O cinto de castidade

Sem dúvida alguma ela era a mais linda das mulheres do lugar. Não era atoa que o Avelino morria de ciumes pela Madalena. Chegava a ser doentio o amor que ele nutria por aquele monumento de mulher. Um verdadeiro avião. Uma baita de uma loiraça de parar o trânsito em qualquer avenida da cidade. Bumbum arrebitado e seios que, de tão fartos, chegavam quase a pular para fora do sutiã. O Avelino não desgrudava o olho dela nem a pau. Sair sozinha nem pensar. Ligava do trabalho umas duzentas vezes para certificar-se de que ela, realmente, estava em casa. Era uma marcação cerrada de causar inveja a qualquer beque de seleção. A madalena passava... o atacante não.

O Anastácio, seu irmão, vivia pegando no pé dele:

----Pô, Avelino! Da um tempo! Desse jeito você vai acabar sufocando a coitada da Madalena!

----Da um tempo um cacete! Só tem gavião aqui nessa rua ! Se der mole neguinho te rouba a mulher com papel passado e tudo! --Justificava-se ele.

----Mas não precisa exagerar tanto! Até quando ela vai mijar você vai atrás!

Não adiantava querer dialogar com o Avelino. O bicho era mais ignorante que uma mula! Por mais que ele tentasse, a conversa acabava sempre em confusão. E além do mais aproveitava-se de seu físico avantajado para amedrontar qualquer um que se aproximasse com segundas intenções.

Até que um dia ele foi chamado a sala da chefia da empresa onde trabalhava para tratar de um assunto de suma importância.

A meses que uma das filiais no nordeste vinha apresentando deficit em seu fechamento. Corria a boca curta que estavam desviando mercadorias do depósito. Ele seria mandado para lá a fim de averiguar o que estava acontecendo. Teria que ficar um mês fora de casa.

O pobre do Avelino ficou com a pulga atrás da orelha. Teria que deixar a Madalena sozinha, pois não tinha como levá-la junto. Tentou sair fora mas não teve jeito. Imprensaram ele de uma tal maneira que não conseguiu de jeito algum persuadir a sua chefia para que uma outra pessoa fosse mandado em seu lugar.

Passou a semana inteira de cara fechada e, nos dias que antecederam a sua partida, ficou o tempo todo matutando um plano para que ninguém se aproximasse de sua Madalena. E foi ao ler um livro que narrava um romance dos tempos medievais que teve uma grande idéia: “Um cinto de castidade”. --Isso mesmo um cinto de castidade!

Procurou na internet todas as informações de como funcionava o tal cinto. Comprou revistas especializadas que mostravam como eram feitos o tal objeto. E não deu outra! Fabricou um.

----”Se é doido meu”?!!! --Interpelou o Anastácio, não acreditando quando o Avelino mostrou-lhe o objeto.

----Doido não!... Precavido! --Justificou-se o Avelino com um sorrizinho sarcástico no rosto.

----Eu não acredito que em pleno século XXI ainda exista pessoas com a mente tão obstruída como a sua ! Isso é coisa da era medieval! Para com isso Avelino!

----Para uma porra! Eu é que não vou deixar ela aqui de bandeja pra safado nenhum comer não! Pelo menos com o cinto de castidade eu tenho certeza que ela não vai dar pra ninguém!

----A sua desconfiança chega a ser algo próximo ao ridículo. Você deveria confiar um pouco mais na Madalena, pois sem dúvida alguma ela é uma mulher fiel e de caráter reto, por isso merece um pouco mais de dignidade.

----O seguro morreu de velho meu irmão. Se estou fazendo isso é por que eu quero manter a sua dignidade. Afinal, quando o diabo está por perto, até mesmo o mais fiel dos escudeiros, quando atentado, te apunhá-la pelas costas.

E não teve jeito mesmo. Por mais que o Anastácio tentasse não conseguiu persuadir o Avelino. A madalena coitada, completamente submissa, aceitou aquilo tudo com resignação. Sabia que se fosse contra acabaria apanhando. Várias vezes tentou procurar a delegacia da mulher, porém morria de medo do Avelino. Então ia engolindo aquilo tudo com o coração dilacerado, e sonhando que, talvez, um dia aparecesse em sua vida uma fada madrinha que mudasse o rumo de sua história enfadonha e de linhas mal traçadas, onde na realidade a maior culpada de tudo aquilo era ela mesma, pois, covardemente, aceitava cabisbaixa a escrita manipulada e tortuosa do seu destino.

E assim foi feito. No dia de sua partida, logo pela manhã, ele obrigou a Madalena a vestir o cinto. Verificou se estava tudo certinho e depois fechou-o com o cadeado.

Antes de partir passou na casa do Anastácio pois precisava conversar com ele.

----Uma das chaves estou levando comigo e a outra vou deixar com você para que em caso de doença ou qualquer outro imprevisto ela possa abrir o cinto. Estou fazendo isso porque, além de você ser meu irmão, sempre te considerei uma pessoa de extrema confiança.

----Pode ficar sossegado Avelino, pois o meu caráter e a minha personalidade jamais me permitiria tocar um dedinho sequer em sua mulher. Além do mais a Madalena, todo mundo sabe, nunca lhe faltou com o respeito.

----Eu sei disso... porém por via das dúvidas...

Despediram-se e o Avelino avisou que antes passaria na empresa para pegar uns documentos. Entrou no carro e foi embora. Assim que chegou no escritório pegou toda a papelada que teria que levar e já se preparava para partir quando viu seu irmão entrar correndo feito um louco pelo saguão, suando em bicas. Aproximou-se dele quase sem folego e com muita dificuldade conseguiu se explicar:

----Puta que pariu Avelino! Você deve ter deixado a chave errada! Essa aqui não abre o cinto!

O Avelino sorriu ironicamente e, com toda calma do mundo, virou-lhe as costas e saiu sem falar nada. Na saída do saguão voltou-se para o Anastácio, que continuava ali em pé, parado feito uma estátua e piscou um olho para ele.

----Eu sei que ela não abre o cinto!... Não esquenta a cabeça não!... Na volta eu converso com vocês dois!

Entrou no taxi, que o aguardava do lado de fora, e partiu em direção ao aeroporto... remoendo-se de um ódio tão mortal dilacerando-lhe a alma que quase não enxergava nada a sua frente. A tempos que vinha desconfiando de alguma coisa entre a Madalena e o Anastácio.