A casa da última quadra VII

O sinal tocou e quase todos tinham entrado, menos eu e uns três ou quatro garotos, dentre eles o capitão do time de basquete.

Minhas boca estava cheia de ar e minhas bochechas esticadas ao máximo para evitar que eu gritasse.

Caminhei devagar.

O mais devagar que pude.

A professora de física nos mandou resolver alguns exercícios que valeriam nota, não tinha a mínima vontade de fazer aquilo.

Um arrepio cortou minhas costelas e o ar congelou. Minhas narinas se esforçavam mas não entrava ar algum.

Minha mão começou a tremer, eu tinha virado a folha de exercícios com o verso virado para cima, se rabiscasse o papel pelo menos rabiscaria o lado certo.

De repente o ar voltou úmido e restabeleceu minha respiração.

_ Você está bem Sama?

Olhei para cima e vi a professora olhando diretamente para minha mão e depois para mim.

Acompanhei os olhos dela e notei que o verso da minha folha de exercícios estava todo desenhado e o rosto que estava ali não era desconhecido.

_ Sim, estou bem.

_ Se precisar de ajuda me chame.

_ Claro.

Agnus Taylor estava com os cabelos loiros encaracolados e com uma expressão de horror. A boca aberta, as mãos levavam um punhal até a altura do tórax.

Virei a folha e comecei a fazer os exercícios que a professora pedira.

Mesmo tendo começado atrasada, devido ao meu acesso de falta de ar, terminei antes de todos os outros e entreguei a folha antes de pedir para ir ao banheiro. Fui.

O corredor estava vazio e mesmo com algumas portas abertas não havia barulho algum, nenhum som. Em geral todos temos barulhos próprios e ali não poderia ser diferente sendo que centenas de pessoas estavam juntas.

Abri a porta branca do banheiro feminino e entrei.

Depois de verificar a presença de qualquer um que fosse, notei que estava sozinha.

Abri a torneira e deixei as mãos na água corrente por alguns segundos. Levei-as ao rosto e a nuca.

A sensação ruim já havia passado mas mesmo assim eu não me sentia bem. As imagens do desenho que eu havia feito vinham a minha cabeça e começavam a se aproximar do decote do vestido de Agnus.

Sentei-me no chão com o susto.

O colar com a letra “A” que eu encontrei na caixa de madeira no guarda-roupa do meu tio estava lá, enfeitando a garganta esticada e jogada para trás dela no meu desenho.

Por mais que eu quisesse me levantar eu não pude.

O desenho voltara a aparecer e agora se transformava num quadro, com cores. O vestido azul marinho manchado de sangue, os olhos azuis de Agnus num forte jogo de expressões.

Não era mais desenho, era real, uma cena acontecendo em minha mente.

Ela berrava, se arranhava e o marido a segurou. Fugiu dele e apanhou o punhal na mesa e colocara-o em sua frente dobrando os dois cotovelos e furando sua pele, dilacerando o vestido e seu corpo.

O marido pedia para parar e ela o apertava até não se ver mais a lâmina.

Uma garotinha berrava, chama-a de mãe e chorava.

Ela riu e arrancou o punhal de dentro de si.

Devia ser uma empregada, outra moça entrara e trouxe consigo uma bacia branca com um líquido escuro e uma pilha de toalhas brancas e foi enxugando o sangue que escorria do machucado de Agnus.

Deboche, desprezo, não sei o que fazia aquela mulher rir daquele jeito.

Consegui bloquear aqueles pensamentos e tentei ficar em pé.

Enxuguei meu rosto que pingava de suor e saí do banheiro.

Sabia que eu estava demorando mas eu não apressei o passo.

Bebi água no caminho e alguns passos da porta da minha sala senti que alguém me puxava pelo casaco como minha avó fizera de manhã.

HAVERÁ CONTINUAÇÃO...

Fernanda Ferreira
Enviado por Fernanda Ferreira em 25/05/2009
Reeditado em 02/06/2009
Código do texto: T1613798
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