Premiada a Patranha
Não era para ser assim! Não pode ser!!! Como fui errar dessa maneira? Dessa vez era pra dar tudo certo, pensei em tudo, desde a entrada triunfal, até minha maneira de agir, cumprimentar, andar, bocejar, falar, acenar, coçar... Sutileza e singeleza, uma cara de surpresa – eu? Foi meu nome? Eu não acredito!! – um caminhar ao palco como uma diva, mexendo vagarosamente os ombros, coluna ereta, acenando sem balançar muito os braços. Obrigada! Obrigada! Obrigada!
Subi ao palco como nenhuma outra estrela de Hollywood, como nenhuma outra Miss Universo, eu fui puramente uma ce le bri da de, uma di va!!! Posicionei-me ante o microfone, ainda com a expressão de surpreendida pela minha escolha como A Melhor – como se eu não soubesse, tá bom, aff – respirei suavemente, para demonstrar que ainda estava agitada com a surpresa, e me pus a recitar o já preparado discurso de posse da premiação – oh, que coisa meiga!
Enquanto meu discurso decorria primorosamente bem, eu posava para as fotos – atrás do microfone mesmo – linda como sempre, ainda mais com meus olhos claros realçados pela maquiagem. A majestade em pessoa! Além dos paparazzi, até as outras concorrentes me capturavam com suas câmeras digitais. É claro, uma morena, alta, bronzeada, de seios fartos – e usando um decote arrasador, para mencionar – cabelos exuberantemente ondulados, usando jóias mais caras que muitas mansões e, só para completar, tendo o meu magnífico - suntuoso - notável - faustoso - espetaculoso - nome, não é pra qualquer mulher, não!
Faltando mais alguns minutos para eu terminar o meu glorioso discurso, eu não evidenciava nenhuma falha do que eu planejei. Tudo estava saindo muitíssimo bem, obrigada. As concorrentes se mordendo de ciúmes – mas exibindo um exímio sorriso falso, para que não notassem sua falta de humildade. Os paparazzi esgotando a talentosa capacidade de pegar ângulos meus que nenhum outro paparazzo já tenha pego antes. E o resquício do pessoal da direção técnica morrendo de vontade de me tirar o microfone, me fazer calar a boca, porque o show já estava atrasado mais de vinte e cinco minutos pelo meu venerável discurso.
Foi então que... Bem, não é que aconteceu o que eu mais temia? Todo o meu programa para aquela noite foi perdido, deteriorizado, arruinado, danificado, jogado numa bela lata de lixo. Bela não, horrível, fétida, podre!!! Tudo em vão. Tudo. Tudo. Tudinho mesmo! Até meus cabelos volumosos murcharam. Meus seios estiolaram, perderam o viço – mesmo com o implante de silicone em ambos. Fiquei prejudicada, minha fama foi para o ralo e desceu ao esgoto, junto aos ratos e detritos. Caí do salto alto! Minhas jóias perderam o brilho! Minhas unhas quebraram! Meu tomara-que-caia caiu! E fiquei assim, difamada, pois aconteceu o que eu mais temia em toda minha vida. Toda, toda mesmo. Todinha!
Foi surpreendente, de verdade, tive que deter o choro que me adentrou. Vi meu poodle entrar no meio das fileiras do estabelecimento, passando por cima de vestidos chiquíssimos e de outros não tão chiques assim. Vários seguranças atrás dele, correndo, tropeçando e caindo. Apareceu, então, no mesmo momento, meu ex-amante – que virou ex-marido – pois foi com quem me casei depois do terceiro casamento e que depois de um mega-escândalo televisivo me divorciei. Ah, e foi o qual eu desfalquei quase mais da metade da fortuna também!
Ele saiu detrás das cortinas do palco e correu até mim, me pegou no colo – como numa cena de filme romântico – e me tacou para fora do palco, dizendo o que todos queriam me dizer: “Cale a boca, agora, vadia!”. Pegou o microfone e se pôs a falar dos meus podres, que eu tinha chulé, micose, bafo, unha encravada, era uma viciada em sexo, mas infecunda, estéril, por isso eu adotava criancinhas. Mas não crianças negras porque eu era racista, preconceituosa. Eu tratava os empregados como escravos! Eu não era rica, fiquei endividada pela ostentação. Era vingativa e podia até matar. E que, em falando de matar, era eu quem tinha assassinado meus outros três maridos. Tinha-os envenenados! Oooohhhh!!!!!
Os paparazzi já tinham fotografado tudo, desde quando eu voei do palco, quebrei o salto, meu top caiu, meu cabelo embaraçou, minhas próteses caíram. A mídia já estava divulgando minha ficha listada pelo meu ex-amante e ex-marido para todo o mundo. Minhas concorrentes forçaram-se a não cair na gargalhada – tinham um título a ostentar. E eu ali no chão, acabada, fudida – desculpem a expressão, mas eu estava fudida mesmo!
Mas antes que acabassem mais comigo, todos e tudo, eu tinha uma carta na manga – embora o vestido que eu usasse não tivesse manga. Ele tinha um bolso interno no qual eu sempre levava comigo um pouquinho do veneno com que apaguei meus três maridos. Peguei o vidrinho, abri a tampa, e engoli, tomei o veneno. Não é, eu sei, um bom final para que eu tivesse. Mas é a realidade. Não ia pagar por tudo que fiz. Eu estava endividada, lembram?