Realidade Crua
Ela abriu os olhos e fitou o telhado. Viu as telhas sujas e as teias de aranha caindo displicentemente das vigas de madeira. Pensou ter visto um rato correndo de um lado a outro do quarto, mas pode ter sido impressão.
Levantou-se da cama e caminhou até a cozinha. A escuridão reinava na pequena casa, mas não o silêncio. Ela ouvia a respiração sonora de seu homem no quarto atrás de si, o rolar de seu filho na pequena e muito velha cama onde ele dormia. Atingiu a cozinha.
Pela pequena janela acima da pia, ela pôde ver o minúsculo quintal, quase totalmente mergulhado na escuridão, exceto por uma estreita faixa de lua que iluminava o muro chapiscado e o tanque de lavar roupas.
Apertou com força o interruptor grudado na frágil parede de madeira e a luz, incandescente, se acendeu. Pegou a caneca de metal que estava de cabeça para baixo no canto da pia e abriu a torneira. Enquanto a água escorria e enchia a caneca, ela pensava no dia carregado que tinha tido.
A confusão começara bem cedo, antes mesmo de seu homem sair para o trabalho, antes que o sol nascesse.
Quando ela estava em pé, naquela mesma cozinha, naquela mesma posição, alguém batera palmas no portão. Sem se mover, ela esperou que seu homem fosse atender ao chamado.
Como demoravam a atender, bateram palmas novamente, e desta vez chamaram. Era uma voz carregada de urgência e desespero. E ela conhecia aquela voz. Com o pano de prato nas mãos, enxugando-as, correu na direção da porta. No caminhou cruzou com ele, que saía do banheiro apressado.
Ao abrir a porta, um susto. Sua irmã Marilza estava agarrada às barras do portão, com lágrimas escorrendo pelo rosto moreno. Ao ver a expressão no rosto da irmã ela não precisou perguntar o que tinha acontecido. Uma sombra passou de repente por sua alma. Algo estava muito errado.
Marilza gritou, entre as lágrimas:
_Mataram o Gero! Mataram o Gero!
Ela ficou parada na soleira da porta, sem conseguir expressar qualquer reação. Simplesmente não acreditou que o Gero, seu irmão Geraldo, estava morto. Não fazer nada pareceu a única coisa a fazer.
Mas seu homem não tinha sido afetado da mesma maneira que ela. Ele correu para o portão e o abriu, bruscamente. Agarrou Marilda pelos ombros e a empurrou para dentro da casa, ainda chorando.
Quando jogou a mulher no sofá, ele perguntou:
_Onde foi?
_Foi na rua - ela respondeu, entre lágrimas – na esquina do bar do Marcão.
O que estaria seu irmão fazendo perto do bar do Marcão a uma hora daquelas? Seu homem pareceu pensar a mesma coisa, pois fez exatamente esta pergunta para a mulher que chorava no sofá, com o rosto entre as mãos.
_Não sei – respondeu Marilza – Ligaram pra ele antes de sair. Ele ficou um tempo no telefone e depois saiu pisando duro e batendo a porta, sem falar nada.
O homem passou a mão na cabeça. Sua expressão era de preocupação, mesmo desespero. Ele caminhou ao redor da sala sem destino por alguns segundos, como que tentando tomar uma decisão. E de repente, como se a tivesse tomado, caminhou decididamente até a porta de madeira do quarto e desapareceu na escuridão.
Ela e Marilza ficaram em um silêncio constrangedor, quebrado somente por um soluço de vez em quando. Ela intimamente já sabia o que estava prestes a acontecer. Logo seu homem sairia armado do quarto e correria até o bar do Marcão. Ela estava até sentindo pena dos homens que tinham matado o Gero.
E no exato momento em que estes pensamentos passavam por sua mente os passos pesados de seu homem se fizeram ouvir batendo no assoalho velho de madeira e ele apareceu.
Vestia sua bota de cano alto, que quase nunca usava. Na cintura, preso no coldre de couro já gasto pelo tempo, seu revolver calibre 38, que costumava ficar pendurado atrás da porta do quarto. Amarrada na perna vinha a bainha do punhal que ele costumava usar para matar porcos na fazenda, antes que se mudassem para a cidade.
Ele caminhou decidido até a porta e parou na soleira, o vento frio do amanhecer batendo na parte de seu cabelo preto que aparecia por baixo do chapéu que ele usava. Olhou para a mulher e a cunhada por um momento e desapareceu na direção da rua, sem dizer uma palavra.
Ele ganhou a rua. Seus passos ecoavam no silêncio da cidade que começava a acordar para mais um dia, e somente uns poucos raios de sol escapavam da escuridão. Caminhou decidido na direção da vingança.
O homem não sabia exatamente porque estava fazendo aquilo, não tinha como formar uma opinião sobre a necessidade de vingança. Mas sempre tinha sido assim, desde muito antes de nascer. Um homem mata quem mata alguém dos seus. E era isso que ele estava fazendo agora.
Quando dobrou a esquina de onde avistaria o bar do Marcão, onde o Gero tinha sido assassinado, um vento gelado açoitou seu rosto moreno. Ele sentiu um arrepio gelado correr por sua espinha e segurou forte no cabo de seu revólver. E então ele viu. O corpo do Gero estava caído no meio fio, com ferimentos largos no peito, daqueles causados por facas.
Ele viu três homens parados em pé ao lado do corpo. Eles fumavam cigarros e riam, sem dar importância ao homem morto a seus pés. E ele não viu polícia, o que já esperava. Naquelas bandas a polícia não aparecia de noite, nunca aparecia.
Vendo aquilo o homem sentiu o sangue ferver em suas veias. Ele sacou sua arma e, caminhando decidido, verificou se todas as balas estavam no tambor. Soltou a trava e se preparou. Quando os três homens o viram se aproximar já era tarde demais para eles.
Sem mover sequer um músculo de seu rosto, o homem apontou o revolver na direção do grupo e disparou. Três estampidos secos encheram a esquina que começava a amanhecer, e logo em seguida três corpos caíam mortos no chão, ao lado de um quarto, que ali já estava.
Mas como ele já esperava, os três homens que acabara de matar não estavam ali no bar do Marcão sozinhos. Imediatamente passaram pelas portas metálicas do bar mais quatro homens. Dois deles seguravam facas, um terceiro vinha armado com um taco de bilhar e o último não trazia nada nas mãos, mas o homem viu a sombra que se formava na sua cintura, indicando que ele carregava um revolver no cinto. Mas não havia tempo para pensar nisso. A primeira facada já voava na sua direção.
Ele se abaixou rapidamente, desviando da lâmina que passou zunindo bem perto de seu ouvido. Tocando com a mão direita no chão ele levantou a perna esquerda, atingindo com um poderoso chute bem em cheio no queixo do homem que lhe atacara. Mas antes mesmo que o oponente, com o maxilar quebrado e sangue escorrendo pelo pescoço, caísse no chão, o segundo atacante já estava quase sobre o homem.
Os golpes desciam a uma velocidade muito alta, obrigando o homem a se afastar na direção da parede a cada movimento do inimigo. Ele notou que não teria tempo de apontar a arma a atirar, não com aquela saraivada de facadas voando sobre ele. Tentou pensar no movimento certo a fazer.
E foi exatamente quando tocou com as costas na parede do bar, e não tendo mais como se desviar dos golpes, que ele decidiu agir, talvez da forma mais absurda que pudesse haver, talvez não. Mas foi isso o que ele fez na hora.
Ao mesmo tempo em que sua mão direita se abria e soltava ao chão o revolver ele levantou o braço esquerdo. A lâmina da faca do oponente penetrou fundo na carne de seu braço, arrancando do homem um grito de dor. Mas ele não tinha tempo, seu próximo movimento tinha que ser rápido e certeiro. Era sua única chance.
E foi o que ele fez. Com a mão direita, agora livre do revolver, sacou sua faca e a enfiou profundamente na barriga de seu atacante, que não teve tempo sequer de notar o que estava acontecendo. Quase sentindo o borbulhar do sangue na garganta do moribundo, o homem deitou o corpo ao chão e recuperou sua arma, que estivera jogada a seus pés.
Mas antes mesmo que ele pudesse levantar a cabeça foi atingido violentamente no rosto. Imediatamente uma dor incontrolável tomou conta de seu corpo, e ele sentiu sua pele se rasgar sob o impacto da madeira do cabo de bilhar. Com a força do golpe, ele foi jogado de costas na parede.
Mas o homem sabia que não tinha muito tempo. Ele já quase podia sentir o segundo golpe voando na sua direção, e sabia que se não fizesse alguma coisa imediatamente receberia em cheio a paulada. E mais uma vez tomou a decisão mais insensata.
Quando o pedaço de madeira desceu zunindo na direção do homem, encontrou seu braço esquerdo, erguido mais uma vez para defendê-lo. Ele pôde ouvir seus ossos se quebrando sob a força do impacto enquanto uma dor quase insuportável o invadia, mais uma vez. Mas assim como da primeira vez valeu a pena, pois agora ele tinha tempo suficiente para levantar o revolver e apertar o gatilho.
O estouro da arma ecoou mais uma vez pelo beco enquanto a barriga do atacante explodia e se espalhava por vários metros ao redor. O homem respirou aliviado, apesar da dor imensa que estava sentindo.
E foi só neste momento que o homem se deu conta que ainda tinha um inimigo vivo, talvez já apontando sua arma para ele naquele momento. Lentamente ele se virou na direção da porta do bar.
O último homem estava parado na mesma posição desde o início da luta, com os braços cruzados no primeiro degrau que levava para dentro do bar. Um sorriso estranho estampava seu rosto, mas ele não fez qualquer menção de se mover.
Os dois homens ficaram parados por um momento, enquanto seus olhares se cruzavam na esquina que já começava a ser invadida pelos primeiros raios de sol da manhã. Pareceu ao homem que haviam se passado vários minutos antes que o outro, o chefe da gangue que tinha matado o Gero, se virasse de costas para ele e entrasse novamente no bar.
Por um momento ele não soube o que fazer. Podia entrar no bar e acabar de vez com a luta, matando o outro homem, ou sendo finalmente morto por ele, ou poderia simplesmente ir embora, dando sua missão como completa.
Foi o que ele decidiu fazer. Virou-se também e, tentando da melhor forma possível estancar o sangue que escorria livremente de seus ferimentos, caminhou na direção de sua casa, onde sua mulher e a cunhada o esperavam apreensivas.
Sem dizer uma palavra ele entrou na casa, batendo a porta atrás de si e foi direto para o banheiro. Precisava urgentemente limpar os ferimentos que tinha conseguido na luta que acabara de acontecer.
Ele sabia que não podia sequer pensar em ir para um hospital. Não se vai a hospitais quando estas coisas acontecem. Ele só ficou em casa, naquele dia inteiro, sentado em uma velha cadeira de couro rasgado, muito, mas muito velha mesmo, que ele posicionou de frente para a porta.
Sua arma, cujo tambor já estava novamente cheio, ficou o dia inteiro no encosto de braços da poltrona. Ele sabia, quase que inconscientemente, que seu ato não seria esquecido nem perdoado e que, da mesma forma que ele saíra em busca de vingança, eles viriam para terminar o serviço que começaram com o Gero. Precisava estar preparado.
Mas ao contrário do que o homem esperava nada aconteceu naquele dia. Ninguém apareceu para cobrar sua vingança e o silêncio reinou na rua o dia todo. E quando a noite caiu ele simplesmente se levantou e caminhou na direção do quarto, deitou-se e dormiu, com o revolver em baixo do travesseiro.
Ela abriu os olhos e fitou o telhado. Caminhou até a cozinha, pegou a caneca de metal e tomou-a cheia de água. E foi exatamente enquanto ela pensava no dia movimentado que tinha tido que tudo aconteceu.
Primeiro um barulho vindo da rua, como se alguém batesse em seu portão, seguido de passos apressados se aproximando.
A última coisa que a mulher viu foi a porta da frente sendo derrubada e quatro, pelo menos quatro, homens entrando por ela enquanto seu homem saía do quarto com a arma na mão.
No dia seguinte os jornais anunciaram, em uma minúscula coluna na página policial, a briga de gangues que tinha resultado na morte de uma família inteira. Mãe, pai e o único filho foram assassinados dentro da própria casa, à queima roupa.
Ela abriu os olhos e fitou o telhado. Viu as telhas sujas e as teias de aranha caindo displicentemente das vigas de madeira. Pensou ter visto um rato correndo de um lado a outro do quarto, mas pode ter sido impressão.
Levantou-se da cama e caminhou até a cozinha. A escuridão reinava na pequena casa, mas não o silêncio. Ela ouvia a respiração sonora de seu homem no quarto atrás de si, o rolar de seu filho na pequena e muito velha cama onde ele dormia. Atingiu a cozinha.
Pela pequena janela acima da pia, ela pôde ver o minúsculo quintal, quase totalmente mergulhado na escuridão, exceto por uma estreita faixa de lua que iluminava o muro chapiscado e o tanque de lavar roupas.
Apertou com força o interruptor grudado na frágil parede de madeira e a luz, incandescente, se acendeu. Pegou a caneca de metal que estava de cabeça para baixo no canto da pia e abriu a torneira. Enquanto a água escorria e enchia a caneca, ela pensava no dia carregado que tinha tido.
A confusão começara bem cedo, antes mesmo de seu homem sair para o trabalho, antes que o sol nascesse.
Quando ela estava em pé, naquela mesma cozinha, naquela mesma posição, alguém batera palmas no portão. Sem se mover, ela esperou que seu homem fosse atender ao chamado.
Como demoravam a atender, bateram palmas novamente, e desta vez chamaram. Era uma voz carregada de urgência e desespero. E ela conhecia aquela voz. Com o pano de prato nas mãos, enxugando-as, correu na direção da porta. No caminhou cruzou com ele, que saía do banheiro apressado.
Ao abrir a porta, um susto. Sua irmã Marilza estava agarrada às barras do portão, com lágrimas escorrendo pelo rosto moreno. Ao ver a expressão no rosto da irmã ela não precisou perguntar o que tinha acontecido. Uma sombra passou de repente por sua alma. Algo estava muito errado.
Marilza gritou, entre as lágrimas:
_Mataram o Gero! Mataram o Gero!
Ela ficou parada na soleira da porta, sem conseguir expressar qualquer reação. Simplesmente não acreditou que o Gero, seu irmão Geraldo, estava morto. Não fazer nada pareceu a única coisa a fazer.
Mas seu homem não tinha sido afetado da mesma maneira que ela. Ele correu para o portão e o abriu, bruscamente. Agarrou Marilda pelos ombros e a empurrou para dentro da casa, ainda chorando.
Quando jogou a mulher no sofá, ele perguntou:
_Onde foi?
_Foi na rua - ela respondeu, entre lágrimas – na esquina do bar do Marcão.
O que estaria seu irmão fazendo perto do bar do Marcão a uma hora daquelas? Seu homem pareceu pensar a mesma coisa, pois fez exatamente esta pergunta para a mulher que chorava no sofá, com o rosto entre as mãos.
_Não sei – respondeu Marilza – Ligaram pra ele antes de sair. Ele ficou um tempo no telefone e depois saiu pisando duro e batendo a porta, sem falar nada.
O homem passou a mão na cabeça. Sua expressão era de preocupação, mesmo desespero. Ele caminhou ao redor da sala sem destino por alguns segundos, como que tentando tomar uma decisão. E de repente, como se a tivesse tomado, caminhou decididamente até a porta de madeira do quarto e desapareceu na escuridão.
Ela e Marilza ficaram em um silêncio constrangedor, quebrado somente por um soluço de vez em quando. Ela intimamente já sabia o que estava prestes a acontecer. Logo seu homem sairia armado do quarto e correria até o bar do Marcão. Ela estava até sentindo pena dos homens que tinham matado o Gero.
E no exato momento em que estes pensamentos passavam por sua mente os passos pesados de seu homem se fizeram ouvir batendo no assoalho velho de madeira e ele apareceu.
Vestia sua bota de cano alto, que quase nunca usava. Na cintura, preso no coldre de couro já gasto pelo tempo, seu revolver calibre 38, que costumava ficar pendurado atrás da porta do quarto. Amarrada na perna vinha a bainha do punhal que ele costumava usar para matar porcos na fazenda, antes que se mudassem para a cidade.
Ele caminhou decidido até a porta e parou na soleira, o vento frio do amanhecer batendo na parte de seu cabelo preto que aparecia por baixo do chapéu que ele usava. Olhou para a mulher e a cunhada por um momento e desapareceu na direção da rua, sem dizer uma palavra.
Ele ganhou a rua. Seus passos ecoavam no silêncio da cidade que começava a acordar para mais um dia, e somente uns poucos raios de sol escapavam da escuridão. Caminhou decidido na direção da vingança.
O homem não sabia exatamente porque estava fazendo aquilo, não tinha como formar uma opinião sobre a necessidade de vingança. Mas sempre tinha sido assim, desde muito antes de nascer. Um homem mata quem mata alguém dos seus. E era isso que ele estava fazendo agora.
Quando dobrou a esquina de onde avistaria o bar do Marcão, onde o Gero tinha sido assassinado, um vento gelado açoitou seu rosto moreno. Ele sentiu um arrepio gelado correr por sua espinha e segurou forte no cabo de seu revólver. E então ele viu. O corpo do Gero estava caído no meio fio, com ferimentos largos no peito, daqueles causados por facas.
Ele viu três homens parados em pé ao lado do corpo. Eles fumavam cigarros e riam, sem dar importância ao homem morto a seus pés. E ele não viu polícia, o que já esperava. Naquelas bandas a polícia não aparecia de noite, nunca aparecia.
Vendo aquilo o homem sentiu o sangue ferver em suas veias. Ele sacou sua arma e, caminhando decidido, verificou se todas as balas estavam no tambor. Soltou a trava e se preparou. Quando os três homens o viram se aproximar já era tarde demais para eles.
Sem mover sequer um músculo de seu rosto, o homem apontou o revolver na direção do grupo e disparou. Três estampidos secos encheram a esquina que começava a amanhecer, e logo em seguida três corpos caíam mortos no chão, ao lado de um quarto, que ali já estava.
Mas como ele já esperava, os três homens que acabara de matar não estavam ali no bar do Marcão sozinhos. Imediatamente passaram pelas portas metálicas do bar mais quatro homens. Dois deles seguravam facas, um terceiro vinha armado com um taco de bilhar e o último não trazia nada nas mãos, mas o homem viu a sombra que se formava na sua cintura, indicando que ele carregava um revolver no cinto. Mas não havia tempo para pensar nisso. A primeira facada já voava na sua direção.
Ele se abaixou rapidamente, desviando da lâmina que passou zunindo bem perto de seu ouvido. Tocando com a mão direita no chão ele levantou a perna esquerda, atingindo com um poderoso chute bem em cheio no queixo do homem que lhe atacara. Mas antes mesmo que o oponente, com o maxilar quebrado e sangue escorrendo pelo pescoço, caísse no chão, o segundo atacante já estava quase sobre o homem.
Os golpes desciam a uma velocidade muito alta, obrigando o homem a se afastar na direção da parede a cada movimento do inimigo. Ele notou que não teria tempo de apontar a arma a atirar, não com aquela saraivada de facadas voando sobre ele. Tentou pensar no movimento certo a fazer.
E foi exatamente quando tocou com as costas na parede do bar, e não tendo mais como se desviar dos golpes, que ele decidiu agir, talvez da forma mais absurda que pudesse haver, talvez não. Mas foi isso o que ele fez na hora.
Ao mesmo tempo em que sua mão direita se abria e soltava ao chão o revolver ele levantou o braço esquerdo. A lâmina da faca do oponente penetrou fundo na carne de seu braço, arrancando do homem um grito de dor. Mas ele não tinha tempo, seu próximo movimento tinha que ser rápido e certeiro. Era sua única chance.
E foi o que ele fez. Com a mão direita, agora livre do revolver, sacou sua faca e a enfiou profundamente na barriga de seu atacante, que não teve tempo sequer de notar o que estava acontecendo. Quase sentindo o borbulhar do sangue na garganta do moribundo, o homem deitou o corpo ao chão e recuperou sua arma, que estivera jogada a seus pés.
Mas antes mesmo que ele pudesse levantar a cabeça foi atingido violentamente no rosto. Imediatamente uma dor incontrolável tomou conta de seu corpo, e ele sentiu sua pele se rasgar sob o impacto da madeira do cabo de bilhar. Com a força do golpe, ele foi jogado de costas na parede.
Mas o homem sabia que não tinha muito tempo. Ele já quase podia sentir o segundo golpe voando na sua direção, e sabia que se não fizesse alguma coisa imediatamente receberia em cheio a paulada. E mais uma vez tomou a decisão mais insensata.
Quando o pedaço de madeira desceu zunindo na direção do homem, encontrou seu braço esquerdo, erguido mais uma vez para defendê-lo. Ele pôde ouvir seus ossos se quebrando sob a força do impacto enquanto uma dor quase insuportável o invadia, mais uma vez. Mas assim como da primeira vez valeu a pena, pois agora ele tinha tempo suficiente para levantar o revolver e apertar o gatilho.
O estouro da arma ecoou mais uma vez pelo beco enquanto a barriga do atacante explodia e se espalhava por vários metros ao redor. O homem respirou aliviado, apesar da dor imensa que estava sentindo.
E foi só neste momento que o homem se deu conta que ainda tinha um inimigo vivo, talvez já apontando sua arma para ele naquele momento. Lentamente ele se virou na direção da porta do bar.
O último homem estava parado na mesma posição desde o início da luta, com os braços cruzados no primeiro degrau que levava para dentro do bar. Um sorriso estranho estampava seu rosto, mas ele não fez qualquer menção de se mover.
Os dois homens ficaram parados por um momento, enquanto seus olhares se cruzavam na esquina que já começava a ser invadida pelos primeiros raios de sol da manhã. Pareceu ao homem que haviam se passado vários minutos antes que o outro, o chefe da gangue que tinha matado o Gero, se virasse de costas para ele e entrasse novamente no bar.
Por um momento ele não soube o que fazer. Podia entrar no bar e acabar de vez com a luta, matando o outro homem, ou sendo finalmente morto por ele, ou poderia simplesmente ir embora, dando sua missão como completa.
Foi o que ele decidiu fazer. Virou-se também e, tentando da melhor forma possível estancar o sangue que escorria livremente de seus ferimentos, caminhou na direção de sua casa, onde sua mulher e a cunhada o esperavam apreensivas.
Sem dizer uma palavra ele entrou na casa, batendo a porta atrás de si e foi direto para o banheiro. Precisava urgentemente limpar os ferimentos que tinha conseguido na luta que acabara de acontecer.
Ele sabia que não podia sequer pensar em ir para um hospital. Não se vai a hospitais quando estas coisas acontecem. Ele só ficou em casa, naquele dia inteiro, sentado em uma velha cadeira de couro rasgado, muito, mas muito velha mesmo, que ele posicionou de frente para a porta.
Sua arma, cujo tambor já estava novamente cheio, ficou o dia inteiro no encosto de braços da poltrona. Ele sabia, quase que inconscientemente, que seu ato não seria esquecido nem perdoado e que, da mesma forma que ele saíra em busca de vingança, eles viriam para terminar o serviço que começaram com o Gero. Precisava estar preparado.
Mas ao contrário do que o homem esperava nada aconteceu naquele dia. Ninguém apareceu para cobrar sua vingança e o silêncio reinou na rua o dia todo. E quando a noite caiu ele simplesmente se levantou e caminhou na direção do quarto, deitou-se e dormiu, com o revolver em baixo do travesseiro.
Ela abriu os olhos e fitou o telhado. Caminhou até a cozinha, pegou a caneca de metal e tomou-a cheia de água. E foi exatamente enquanto ela pensava no dia movimentado que tinha tido que tudo aconteceu.
Primeiro um barulho vindo da rua, como se alguém batesse em seu portão, seguido de passos apressados se aproximando.
A última coisa que a mulher viu foi a porta da frente sendo derrubada e quatro, pelo menos quatro, homens entrando por ela enquanto seu homem saía do quarto com a arma na mão.
No dia seguinte os jornais anunciaram, em uma minúscula coluna na página policial, a briga de gangues que tinha resultado na morte de uma família inteira. Mãe, pai e o único filho foram assassinados dentro da própria casa, à queima roupa.