"O CÃO, O COELHO E O SANGUE"
(O cão, o coelho e o sangue.).
A fome era imensurável e forçava o pobre Max a perder muita saliva enquanto admirava o coelho do outro lado da cerca. Poderia, se quisesse, transpô-la. Mas não lhe era permitido “Os amos não aceitam que molestem seu território” e o coelho não fazia parte do território do amo de Max.
Era perpétua a tentação desde a chegada dos coelhos, mas agora, tornara-se pior, a fome supria-lhe o raciocínio, e a grande voz instintiva tocava-lhe o destino. Era dever de seu amo alimenta-lo, como seu era o dever de protegê-lo, entretanto essa ordem fora desfeita. Seu amo não o alimentara há duas luas.
Max podia sentir o cheiro tão comum dele oriundo no interior da casa, talvez um pouco mesclado pelo cheiro de algumas carnes que aprendera a evitar comer, contudo o cheiro e com certeza seu dono estavam lá.
Já tentara suplicando com gemidos e arranhões sobre a porta uma possível atenção renegada, não lograra êxito, nem um simples movimento ou som foi-lhe referido, nem mesmo seu nome dito da forma que tanto adorava seu amo disse-lhe.
Fora esquecido. Os carinhos, as brincadeiras, os dias chuvosos que lhe fora permitido dormir mais próximo, o primeiro contato do dia sempre advindo um carinho estimulante, o cheiro irresistível das refeições diárias, o olhar caridoso após ser repreendido, tudo que lhe motivava a viver e estar ali; desaparecera.
Tudo o que mais lhe determinava a viver esvaeceu-se repentinamente com uma porta que nunca mais se abriu.
Max sentiu-se abandonado por quem mais amava, mas sabia que um simples olhar de seu amo já o faria esquecer-se de todo infortúnio vivido, um simples abrir de porta já seria para si motivo de convite para amar novamente. Pois diferente do homem; os animais sabem perdoar.
Contudo essa sorte não lhe proveio e o que lhe restava somente eram: A solidão, a fome e os coelhos.
Infelizmente as necessidades fomentam ações, assim, Max motivado pelo instinto determinou seu fado e com um último olhar para o lar farejou em despedida o amo que tanto amava, pois quebraria uma regra e talvez jamais fosse aceito novamente, contudo já se admitia desprezado o suficiente para enfrentar futura sorte.
Seus olhos procuravam a entrada mais fácil, não tardou encontrou-a, era pequena e Max teve de se esforçar e contorcer-se o máximo para enfiar-se num vão sob a cerca. Teve de parar. O amo vizinho saíra. A pouca relva escondia Max de ser surpreendido, mas se si movesse tanto para frente como para traz seria denunciado de imediato.
Max paralisado por uma inteligência instintual magnífica sagrou-se não pego pelo amo vizinho, e após este entrar, Max prosseguiu em sua empreitada.
Vagarosamente com o focinho rente ao chão empoeirado fez mira a sua caça. Aos poucos se aproximou e num salto tingido de fome desferiu o golpe mortal.
O sangue misturou-se com a fome infinda, os gostos, os sons e os cheiros focaram-se somente no desespero de se alimentar. Ao deliciar-se com tão saborosa refeição, sentiu seu coração extasiar-se de sensações e lembranças, sentiu um êxtase imensurável e doce que aos poucos encheram-lhe de saudades e amores pelo amo e sua vida, sua casa e a paz que já possuíra.
Nada agora lhe era nítido e vivo. Tudo eram somente fome e lembranças. Lembranças essas mais importantes que qualquer cuidado ou precaução.
A pancada acertou-lhe em cheio a nuca.
Max desfalecia aos poucos aos pés do amo vizinho, mas nada lhe era dor, sentia-se calmo e feliz, pois ao longe pode ouvir e ver seu amo chamando-lhe em sorrisos.
João Victor.
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