HÍBRIDO - PEQUENO CONTO
HÍBRIDO
Ela, a mais bela e competente atriz do filme pornô. A campeã de vendas, a queridinha dos homens e das mulheres. Todos a desejavam, todos a queriam. Seu nome de guerra? Gilda. Já contava trinta anos, mas ainda tinha o viço adolescente, nem magra, nem gorda, tudo no lugar. Seu nome verdadeiro ficou esquecido num recente passado, ainda quando esta possuía um Q.I. de gênio, fez pós-doutorado em física quântica na Itália e desenvolvia um projeto de uma máquina harmonizadora, baseada nas idéias do Arqueômetro de Joseph- Alexandre Saint-Yves. Mas num surto ( vamos chamar de surto ) resolveu não mais ganhar a vida com o cérebro, chegou à conclusão de que sem seu corpo não havia mente. Talvez algo tenha dado errado com a invenção ( com o protótipo, a miniatura feita em seu laboratório): as freqüências harmonizantes podem ter causado uma brusca mudança em seu comportamento, irreversível.
A intelectual era uma profunda conhecedora de mitologia e a atraíam personagens como o Minotauro, o deus Pan: seres metade homens, metade animais. Chegou a pensar na hipótese de serem frutos de relações sexuais entre humanos e bichos, mas a ciência afirma que a nossa genética é poderosa e se protege nesses casos, só não se defende das doenças, dos vírus, dos germes. Quanto aos vírus e germes, tem uma teoria revolucionária, anotada em seu molesquine.
Gilda aboliu definitivamente os homens de sua vida e no auge de seu sucesso optou por mudar de parceiro: seu parceiro nas filmagens agora era um cão labrador branco. Fez dez filmes com seu cachorro. Amava o cachorro. Antes era um amor de mãe e depois...
Engravidou. Nem sabia que estava prenha, quando sofreu um aborto. Pensou ela que fosse um aborto, mas viu surpresa o bebê se mexer. Que alegria, a criança ainda vivia! Quando foi dar banho tomou ciência de que havia parido um cão, mas mesmo assim era seu filho. O neném chorou como humano e cresceu rápido. Com meses já falava e lia tudo, era tão inteligente quanto a mãe, que pensava: - Meu Deus, qual será o futuro do meu filho? Os laboratórios? Vão querer levar meu filho para estudo! Vão discriminar o meu filho! Quais vacinas eu devo aplicar? De cachorro? De gente? As duas? Devo escondê-lo do mundo?
Quando as visitas chegavam, o instruía a não falar. E quando iam embora, caía em depressão, afinal ele era seu orgulho e seu sangue, tão carinhoso, tão amoroso.
Ao completar dois anos, resolveu promover uma festa para revelar seu rebento aos mais chegados. As reações foram diversas: deboches, espanto, apoio. Pediu: - Não revelem ainda meu segredo!
No dia seguinte ao evento, chamou e procurou seu menino pela casa inteira. Desesperou-se, gritou, pôs a cabeça para fora da janela para ver se o localizava na rua. Desceu, vasculhou cada esquina. Sumiu. Nunca mais apareceu.
Gilda até hoje procura seu filho e não faz mais os tais filmes, voltou para a ciência e para seu verdadeiro nome: Beatriz.