OLHOS SECOS

Ao longe se avistava através dos galhos desnudos da maldita caatinga, as folhagens solanáceas do juazeiro. Sentado ao alpendre, um homem, com seu olhar de boi manso, contemplava na planície avermelhada um fio de nuvem que sumia no azul solitário do céu.

Ouviu-se naqueles confins de mundo o canto do mulungue rasgando o ventre do céu, incitando aquele arremedo de homem a fazer várias vezes o sinal da cruz pedindo proteção a Deus e a todos os santos que lhes veio à cabeça naquele momento. Ave agourenta, prenúncio do mal, sinal de desgraça.

Aos seus pés a terra seca devastava-lhe a alma, cozinhando-lhe a pele sobre o chão craquelado daquele pedaço de inferno onde a muito havia se confinado com a família.

Os seus filhos brincavam de pés descalços e secos. Olhos baços e secos. Cabelo de arame sujo e seco. Risos secos de fome, cobertos pelo pó da terra rude, que parecia pegar fogo ao menor contato de quem se atrevia a fugir da proteção de um mísero pedaço de sombra que, assim como a água, era disputado tal qual o mais valioso dos tesouros concebido por Deus. E, realmente, naquele lugar desprezível era aquilo que contava. Era exatamente aquele pouco de quase nada que ainda mantinha vivos aqueles farrapos humanos esquecidos naquela parte longínqua do umbral. Sua companheira morrera a menos de um mês. Morrera de sofrimento a coitada. Sofrimento de tanto ver os filhos sofrerem.

----Quando será? -- perguntou-lhe um dos filhos estendendo a cuia vazia.

E o homem, com olhos de boi manso, aperta o chapéu contra o peito e diz apenas:

----Quando Deus quiser!

As últimas arribações haviam debandado em direção a linha do horizonte, que dividia o azul do céu com o vermelho abrasador da terra, deixando para trás toda aquela desgraceira onde aqueles pobres diabos ainda teimavam em viver.

Não havia mais água e nem mais o que comer. Restara a aqueles infelizes moribundos apenas a esperança de um milagre que infelizmente não veio. Um a um seus filhos também foram morrendo. Um a um ele os foi enterrando como se enterra uma semente. Não tinha mais lágrimas para chorar. Há muito o açude de seus olhos havia secado, assim como secaram as escassas e imundas poças d'água que agonizavam silenciosas por entre a caatinga ressequida daquele maldito lugar.

Solitário e debilitado, exalando o odor tétrico da morte, deitou-se ao lado das covas onde havia enterrado os filhos e a mulher. Completamente transtornado e fora de si, balbuciou uma triste canção, e ficou ali, inutilmente, esperando pela chuva na esperança vã de vê-los brotarem novamente através do chão seco do sertão.

Obs. Texto baseado na poesia de Anabailune : “Olhos Secos” (Recomendo que leiam essa linda poesia aqui no Recantos das Letras)