MISTÉRIOS DA MEIA-NOITE

O nome dela era Anita, tinha vinte e dois anos, era ruiva, alta, olhos azuis. Uma mulher linda, daquelas que chama a atenção por onde quer que passe.

O nome dele era Gabriel, tinha vinte e quatro anos, moreno, alto, olhos verdes. Igualmente lindo. Não tinha só nome de anjo, mas rosto e modos também.

Se conheceram em uma boate, numa noite fria de julho, o ano era 2002. Foi amor à primeira vista. Conversaram,dançaram, beberam conhaque e terminaram a noite em longos beijos em frente ao condomínio onde morava a moça.

Daquela noite em diante, Gabriel passou a visitá-la todos os dias, ou melhor, todas as noites. Ele sempre chegava ao apartamento de Anita à meia-noite em ponto. Dizia que não podia chegar antes porque trabalhava até mais tarde numa mercearia. Ia embora sempre às seis da manhã, com a desculpa de que precisava passar em casa pra dar um “alô” pra mãe antes de voltar ao trabalho.

Ela achou esse comportamento um tanto estranho, mas estava perdidamente apaixonada e não deu maior importância ao fato. O rapaz era encantador, tinha todas as qualidades e predicados que Anita poderia esperar de um homem. Era meigo, educado, apaixonado, bonito, inteligente e na cama então, era um amante espetacular. E foi justamente essa última característica que a deixou cega e fez com que ela permanecesse ao lado dele por tanto tempo, sem desconfiar de nada.

Sim, porque Gabriel era um mistério. O fato de só ir visitar a namorada à meia-noite, jamais em outro horário, e ir embora sempre às seis da manhã, não era o único comportamento esquisito do rapaz.

Ele nunca dizia claramente à Anita onde morava, não tinha telefone, nunca quis conhecer a família ou mesmo os amigos da moça, e tão pouco apresentou a ela qualquer parente ou amigo seu. Dizia apenas que morava com a mãe. Outro fato estranho, é que Gabriel nunca queria acompanhar Anita a lugar nenhum, dizia que ficar namorando em casa era muito melhor, que não via mais graça em festas ou barzinhos, que preferia ficar sempre a sós com ela, sem ninguém pra interferir, tamanha era a sua paixão.

Depois de alguns meses de namoro, Anita já estava mais do que desconfiada, estava certa de que Gabriel era casado. Tiveram algumas brigas, ela tentou fazer com que ele confessasse o motivo de tanto mistério, mas ele se limitava apenas a chorar e dizia que não podia levar a namorada para conhecer sua casa porque morava com a mãe, que era uma pessoa muito ciumenta e temperamental.

Desculpa essa que pareceu muito esfarrapada aos olhos da moça, mas o amor é cego, surdo e mudo e ela resolveu levar o relacionamento adiante mesmo assim, em nome das calorosas noites de amor que Gabriel lhe proporcionava.

A família e os amigos começaram a desconfiar e a indagar, todos queriam conhecer o misterioso namorado de Anita. Ela, envergonhada, dizia que ele trabalhava muito, que dispunha de pouco tempo, que vivia cansado e por isso nunca ia a lugar nenhum.

Uma noite, depois de muita briga, Anita conseguiu levar Gabriel pra um passeio na avenida principal da cidade. Ele caminhava ao seu lado com os olhos baixos, meio envergonhado, como se estivesse se escondendo de alguém. Na volta pra casa, uma vizinha que estava na janela acenou alegremente pra moça que retribuiu o cumprimento.

No dia seguinte, ao voltar da faculdade ela encontrou a vizinha novamente e disse:

- Você viu como é lindo o meu namorado?

- Namorado?

- Sim, o moreno bonito que estava ao meu lado ontem à noite.

- Ora, mas que pena Anita. Acho que eu estava distraída. Não reparei nele.

Algumas semanas depois, por volta da meia-noite e meia, Anita estava deitada com Gabriel quando tocaram a campainha. Era sua irmã acompanhada de uma amiga.

- Viemos convidá-la pra ir a uma boate nova que abriu aqui pertinho.

- Não posso. Gabriel está aqui e ele não gosta de sair. Você sabe como ele é. Já lhe contei essa história.

- Ah! Ele está aí? Então finalmente eu vou conhecer esse seu namorado misterioso. - disse a irmã.

- É verdade (risos). Vou chamá-lo.

Quando Anita entrou no quarto, não encontrou Gabriel, olhou no banheiro, na cozinha, gritou seu nome pelo apartamento todo e nada. Ele simplesmente tinha desaparecido.

- Eu não entendo. Ele estava deitado comigo na cama quando vocês tocaram a campainha. Não tinha como ele sair daqui sem que o víssemos.

A irmã e a amiga olharam pra ela com uma cara desconfiada.

- Anita, que brincadeira é essa? - Disse a irmã - Quer dizer, então, que agora você tem um namorado imaginário? Ninguém nunca viu esse homem, ninguém conhece. E você mesma me disse que até hoje não sabe direito onde ele mora e que nem o número do telefone dele você tem. Você é louca? Está claro pra mim que esse cara só existe na sua imaginação.

- É claro que não. Eu não sou louca. Ele estava aqui até agora há pouco. Eu não entendo como ele fez isso. Como alguém pode sumir assim?

- Anita, você é tão jovem e tão bonita, pode ter o homem que quiser. Porque fica sonhando com um homem que não existe?

- Mas ele existe, ele é real. Eu não sou louca.

- Você está precisando é de um psiquiatra. Você não está bem, estou preocupada demais com você.

A irmã de Anita foi embora, indignada, batendo a porta.

Depois que ela saiu, Gabriel apareceu na sala.

- Onde você estava? Porque fez isso?

- Eu estava escondido num canto da sacada. Não queria que elas me vissem.

- Mas por quê?

- Porque não quero conhecer sua irmã e nem ninguém da sua família.

- Ela agora acha que eu estou louca. Eu passei vergonha por sua causa, seu idiota! Você é muito infantil.

Tiveram um briga feia, Anita dizia que o fato dele ser casado não era problema, que ela queria continuar o relacionamento assim mesmo. Mas era preciso que Gabriel fosse conhecer a sua família pra que não pensassem que estava louca. Ele, por sua vez, jurava de pés juntos que não era casado, que amava Anita, mas que não podia, simplesmente não podia conhecer a família dela.

Ela disse então, que precisavam terminar o namoro. Ele implorou pra que não o deixasse, mas ela estava decidida. Gabriel foi embora chorando e depois dessa noite, não voltou mais.

Alguns dias depois, Anita estava desesperada. Se arrependeu por terminar o romance, queria dizer isso à Gabriel, mas não tinha como. Porque ela não sabia onde ele morava, nem onde trabalhava, não sabia seu telefone e nem mesmo o seu nome completo.

Sua família estava convencida de que ela tinha sérios problemas mentais, queriam que fosse consultar um médico, mas ela não queria ir. Tinha certeza de que não estava louca, Gabriel era real.

A essas alturas, já não conseguia mais comer, nem dormir. Não ia mais à faculdade, vivia angustiada dia e noite, pedindo a Deus pra que aquele homem voltasse, mas ele não voltava.

Uma tarde, no dia de finados, foi ao cemitério com a irmã pra colocar flores no túmulo do pai. Enquanto a irmã limpava o túmulo, Anita caminhava distraída pelo cemitério olhando as fotos e os nomes dos mortos. De repente, avistou Gabriel. Lá estava ele, Gabriel Álvares Golveia, nascido em 22 de março de 1974, falecido em 05 de dezembro de 1998. Saudades eternas de sua mãe.

A Alquimista
Enviado por A Alquimista em 31/05/2009
Reeditado em 28/01/2010
Código do texto: T1624407
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