Vestíbulo

Cada minuto que passava parecia que sua visão estava mais fraca. Procurou por quinze segundos sua carteirinha, mas ela já estava em seu bolso como havia se organizado na noite anterior. O suor por essa ação foi visível, agora já preenche seu rosto. Vestibular no pré-verão é quase que uma maldade a alguns. Só ele sabe o quanto estudou naquele ano. Só ele sabe o quanto se privou do mundo. Só ele, por enquanto, sabe que está prestes a perder o horário da prova e que dará com a cara no portão fechado da PUC.

Oh, noite maldita que ventara, ventara, mas nada de chuva. Mas o fio de luz, esse sim findara seu mandato. Sem luz não há energia. Sem energia não há rádio-relógio (com sistema soneca). Sem rádio-relógio não há cara de sono demorando para acordar e ir devagar prestar a prova. Mas, sem luz há correria, há cara de assustado, de louco, de perturbado, de desesperado. E aquela carteirinha que sumira de repente e que no período de quinze segundos, tão caros quinze segundos, causou uma procura abominável. Café era luxo, conseguia somente enfiar a roupa no corpo, pegar sua pasta e sair de casa.

Faltavam trinta minutos, e o rapaz tinha de chegar ao Prado Velho, bem longe de onde estava. Do pinheirinho ao Prado Velho. Começou a pensar nas fórmulas de física, de matemática, nas etapas textuais da redação, na história do Brasil. Enquanto corria a procurar um táxi, pensava na velocidade média até a PUC, na probabilidade de encontrar um táxi, que o tempo parecia coisa volátil. Com pressa, tudo passa mais rápido. Até as pessoas andando na rua. Mau via os rostos que cruzavam com o seu.

Vinte minutos. Só isso. Vinte minutos. “Meu Deus, e agora, andando, suando, louco, o que faço, o que faço??...”. No momento parou. Pôs a mão no bolso e retirou sua carteira, a qual a abriu feito um policial e colocou-se em meio à rua. Com o peito erguido, esticava sua carteira. Um policial civil teria inveja. Um carro parou rapidamente, intrigado, talvez. O rapaz pensou: “Nossa ele está brecando mesmo o carro, não acred...”

– Pois não!? – exclamou o homem de dentro do veículo.

– Ér... essa é a minha carteirinha de vestibular. Acontece que eu tenho que chegar até às 8h na PUC. Cara, me quebra essa! (Nem acredito que ele falou isso, não conseguiu inventar história nenhuma!)

O homem por um milésimo de segundo olha o rapaz e diz:

– Você está com sorte, estou indo pra Colombo, dou uma desviada e te deixo ali.

O vestibulando entrou no carro. Talvez o motorista tenha desrespeitado naquela manhã todas as leis de trânsito. A mais providencial: a de velocidade. Mas, para quem não tem luz, não tem lei também. Correndo, agora, para a prova, para a prova de que pode ser mais que um qualquer, para a prova de que improvisar é uma arte. Quando de repente vê a PUC. O homem para o carro e grita:

– Correeeeeee!!!!

O rapaz abre a porta e mal agradece. Observa aquele portão aberto como as portas do céu. Ele atravessa a rua em meio aos carros e as buzinadas, tendo ainda tempo para sentir o suor que agora toma seu corpo inteiro. Consegue entrar. Pára um minuto e olha os portões se fecharem. Vê também outras pessoas chegando, estas sim atrasadas, e implorando para entrar. Alguns gritam, outros apenas choram. Ele tira de seu bolso a carteirinha e dá um beijo nela. Pensa nos quinze segundos de procura por esse documento. Acha-se corajoso.

Naquele ano, pôde ver seu nome na lista dos aprovados. No momento lembrou-se do nome do motorista, Rogério, porém a imagem de seu rosto se apagara de sua memória.

Alexandre Olsemann
Enviado por Alexandre Olsemann em 03/06/2009
Código do texto: T1629986
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