O CAMINHONEIRO

Essa é mais uma história do tempo em que eu era universitária.

Todas as sextas-feiras à noite eu pegava o ônibus de Pelotas pra Santana do Livramento, cinco horas e meia de viagem pra vir e na semana seguinte mais cinco horas e meia pra voltar, ás vezes seis, dependendo da boa vontade do motorista. Mas tudo bem. Eu fazia a mais absoluta questão de passar o final de semana com o meu namorado, então vivia assim, que nem tartaruga, carregando a casa nas costas.

Acho que foi no mês de setembro, lembro que a noite estava úmida e um pouco quente, eu estava sentada numa das primeiras poltronas, o ônibus já se preparava pra partir quando um homem alto, claro e bonito, de uns trinta e poucos anos sentou-se ao meu lado. Começou a puxar conversa, me disse que era caminhoneiro, que fazia carregamento de carne pro Chile, que era natural de Santana do Livramento mas que tinha ido a Pelotas visitar uns familiares. Eu perguntei por que ele estava viajando de ônibus e não de caminhão, mas ele não respondeu e começou a indagar a minha vida, eu contei que era estudante, que vivia na estrada também e a conversa ia fluindo.

Ele queria saber se eu era casada, eu disse que não e brinquei dizendo que do jeito que gostava de viajar, talvez devesse me casar com um cigano. Ele, por sua vez disse:

- Ou com um caminhoneiro. O que você acha?

Eu sorri. Ele me contou um pouco sobre as suas aventuras com o caminhão e sobre uma vez que quase morreu congelado na Cordilheira dos Andes.

Não lembro bem porque entramos num assunto sobre descendência italiana, ele disse que também era descendente de italianos, assim como eu e continuou com o assunto do casamento, dizendo que seria interessante se nos casássemos e fossemos morar na Itália.

Enfim, estava rolando um clima, o homem era bonito, a tentação de ficar com ele era grande, mas como já comentei no início, sou comprometida e por isso ficamos mesmo só na conversa.

Uma moça que estava sentada próxima a nós, passou boa parte da viagem me olhando com uma cara esquisita, eu já tava a fim de ir perguntar por que ela me olhava com aquela cara, se tinha perdido alguma coisa na minha poltrona, mas ela desceu em Bagé.

Mais adiante, em Dom Pedrito, desceram a maior parte dos viajantes e o ônibus ficou quase vazio. Apenas quatro pessoas seguiram viagem, o motorista, um casal que estava dormindo nas poltronas do fundo, o caminhoneiro e eu.

Mas nada de muito especial aconteceu nesse último trecho da viagem. O casal dormia, o motorista dirigia e o caminhoneiro insistia que ele e eu devíamos ficar juntos.

Chegamos em Livramento de madrugada, por volta da uma hora. Ele perguntou se eu gostaria de companhia até a minha casa e eu disse que não porque o motorista, que era meu amigo, sempre me dava carona depois de deixar os passageiros na rodoviária.

Nos despedimos, ele desceu do ônibus e eu não vi pra que lado foi, até porque, como já disse antes, a noite estava quente e úmida e por isso, havia um leve nevoeiro.

Depois que todos os passageiros desembarcaram eu fui pra cabine com o motorista e ele disse:

- Que milagre você não ter vindo pra cá conversar comigo hoje? Estava com sono e resolveu passar a viagem dormindo?

- Não. É que eu vinha conversando com um cara que sentou do meu lado, você não viu?

- Não.

- Pois é. Um caminhoneiro que estava em Pelotas visitando uns parentes, mas é natural daqui. Eu vim toda a viagem conversando com ele.

- Não reparei.

Meu amigo motorista me deixou em casa como de costume. No dia seguinte ao acordar, contei a história do caminhoneiro pra minha mãe.

Ela me olhou com uma cara estranha e perguntou que jeito tinha o homem. Eu fiz a descrição e ela então levantou-se, foi até a cozinha e voltou com o jornal do dia.

Estampada na primeira página do jornal estava a seguinte notícia: Caminhoneiro morre congelado na Cordilheira dos Andes.

A notícia falava sobre um caminhoneiro santanense, de trinta e cinco anos, com o mesmo nome da pessoa com quem conversei durante a viagem, que estava levando um carregamento de carne pro Chile e que havia morrido congelado nas Cordilheiras por conta de um problema que ocorreu com o caminhão.

A Alquimista
Enviado por A Alquimista em 01/07/2009
Reeditado em 28/01/2010
Código do texto: T1676273
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