O Outro lado da Face

Viver amores impassíveis, sentir paixões ardentes, essa era a essência da vida de Clara Hanson.

Por pouca idade, reconhecia o que mais cobiçava: deparar-se em algum instante de sua vida, com um amor verdadeiro. Pedro foi o tal. Por muito tempo tiveram um amor oculto, aonde nenhum outro dito-cujo tinha o conhecimento do que ocorria.

Seria por medo? Por desejo ou apenas por divertimento? Eis a questão.

Como de costume em todas as primaveras, a família de Clara, os “Hanson”, viajam ao campo para passarem a estação de ascensão das flores.

A estrada estava nevoenta. Dava-se para mirar pouca parte do percurso. Os corações batiam mais rápido, amedrontados por um possível imprevisto acontecer.

- Não se intimidem – disse Jorge tentando acalmar a inquietação de seus familiares- chegaremos bem até Capivari.

E chegaram. Não se encontrava mais a nebulosidade. O pouco sol ainda reluzia os seus mínimos raios, o que os aquecia. O chalé do qual iriam se hospedar encontrava-se no alto da montanha escura. Era confortável até de mais. Contudo um pouco sombrio e assustador.

- Vamos ao meu quarto! – Exclamou Clara puxando Pedro com grande exaltação.

Juntos percorreram a escadaria acima e em uma fração de segundos adentraram no quarto. Permaneceram ali parados rente a beira da cama, um olhando o rosto do outro como se estivessem esperando algo incidir.

- Então o que iremos fazer? – indagou Pedro.

- Não sei.

- Você quem sabe!

Ambos entreolhavam-se com olhares de desejo e afeto.

- Me dá um beijo? – perguntou Clara.

Sem responder, Pedro aproximou-se lentamente seu corpo ao de Clara. Um dos momentos mais esperados da vida do casal e primeiramente de Clara estava preste a acontecer. Os dois corações aceleravam a cada toque. A cada beijo. O receio tomava mais a afinidade. O medo de algum Hanson entrar ali e pegar os dois no estado em que estão. Seria muito alarmante e constrangedor.

A noite caiu. O vento frio começava a soprar do leste, provocando uma pequena geada. Clara e Pedro ainda permaneciam deitados na cama, abraçados.

- Gostou?

- Que pergunta Pedro – respondeu Clara dando pequenas batidas nas costas de seu amado – Um dos melhores momentos da minha vida...

Clara foi interrompida por um grito.

- O que foi isso? – perguntou Pedro em um tom de desespero.

- Não sei! Mãe! Mãe!

Desceram as escadarias gritando. Estavam desesperados pelo que aconteceu. Não sabiam de onde veio o barulho, mas estava muito próximo.

- Mãe! Pai! Walter!- continuou gritando Clara, porém nada acontecia.

- Calma, eles podem ter saído e...

- sem me avisar?

- Podem ter esquecido...

O coração de Clara batia muito mais forte. Sentia dentro de sua alma que algo de ruim pode ter acontecido com seus familiares. Resultado? Desespero!

- Clara me escuta, eles estão bem - disse Pedro segurando suas mãos - Você vai ver.

- Como você sabe? Hein? Me diga, como sabe que eles estão bem?

Clara soltou as mãos do qual Pedro segurava.

- Viu como você não sabe o que aconteceu. Você se acha muito inteligente Pedro. Ao invés de ficar falando balelas, porque não me ajuda a procurá-los?

- Porque eu não quero!

- O que? – perguntou em um tom espantoso.

- Isso que ouviu, eu não vou ficar procurando ninguém.

- Se não vai eu vou.

- Você também não vai – exclamou pegando com força os braços de Clara.

- Me solta, você está me machucando.

- E vou machucar mais se não fizer o que eu digo.

- Mas e meus...

-Seus pais? – perguntou ironicamente – eles devem estar muito bem onde estão. Não se preocupe.

- Pare de dizer isso- gritou mais alto- quem é você? Não é o meu Pedro. Parece estar sobreposto por algum animal feroz e intolerante – Pedro apertava os seus braços com muito mais força – Me solta. Você está me machucando.

- Quem é o mais forte aqui Clara?

- O mais inteligente- respondeu dando um pontapé entre as penas de seu quase agressor.

- Sua filha da... – gritou de dor – eu te pego Clara, você não tem por onde fugir.

Pedro estava tomado por uma fúria irreconhecível. O jovem educado, amoroso está preso em alguma parte do subconsciente dele. Tudo foi relevante até mesmo antes de adentrarem no chalé. Após, tudo havia mudado completamente.

- Quem é você? – perguntava Clara diversas vezes.

- Alguém que irá te matar – respondeu segurando em suas mãos uma faça pontiaguda.

Não tinha onde Clara esconder-se, apesar de o chalé ser grande, suas extremidades eram pequenas. Onde quer que fosse, ele a encontraria.

- Sinto cheiro de medo, Alguém está com medo!

Perdida em seus pensamentos, Clara por um segundo parou onde estava e pensou ser um sonho. Entretanto caiu em si quando olhou uma das cenas mais marcantes de sua vida.

- Mãe! Pai! – gritou.

Seus pais estavam estirados em cima da cama de casal toda ensangüentada. Estavam sem pulsação. Não tinha mais como salvá-los, estavam mortos.

- Walter!- gritou correndo ao quarto do irmão.

O Mesmo encontrava-se no banheiro suspenso por uma corda entrelaçada entre o pescoço. Para a jovem tudo estava acabado. A única coisa que poderia fazer era correr ou morrer ali.

Gritos. Medo. Apreensão, tudo isso sobressaia dentro do banheiro. Não tinha mais como fugir. Pedro estava frente ao seu rosto, junto ao seu corpo. Suas mãos trêmulas não conseguiriam golpear-lo. Ficou parada onde estava sem mecher nenhum músculo se quer. Tudo poderia acontecer neste mesmo tempo.

- Porque fugiu, tem medo!

- Não! Porque teria?

- Porque matei seus pais!

- Não pode ter sido você, estava comigo o tempo todo.

- Sou muito inteligente não – Pedro retira da gaveta um gravador com gritos – programado na hora certa, no momento certo!

- Isso não muda em nada! Ainda não me respondeu quem é você – Silêncio – Tem medo de mostrar quem é?

- Eu não tenho medo – gritou em um tom mais grave em sua voz.

Ali começou uma luta entre eles. Digo não ente Clara e Pedro, mas sim entre ele e seu interior. Este que habitava em seu corpo não ansiava retomar seus pensamentos.

- Pedro este não é você!

- Clara!... Me ajude – disse Pedro com sua voz, mas após segundos a outra voz voltava

- Quero ver todos que vivem em minha casa, mortos!

- Você é forte!

- Pára! Cala essa boca!

- Se você é um espírito eu quero que vá agora!

Risos graves ouviram-se saídos da boca de Pedro.

- Quem é você para dizer o que faço ou não!

- Alguém que acredita em um deus e que te ama!

Nem deu tempo de Clara segurá-lo pelos braços. Correu dali feito um animal.

- Pedro- chamava Clara vendo seu namorado pulando paredes, correndo pela escadaria em uma velocidade impossível do ser humano atingir – Pedro não.

Em frente ao precipício da montanha ele parou.

- Pedro!

- Eu te amo.

Ali acabou uma vida da qual deveria não ter começado. Pedro estava enlouquecido em apenas uma noite. Aquilo que o torturava por dentro era muito mais forte do que ele, uma força muito mais forte do que qualquer animal. Clara não soube se era o certo terminar assim. Então, caminhou até o chalé do qual estavam hospedados. Sentou-se na primeira escada da entrada. Apenas pensava.

O frio aumentava e ela ali apenas com um olhar profundo. Não teria como viver. Levantou-se em um único impulso, foi até a garagem, pegou um galão de gasolina e um pacote de fósforo. Voltou ao seu destino. Olhou bem ao seu redor, era triste poder reconhecer que tudo havia acabado assim, todos estavam mortos. O que seria uma primavera afortunada tornou-se melancólico. Ela pegou o galão de gasolina e jogou em todos os pontos do chalé, não deixando nenhuma parte se quer sem. Acendeu o primeiro palito de fósforo. Retomou o olhar ao horizonte sentindo um aperto no coração.

- Amo vocês!

O fogo tomou toda a casa, corroendo a madeira. Os pedaços começaram a se decompor. Lágrimas escorriam de seus olhos. Dava-se para ouvir gritos vindos de dentro da casa, mas de onde era? De quem seria? Ela não tinha mais força para seguir em frente, contudo deveria ser forte. Partindo daí foi então que ela começou a entender que a vida é muito traiçoeira em tudo o que faz. Quando pensamos estar feliz, ela vem e nos tira tudo o que temos de bom. Sempre com algo prejudicial.

Era para ter acontecido. O comovente foi que em menos de uma noite tudo aconteceu. Clara agora acreditava que espíritos existiam e que podem encarnar em pessoas, e que às vezes eles têm duas faces, transformando-os assim como seres com o outro lado da face invertida. Um lado do qual muitas vezes juramos entender, mas que nem sempre conseguimos.

Well Rianc
Enviado por Well Rianc em 25/03/2009
Reeditado em 14/04/2009
Código do texto: T1505014
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