Momento Crítico
Cheguei afobado, pedindo:
- Telefone, urgente!
O carinha da venda olhou bem para mim, de cima para baixo.
- Somente cliente usa o telefone – disse, dando a impressão de não querer me deixar usar o maldito do telefone, quando eu mais preciso.
Rapidamente puxei minha carteira, peguei uns trocados e joguei no balcão:
- Toma o dinheiro! Dá logo o telefone!
Ele pegou o dinheiro, calmamente, juntou tudo, contou quanto tinha, três e cinqüenta – eu já estava quase pulando o balcão e tomando o telefone da mão dele, quando ele passou para mim o fone.
- Qual o número? – perguntou com sua voz rouca.
De súbito respondi:
- nove, nove, meia sete, oito, um, oito, dois.
Ele me encarou, indiferente. Disse:
- Não ligo pra celular.
Dessa vez não me contive. Gritei:
- ME DÁ A MERDA DESSE TELEFONE!
Ele, limpando o cuspe da cara, me olhou indiferente. Me acontece cada coisa, pensei. Ele puxou o fio do fone, e colocou cuidadosamente o telefone no gancho.
Eu que já estava sem paciência alguma, só estava sendo um pouco educado, tirei meu revolver do bolso, apontei a arma para o carinha e disse:
- Me passa o telefone!
Ele assustou-se, é claro. Quem não se assustaria? Pegou o telefone e trouxe até ao balcão. Peguei o fone e digitei o número. Ocupado, mas que droga! Como posso avisar em tempo?
Deixei o barzinho correndo, deixando jogado o telefone no balcão. Corri para ver se ainda conseguia tomar algum ônibus para aquele canto da cidade. Atravessei dois quarteirões, chegando a um ponto de ônibus. Eu tinha que ser mais rápidos que eles.
Havia uma velhinha com muletas esperando no ponto de ônibus quando cheguei todo suado lá. A velhinha fez uma cara de nojo e resmungou:
- Cada drogado que me aparece.
Eu perguntei, espantado:
- O quê?
A velha, afastando-se de mim, me admira e diz, com sua voz corroída:
- Sim, mocinho?
Eu fico sem entender nada. Ela se afasta mais ainda, abaixa a cabeça, vira o rosto e resmunga:
- O drogado tá cheirando fumaça.
Pela paciência que eu estava, poderia ter intimidado a velhinha ali mesmo, apontando a arma na cabeça branca dela. Mas ainda sou uma boa pessoa. E o ônibus já estava chegando.
Ao parar, o ônibus abriu a porta e eu dei um passo. A velhinha, um pouco mais adiantada que eu, resmungou:
- Agora vai querer entrar antes de mim o drogado.
Eu esperei. Entretanto gostaria de dar um belo susto nessa velha. Era demorou uns quinhentos anos para conseguir subir para dentro do ônibus. Quando subiu, eu logo pulei para dentro. A velha sentou-se nos bancos reservados à idosos enquanto eu ia para a roleta.
- Quanto é? – perguntei ao cobrador.
Ele inclinou-se para o lado e deixou uma placa de papel grudada com durex aparecer logo atrás dele. Estava escrito: “Tarifa: R$2,25”. Eu logo exclamei:
- Que roubo! – e puxei minha carteira.
Ao abrir, percebi que eu a tinha esvaziado lá no bar, para usar o telefone. Que sorte a minha, pensei. No entanto não deixei o cobrador perceber e exclamei:
- Mãos ao alto que isso é um assalto!
Todos ficaram indiferentes. Os ônibus já eram tão assaltados que nenhuma pessoa mais se sobressaltava quando alguém gritava isso. Só foi quando tirei a arma da calça e dei um tiro para cima, estourando o teto do ônibus, que o motorista brecou o veículo. E nessa brecada eu voei para frente do ônibus. A velhinha, segurando a bolsa, caiu de quatro enquanto resmungava:
- O drogado ainda tá fazendo pose de traficante mau.
Levantei e pedi ao motorista que guiasse o ônibus para a vila Maria o mais rápido possível. Ele disse que não podia, que o veículo é vigiado via satélite, essas baboseiras. Então eu gritei:
- DIRIGE LOGO ESSE ÔNIBUS QUE QUEM TEM A ARMA NA MÃO SOU EU!
Eu não o avisei que também o ônibus poderia servir de arma para motoristas alcoolizados, e que, portanto, ele também tinha uma arma na mão. Mas deixa quieto o assunto por enquanto. Eu sei que ele mandou ver na corrida, atravessou sinal vermelho, furou o tráfego, ultrapassava pela direita, ele até subiu o calçadão para cortar caminho para a vila Maria. Que tiozinho esperto!
A velhinha ainda resmungava:
- Drogado maldito! Vou perder minha novela por causa dele.
Eu não prestava atenção na velha. Poderia ter estourado a boca dessa velha, mas como sou bom cidadão, respeitei os mais velhos.
Quando o tiozinho virou a esquina da padaria do seu Galvão, pedi que parasse. Ele brecou o ônibus e eu, sabendo que ele queria me derrubar, segurei na barra do teto. Agradeci a corrida e disse que qualquer dia eu voltava para pegar outra carona com o tio.
Desci correndo do ônibus e entrei na padaria do seu Galvão. Entrei afobado e molhado de suor.
- Galvão, Galvão, passa a grana aí que eu tô duro!
O senhor de bigode branco meteu a mão na caixa registradora e tirou um punhado de notas de dez reais e passou para mim. Eu agradeci, peguei o dinheiro e saí correndo para chegar a tempo em casa.
Abri o portão aos chutes, fechei aos chutes também, para não deixar o Totó sair, e entrei ansioso.
- Você está aqui? – perguntei, andando pela casa, com o dinheiro na mão.
- Já chegou? – respondeu uma voz fina, melosa, ridícula.
Ela estava no quarto, deduzi. Fui para o quarto, lá estava ela, deitada na cama, com uma lingerie vermelha, batom vermelho, unhas vermelhas. Ela começou a se levantar.
- Ainda não tirou a roupa?
Peguei o pulso dela com força, apanhei suas roupas no chão, enfiei o dinheiro dentro do sutiã e mandei ela ir embora, rápido.
- Mas por que, garanhão?
Empurrei-a para fora de casa, até para fora do portão. Deixei-a passar vergonha no meio da rua, seminua. Ela gritou comigo, xingou-me de tudo que é palavrão, vestiu as roupas, guardou o dinheiro, e seguiu andando e rebolando a bunda.
Deixa-a para trás e entrei em casa. Não iria demorar muito para dar a hora. Fui ao quarto e troquei de roupa. Passei desodorante e muito perfume. Olhei no relógio da parede: já estava quase no momento. Eu não agüentava mais a tensão. Foi quando o portão abriu, o Totó latiu fino, eu abri a porta e disse:
- Mas já chegou, amor?