A casa da última quadra VIII
Se meu ar tivesse sumido dessa vez seria de causa natural, ninguém da escola tinha falado comigo e naquele momento ele estava ali me olhando firme e eu com toda a certeza do mundo estava com a boca aberta.
Como eu pensei, eu realmente estava de boca aberta e tratei de fechá-la assim que me toquei e reativei minha noção do ridículo.
_ Você não engana a ninguém dizendo que está bem.
_ C... como?
Ele olhou para cima como se procurasse alguém no corredor, desejando que não encontrasse porque precisava contar algo.
_ A professora me mandou ver como você estava, mas no banheiro feminino fica difícil.
_ Não precisava de nada disso... Eu já melhorei, não esta vendo?
_ Pálida assim?
_ Eu sou branca mesmo, aqui não faz muito sol e...
_ A diferença entre palidez e a cor natural de uma pessoa é bem clara.
_ O que foi? Ninguém aqui fala comigo, e como se vê eu posso me virar sozinha.
Deu-me as costas, abriu a porta da sala e disse alguma coisa a professora.
Voltou para perto de mim.
_ Avisei que você não está muito bem e que você vai para a enfermaria.
_ Não vou a lugar nenhum.
_ Se está se referindo a enfermaria pode ficar sossegada que eu não vou te deixar lá mais que alguns minutos. Você vai para casa.
_ Eu não posso sair sem autorização.
_ Para quem ficou quieta durante tanto tempo você fala demais.
Bufei, não tinha jeito.
No fim do corredor uma enfermeira gorda e alta me atendeu, disse que podia ser virose e mandou que ele me levasse para casa e nos deus duas autorizações para deixar a escola.
Virose porque ela provavelmente não sabe os sintomas de premonições e nem de descargas de energia, afinal aquelas imagens só podiam ser fruto da imaginação.
Não falei nada até atravessarmos o portão.
Acabei descobrindo a minha falta de noção de tamanho.
A casa da avó Rachel não era nada perto da escola.
_ Preciso de ajuda em física, a prova é daqui a duas semanas e o jogo é semana quem vem e se eu não recuperar minha nota não jogo nas finais até que minhas notas sejam exemplares.
_ Então tenho a solução.
_ E essa seria?
_ Você pode almoçar em casa se quiser e depois eu te ensino o que precisa saber, minha avó me obrigou a levar um amigo para almoçar em casa hoje.
_ O método mais inédito que já vi para obrigar uma pessoa a se enturmar.
Ele riu mostrando os dentes de comercial.
_ Ria, ria mesmo, ria o quanto quiser.
_ Sua avó deve ser uma comédia. Eu vou almoçar lá sim preciso mesmo de ajuda. Sabe como é, não estou afim de deixar o time para estudar.
_ Não pense que se gostar da comida vou deixar que isso vire hábito.
_ Nem estava pensando nisso.
_ Melhor assim.
Ele pareceu olhar para o chão procurando um jeito de perguntar alguma coisa. Acertei mais uma vez.
_ Por que você desenhou Agnus Taylor no seu trabalho de física?
_ Como você sabe que era ela?
_ Qual é seu nome completo?
_ Sama Magguffy.
_ O seu tio não foi o único que morreu naquela casa. Acredite.
_ Como assim?
_ Quando minha família chegou na cidade minha mãe estava grávida de mim, isso há dezesseis anos, ninguém mais falava da casa e minha mãe foi forçada a entrar na casa.
_ For... forçada?
_ Não existem garotos ruins só em filmes.
_ Com quantos anos sua mãe engravidou?
_ Ela tinha dezessete anos.
_ Nova.
_ Minha mãe era nova e linda.
_ Não precisa contar nada disso se não quiser.
_ Com o passar do tempo a gente se acostuma um pouco.
Eu havia perdido a chance de ter um tio e descobri que minha mãe perdeu boa parte da adolescência por culpa de uma depressão mas ele... Não conheceu a mãe.
_ Seu tio morreu em que ano?
_ 1979, no mesmo ano em que a casa foi aberta por uns delinquentes.
_ Eles retrancaram-na no ano de 1980, no ano que minha mãe chegou aqui, o ano em que eu nasci, o ano em que minha mãe morreu.
_ Em 1980 minha mãe fez dezesseis anos, se casou e engravidou.
_ Onde fica a parte da minha mãe ser nova?
_ Nunca critiquei, só disse que ela era nova para ter morrido.
_ Você tem sorte de ter sua mãe.
Nunca eu sentira tanta pena de alguém, mas pensei que esse não seria o sentimento que ele gostasse que alguém tivesse sobre ele.
Preferi sentir carinho, amizade.
Se ele precisasse de mim eu estaria ali.
Minha mãe era um ano mais nova que a mãe dele.
HAVERÁ CONTINUAÇÃO...