros, profundo pavor durante todo o período de ameaça. Representava, na verdade, aquele ônibus um túmulo gelado repleto de almas aflitas levitadas pelo medo. Almas que espiavam seus próprios suspiros ofegantes no desmanchar do escuro da morte. Sem esperanças.
Naquele momento, busquei na mente a nobre calma do meu avô. Dizia ele que a morte deveria ser recebida pelo homem num solene rigor. A morte lhe era uma condecoração final da conquista de uma jornada. Um prêmio.
Mesmo sabedor de que a morte é inevitável, eu não queria morrer na humilhação de um assalto. Morrer no vexame de despir do meu caráter a dignidade, a vergonha e o ser homem.
A inocência do garotinho de quatro anos, ainda no colo de sua mãe, interrogou:
— Meu amigo homem-aranha você veio prender este bandido?
E um dos marginais advertiu:
— Cala a boca deste moleque se não quiser que ele leve uma azeitona na matraca.
As senhoras, abatidas pelo horror, observavam suas bolsas serem vasculhadas. Era como se suas intimidades estivessem sendo expostas da forma mais vexatória possível.
Aos setenta e nove anos de idade, dona Celeste que poucos minutos antes do assalto tivera a pressão alterada, tinha naquele momento a feição descorada pela certeza do seu fim. Era chegada a vez dos seus pertences serem arremessados no piso do ônibus. Entre outros acessórios foram espalhados vários remédios, lencinho, óculos, caneta, agenda, alguns poucos dólares enroladinhos e presos com vários elásticos. Havia, também, um tercinho de contas em madrepérola.
Dona Celeste, com meiguice na fala, exclamou:
— Meu filho, pode levar tudo, menos este tercinho que meu finado marido trouxe-me de Roma.
Enfurecido, o bandido lançou uma só coronhada sobre a cabeça da pobre velhinha, que desmanchando um pálido sorriso — como se quisesse dizer “Não precisava nada disto, meu filho!” — cerrou os olhinhos para o mundo sanguinolento.
Aquela iluminada senhora morrera ofendida na honra por um ninguém, vindo do nada, aborto da miséria.
Senti no olhar aceso de todos os passageiros o pânico e a indignação brotando no desejo da reação. Reação coletiva em defesa da vida. Reação coletiva pela honra de dona Celeste.
Desconfortável sob a mira da arma chorei indignado ao ver aquela senhora estendida sobre seus pertences. Pensei: Quantos sonhos a pobre senhora teria alcançado para em questão de segundos serem destroçados pelas mãos de um monstro? As perguntas borbulhavam em minha cabeça: "Onde estaria Deus? Ele teria o poder de impedir tal violência? Estaria escrito o fim daquela dócil senhora"? O mistério sobre a existência de um Deus que zelava pelo homem, era duvidoso, ao menos, naquele momento em que velei o corpo daquela senhora, que, aos olhos dos marginais, representava apenas uma bagagem inútil. O desejo de reagir oscilava em mim, como a incerteza sobre a misericórdia de Deus.
Em uma ocasião assisti pela televisão à cena de um bandido que rendera um gerente de banco. O gerente, vestido com um elegante terno o que demonstrava respeito ao cargo e aos clientes, naquele momento chorava como uma criança desprovida de amparo. Foi uma cena deprimente de se presenciar. E eu estava vivenciando o mesmo episódio.
Quando os bandidos completaram os saques pensei que estaria livre. Porém, não. Era eu o refém que iria acompanhá-los garantindo suas seguranças.
Olhei aliviado para minha mulher. Ela estava salva. Mas não escondia no olhar a tristeza de quem não conseguia juntar nossos sonhos que se apresentavam estilhaçados.
Na estrada, um carro aguardava os selvagens. Arrastado pelos encapuzados, divisei o ônibus que avançava a estrada, depois sumia no silêncio da fúnebre dor.
Uma luz forte cegou minha vista apagando a treva do meu minuto. Tempo para a eficaz ação dos policiais que renderam os mascarados.
Com a aliviada sensação de estar flutuando num globo de paz, senti a forte presença de dona Celeste, que num abraço terno derramava sobre meu rosto uma lágrima quente de amor. Eu estava vivo. Vivo no plano superior, morada dos justos.