um doce após a morte

Ela mexia a panela na qual cozinhava o brigadeiro. Na pia havia a caixa de leite condensado vazia e um pote de achocolatado pela metade, mais pra frente havia uma faca ensangüentado, sangue fresco. Ao desligar o fogo girou a torneira para encher a cuba de água, vislumbrou a faca que ainda gotejava sangue e uma sombra de medo passou pelos seus olhos, porém logo soltou um suspiro de alivio. Passou a panela do fogo recém apagado para a água gelada na pia. O brigadeiro também suspirou, de susto. Voltou a mexer a panela com o objetivo de esfriar o doce, lágrimas começaram a se formar nos seus olhos. Não tinha a mínima idéia do que fazer agora. Suspirou novamente e retirou a panela da água transportando seu conteúdo para uma vasilha de alumínio.

Ao se virar para a geladeira conseguiu visualizar os pés dele ainda se mexendo perto da porta do cômodo. Pelos sons que ele fazia ela imaginava sua agonia, e isso a regozijava. Ele merecia depois de tudo que a fez sofrer nos últimos dois anos. Abriu a geladeira e colocou o doce no freezer. Caminhou lentamente até onde ele estava estendido no chão e observou-lhe o olhar. Viu medo e dor nele. Sorriu. Pensou em dizer-lhe que merecia tudo, por cada tapa, por cada soco, por cada misero beliscão que dera nela. Quis comentar sobre todas as vezes que ele a tratou com lixo, como nada. Que pisou nela, abusou dela, moral física psíquica e sexualmente. Também quis dizer-lhe o quanto o amou, o quanto acreditou que mudaria, que ele cumpriria as promessas de parar de beber, arranjar um emprego, amá-la tanto quanto ela merecia. Mas resolveu não dizer nada.

Voltou para a cozinha e pegou novamente a faca. Segurou-a com as duas mãos. Ele ainda respirava, mas seu olhos já estavam vazios, não existia mais alma, a essas horas ela já estava ardendo no inferno. Enfiou a faca novamente em seu peito, dessa vez, diretamente sobre sue coração, e ele soltou seu ultimo murmúrio de vida.

Era apenas o começo de um novo martírio para ela. Mas ao sentar no sofá, em frente ao corpo do seu falecido marido com uma faca enfiada no peito, comeu seu brigadeiro tranqüila. Pela primeira vez em dois anos dormiria em paz.

Leticia Stinghen
Enviado por Leticia Stinghen em 28/06/2009
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