O Resgate da Senhora Brenda

Ela ficava horas e horas sentada ali na varanda olhando esperançosa para o infinito do céu. Seus olhinhos miúdos varriam o firmamento a procura de algo que só ela sabia o que era. Dizia conhecer todas as estrelas do céu, pois em sua viagem até o nosso planeta ela e o seu povo estudaram todos os pontinhos luminosos que existem na vastidão do universo. Eles a deixaram aqui na terra, a mais de duzentos anos atrás, para que estudasse a cultura e os costumes do nosso povo, assim como fizeram, também, com todos os outros planetas onde existiam indícios de vidas. Não sabia explicar por qual razão ainda não vieram buscá-la. A sua missão em nosso planeta seria de apenas dez anos, porém já se passaram mais de duzentos anos e eles não retornaram para resgatá-la.

Ela dizia sentir saudades do seu verdadeiro corpo. Aquele corpo primitivo não lhe pertencia. Ela apenas se utilizava desse aparelho para poder sobreviver em nossa inóspita atmosfera. Conseguira conservá-lo por todo esse tempo devido a certas técnicas científicas que aprendera em seu planeta, porém já não estava mais conseguindo reproduzir novas células para mantê-lo funcionando. Dizia sentir-se preocupada, pois se eles não viessem logo poderia morrer. O aparelho já vinha apresentando vários problemas e suas energias estavam se esvaindo dia a dia.

Essa era a história que ela contava para todos ali no asilo. Tinha a aparência de uma pessoa de aproximadamente uns noventa anos, e de um tempo para cá, realmente, seu estado de saúde tornara-se preocupante. O médico que a havia examinado dias antes relatou ao diretor do asilo que estava preocupada com ela, pois havia o risco de falências múltiplas de alguns órgãos.

----Tudo bem Dona Brenda? --Perguntou-lhe uma das novas enfermeiras.

Lentamente virou o rosto em direção a jovem, olhou-a com um certo desânimo e começou a chorar.

----Que foi Dona Brenda? A Senhora não está se sentindo bem?

----Eles me abandonaram! Eu estou morrendo! Mais algumas semanas e o aparelho poderá sofrer um colapso! --Gritou Dona Brenda entre soluços e lágrimas.

----Ninguém abandonou a senhora não! Nós estamos aqui para cuidar de você! --respondeu a enfermeira, segurando suas mãos com ternura.

----Vocês não entendem! Vocês pensam que eu sou louca! Ninguém acredita em mim!

Dona Brenda, tomada por um acesso de raiva, começou a debater-se e a gritar. A enfermeira entrou correndo e logo em seguida retornou com um dos médicos. Aplicaram-lhe uma injeção e depois a levaram para os seus aposentos.

A enfermeira perguntou ao médico o que ela estava querendo dizer com aquela conversa sem pé e sem cabeça de que a haviam abandonado e que dentro de alguns dias o aparelho sofreria um colapso. O médico sorriu e, enquanto media a pressão de um outro paciente, explicou-lhe:

----A pobre coitada insiste em afirmar que é de outro planeta. Vive choramingando pelos cantos que foi deixada aqui para nos estudar e que esqueceram-se dela.

----Ela não tem família? --Perguntou a enfermeira.

----Ninguém sabe! Encontraram ela a quase um ano atrás perambulando pelas ruas e a trouxeram para cá. O departamento social tentou entrar em contato com algum parente, porém não conseguiram nada.

----E ela não sabe informar sobre o paradeiro de ninguém?

----Ela só sabe dizer que seus parentes não moram nesse planeta. A coitada está completamente caduca.

----Pobrezinha! Deve ser bem depressivo chegar nessa idade e não ter o carinho de ninguém da família!

No outro dia a enfermeira resolveu conversar um pouco com a Dona Brenda.

----Bom dia Dona Brenda!

----Bom dia! --Respondeu ela sem tirar os olhos do céu.

----Está mais calma hoje? --Perguntou-lhe a jovem enfermeira.

Ela virou-se preguiçosamente e fitou a jovem por alguns segundos.

----Você acredita que até a um ano e meio atrás eu era tão jovem e bela como você? Perguntou Dona Brenda.

----É claro que eu acredito! Não vejo motivos para duvidar da senhora!

Dona Brenda continuou calada, apenas olhando firme nos olhos da jovem.

----Hipócrita! Estou vendo através de seus olhos que você me julga uma velha insana! --Gritou Dona Brenda.

----Calma Dona Brenda! Eu não quero que a senhora tenha outra crise de nervos!

Dona Brenda virou-se em sua cadeira e continuou observando o céu. Suspirou profundamente e sem olhar para a jovem continuou a conversa, que mais parecia um desabafo.

----Eu sempre tive controle sobre essa máquina primitiva que vocês humanos chamam de corpo, todavia de um ano e meio para cá não estou conseguindo mais reproduzir novas células, e por conta disso envelheci dessa maneira. É difícil aceitar, porém em breve deixarei de existir, pois não conseguimos viver tanto tempo assim fora de nossa matéria original.

----Como se chama o planeta em que a senhora vivia? --Perguntou a enfermeira.

----Ghenvia! --Respondeu dona Brenda.

----É muito longe daqui?

----Apenas alguns milhões de anos luz! --Explicou-lhe Dona Brenda.

----E como conseguiram chegar até o nosso planeta?

----O nosso meio de transporte é feito de maneira diferente. De um lugar para o outro a locomoção é feita quase que de imediato. Tão rápido quanto o pensamento.

----E a senhora ainda tem esperança de ser resgatada?

Dona Brenda calou-se por alguns segundos.

----Pra falar a verdade já não tenho mais. Dias destes uma estrela cadente rasgou os céus, próximo daqui, e eu fiquei numa felicidade sem tamanho pensando que fossem eles. O sonho porém durou apenas alguns segundos.

Dona Brenda fechou os olhos e permaneceu novamente em silêncio. Logo em seguida começou a cantarolar uma cantiga incompreensível, e assim que terminou desabafou:

----Essa cantiga minha mãe me ensinou quando eu ainda era criança. Nunca mais me esqueci dela.

----Sua mãe é viva ainda? Perguntou a enfermeira.

----Claro! Em nosso mundo tudo é diferente. Aqui vocês ainda passam pelo processo de encarne e desencarne. Em Ghenvia nós nos renovamos todos os dias. Quando o corpo atinge o seu auge de esplendor, como um jovem saudável de mais ou menos vinte e cinco anos aqui em seu planeta, o processo de desenvolvimento cessa, e ai então se inicia o processo de renovação de células. Lá não existe o desprendimento da matéria.

----Você disse que esse corpo não é seu! Então como fez para entrar nele? --Perguntou a enfermeira, curiosa e ao mesmo tempo achando um absurdo aquela história que Dona Brenda insistia em querer que todos acreditassem.

----Ele foi desenvolvido em Ghenvia através de uma inseminação artificial feito com sêmens altamente selecionados. A fecundação teve todo um acompanhamento por parte dos melhores cientistas de Ghenvia. Esse corpo que você está olhando agora é um verdadeiro modelo de perfeição, totalmente acima dos padrões tecnológicos que vocês possuem aqui na terra. Essa é uma máquina simplesmente perfeita.

----E... como puseram você ai dentro? --Indagou ironicamente a jovem enfermeira.

----É um processo extremamente complexo e lento. Seria difícil qualquer um de vocês entenderem. Levou quase dois anos para que eu me transportasse para ele e mais quase cinco meses para que eu me adaptasse ao novo aparelho.

A enfermeira ouvia a tudo aquilo, boquiaberta, diante da grandiosidade imaginativa de Dona Brenda.

Continuaram conversando por mais alguns minutos e depois Dona Brenda pediu a enfermeira que a levasse de volta para o seu aposento. Assim que Dona Brenda adormeceu, a jovem foi conversar com o médico que cuidava dela.

----Pobre mulher! Está completamente maluca! E o mais interessante é que ela conversa com a gente com uma convicção e com uma riqueza de detalhes tão grande, que as vezes chega a nos confundir!

----São coisas da cabeça . A mente as vezes vagueia de uma maneira tão desvairada que a pessoa consegue viver em dois mundos ao mesmo tempo: um real e outro imaginário. Não se preocupe não que com o tempo você acaba se acostumando com tudo isso. Tem gente aqui bem pior que essa pobre mulher. --Brincou, com ela, o médico.

Os dias se passaram sem que nada de novo acontecesse. Até que naquela noite encalorada de outubro um fato muito estranho mudaria tudo na vida daquelas pessoas.

Dona Brenda, como sempre, estava sentada em sua cadeira observando todos os movimentos que aconteciam no céu, quando de repente soltou um grito. A jovem enfermeira que quase cochilava, sentada ao seu lado, colocou-se imediatamente em pé.

----O que foi Dona Brenda? --Perguntou, ela, assustada.

----São eles! São eles! Eu sabia que eles não me abandonariam!

----Eles quem Dona Brenda? --Indagou a pobre enfermeira.

----Olha ali! Não está vendo! --Gritou Dona Brenda apontando para um pequeno ponto esverdeado no céu.

A jovem enfermeira olhou aquilo sem conseguir definir direito o que era.

----Deve ser algum avião! Senta Dona Brenda! A senhora não deve ficar agitada dessa maneira!

----Não! Não é um avião não! São eles! Eu tenho certeza que são eles! --Afirmou Dona Brenda.

Estranhamento, como se uma enorme força a tivesse tomado, correu para o meio do pátio e, pondo-se completamente ereta, com os braços esticados para cima, como se quisesse agarrar o céu com as mãos, iniciou uma canção que a jovem enfermeira não conseguia entender nenhuma palavra.

O pontinho verde no céu foi se aproximando lentamente e aumentando cada vez mais de tamanho. Pairou mansamente sobre eles, a uns cem metros de altura e, ai então, a jovem enfermeira conseguiu visualizar uma enorme nave com milhares de luzes verde em seu entorno. Uma pequena escotilha abriu-se próximo a base da nave e um facho de luz azulada projetou-se sobre Dona Brenda, que continuava insistentemente cantando aquela estranha canção.

A jovem enfermeira entrou correndo e logo em seguida retornou com vários funcionários do asilo, que, boquiabertos, não conseguiam acreditar, ainda, no que estavam vendo.

A luz azul sobre Dona Brenda foi aumentando, aumentando, até que a certa altura todos tiveram que fechar os olhos devido a intensidade de sua luminosidade. Um ruído ensurdecedor vindo do alto, como se alguma máquina tivesse sido ligada, fez com que todos prostrassem-se de joelhos ao chão com as mãos sobre os ouvidos. Aos poucos, depois de alguns minutos, tanto a luz como o ruído cessaram, e quando todos olharam para o céu, viram a enorme nave se afastando lentamente e depois, tão veloz quanto um raio, desapareceu quase que instantaneamente.

Incrédulos e assustados com o que acabaram de presenciar nem perceberam que Dona Brenda estava caída completamente imóvel no meio do pátio. Até que alguém se deu conta e alertou a todos sobre aquilo. Correram até ela tentando reanimá-la. O médico tomou o seu pulso e a examinou cuidadosamente. Balançou a cabeça, olhou desolado para todos e comentou em voz baixa:

----Ela está morta!