Pétalas de Rosa

Era preciso me livrar de seu corpo no meu jardim. A fossilização artificial não funcionara. * Uma parte dela escorregou para baixo da massa de cimento, o que não percebi na hora. Eu a colocara dentro do cimento congelada e com o calor o descongelamento era inevitável.

A elaboração do plano não fora perfeita. Depois de 5 dias ornamentando meu quintal, começou a feder. O transtorno tomou conta de mim, pois queria tê-la comigo, mesmo que somente seu corpo. Mas a situação ia ficar insustentável. Como explicar o mau cheiro aos vizinhos? A parte de baixo de um sobrado de dois andares era onde eu vivia.

Um cadáver cheira muito mal depois de 5 dias. O que fazer? Uma cova era a coisa mais lógica, mas daria muito trabalho e ia estragar meu gramado. E além do mais, um buraco faria o que não era pra fazer, chamar a atenção. Um cadáver, morte. Alguém iria querer saber como, porque e quando. De fato, eu não queria falar sobre o assunto.

Dava pra notar o inchaço da parte de seu corpo que ficara pra fora da elaboração da “escultura” no meu jardim. Aquilo ia explodir a qualquer momento. Já havia algumas moscas deliciando-se no local. Isso me incomodava. Odeio moscas.

Tinha que ser feito algo, e rápido, muito rápido.

O monumento passara despercebido, afinal as pessoas são insensíveis de maneira geral, o que facilita aos criativos fazerem coisas diferentes, mas o cheiro. Ah! Isso sim seria notado.

Elaborei então, um outro plano.

Seu túmulo seria o rio. Nada melhor. As águas levariam seus restos mortais sem serem notados. O cimento se encarregaria de mantê-la abaixo do campo de visão de curiosos. O que menos era necessário naquele momento eram olhares. Precisava escolher um rio e um local estratégico onde ela não fosse achada e fosse possível sua lembrança sem esforço.

Local escolhido. Delirantemente perfeito. Gente passando o tempo todo durante o dia, mas a noite era possível a solidão absoluta. Ela não ficaria só.

Chegou o dia.

Passaram-se a manhã e a tarde dando lugar à noite.

Uma hora da manhã.

Cuidadosamente empacotei seu invólucro e fui para o local, mas não fui direto. Verifiquei os arredores e no lugar cheguei como se viesse de outro caminho. Estacionei. Peguei seu caixão de concreto. Com não pouco esforço, levei-o até o ponto escolhido. No meio da ponte soltei e simplesmente deixei-o cair. Ela estava lá, magnetizada pelo centro da terra. Subiram bolhas de ar como se desse seus últimos suspiros. Cuidando para que ninguém me reconhecesse, voltei por outro caminho para casa.

Às vezes jogo pétalas de rosa no rio.

* ver conto anterior A necropsia.

Everaldo Robson
Enviado por Everaldo Robson em 30/03/2009
Reeditado em 09/04/2009
Código do texto: T1513067
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