A Domicílio
O clima estava ameno e a temperatura agradável. O sol brilhava, nenhuma nuvem podia ser vista e a rua estava deserta. Tudo parecia normal para um início de manhã. O som dos pássaros cantando e do vento batendo nas árvores aumentava ainda mais a calmaria. Várias casas de formatos quase idênticos iam de um canto a outro da avenida, e não havia muros ou cercas para separá-las.
Em passos lentos, uma frágil figura ia chegando ao local. Sua aparência revelava uma meia-idade sofrida: cabelo grisalho e um pouco calvo, algumas rugas, suor que fazia com que seu rosto brilhasse com a luz do Sol, roupas um pouco amarrotadas e uma estatura abaixo da média que era ressaltada com a visível seqüela em sua perna esquerda, a qual deixava um dos pés de frente com o outro, obrigando o homem a se apoiar em uma bengala de madeira para conseguir andar. Nas costas, uma pequena caixa de madeira pendurada por duas alças de couro, carregada com certa dificuldade.
Sem pressa, o velho sobe as escadas da primeira residência da rua, põe o caixote no chão e toca a campainha. A porta é aberta lentamente, revelando um ambiente mais escuro e sombrio. Dentro da casa estava outra figura bem diferente. Tinha quase dois metros de altura, ombros largos e um sobrepeso claro na barriga. Estava vestindo um pijama embolado e amassado e as olheiras profundas destacavam-se em seu rosto, que também tinha barba mal-feita apesar da aparência jovial. Seu porte físico corpulento contrastava com a fragilidade do seu visitante. O maior poderia derrubar o menor com um fraco empurrão.
- Entre, senhor! – disse o rapaz, mesmo sem perguntar o que o velho queria.
- Não há necessidade, jovem. Eu só estou aqui para vender meus produtos caseiros! – o velho dizia, sorrindo. O grandalhão olhava sua visita de cima a baixo várias vezes, com um sorriso arrogante e um olhar estranho. Tentando demonstrar algum interesse na compra, respondia:
- E o que você tem aí?
- Tenho quase tudo que é produto natural! Temperos, chás, ervas, mel. Mas principalmente medicamentos. Sabe como é, sempre quis ser um farmacêutico pra que as pessoas se curassem com o que eu faço! Não quer dar uma olhada? – dizia animado, o velhote. Após um longo suspiro e fazendo uma cara de pressa e indiferença, o outro voltava a responder:
- Que interessante. Mas faço questão que entre, senhor. Acabei de passar um café, está fresquinho! Eu sirvo uma xícara pra você e vou vendo o que posso comprar. O que me diz? Além disso, tem uma coisa aqui pra você.
- Sabe, moço, essa minha caixa aqui é meio pesada. Vai ser difícil levar ela lá dentro…
- Ora, deixe isso comigo então – já se abaixava para pegar o caixote, que estava em cima do tapete de pés. Não queria sair de casa, onde todo mundo poderia vê-lo e nem ficar ali na entrada, onde qualquer olhar mais atento poderia flagrá-lo.
- Ah não! Eu me sentiria mal, moço – dizia o vendedor, já puxando o caixote alguns centímetros pra trás – vamos fazer o seguinte então: você vê os produtos que vai querer e aí eu levo só eles pra dentro, combinado?
- Está certo – respondeu o homem, vendo que seria a solução mais razoável a que chegaria com o visitante teimoso. Era só ir ali fora uns segundos e depois ambos entrariam, ninguém o veria.
Enquanto o rapaz se abaixava e via o que podia lhe interessar, o velho levantava sua bengala e a deixava em posição horizontal, ainda com sua expressão bondosa. Segurou-a no cabo e na ponta e puxou os dois em direções opostas, separando-os.
Após se levantar para perguntar a respeito dos produtos, o rapaz leva uma forte estocada na parte da frente do pescoço feita pela nova ponta da bengala, que revelava uma lâmina precisa e afiada. O golpe foi forte o suficiente para perfurar silenciosamente a garganta do alvo e derrubá-lo morto para trás, logo depois de tê-lo feito sentir cada centímetro de sua traquéia ser arrebentado pelo fio da arma.
A queda do corpo fez um leve barulho, mas, dificilmente alguém se preocuparia. Chacoalhando a bengala para frente, com o ar da frieza de quem sabe o que está fazendo, o assassino fez com que o pouco de sangue que tinha ido para a lâmina caísse sobre o pijama do cadáver. Logo em seguida, recolocou a ponta de madeira e, com o gancho do cabo, fechou rapidamente a porta. Abaixou-se, pôs seu caixote nas costas e seguiu, sem dizer nada, para a próxima casa.