A casa na última quadra III
Dona Rachel ainda se encontrava envolvida com a receita do ensopado, percebi então que não havia demorado muito.
Meu coração acelerou e o enjôo voltara, dessa vez ainda mais forte e fui perdendo o equilíbrio.
Minha vó escutou o barulho da porta se fechando com o vento e colocou a cabeça para fora da cozinha, me viu e veio correndo em minha direção.
_ Meu bem o que houve?
_ Estou passando mal, sinto falta de ar e tenho vontade de vomitar.
_ Eu sabia que era isso!
Ela voltou com uma xícara cheia de um xá verde escuro com um cheiro forte de mato.
_ Beba tudo isso!
Engoli de má vontade e estiquei-me no sofá da sala, aos poucos senti a sensação indo embora.
Precisava contar o que estava acontecendo, apesar de ter quase certeza que minha avó sabia.
_ A casa da última quadra... não... - fui interrompida por um acesso de tosse.
_ Imaginei que sentiria isso meu bem. Vamos, venha comigo.
Segui-la até meu quarto.
Ela se sentou em minha cama e me pediu para me sentar também.
Deitei-me colocando a cabeça sobre seu colo.
_ Meu anjo, é difícil falar disso mas se eu não te contar isso vai ficar cada vez pior.
_ Como assim pior?
_ Querida, sua mãe também sentia essas coisas relacionadas a morte mas acabou, passou. Sugiro que esqueça disso e espere passar também.
_ Vó, não passou, todas as vezes que eu tento falar disso com minha mãe ela me diz algo sobre a sensação de ter perdido seu irmão... mas ela nunca teve um irmão.
Desviou o olhar de mim, procurava um foco mas não encontrava, percebi que era verdade, minha mãe tivera um irmão.
_ Minha mãe teve mesmo um irmão não é?
_ Querida, isso vai passar, esqueça! ESQUEÇA! - estava nervosa, aflita, mas parecia forçar a si mesma a esquecer disso.
_ Não posso vó, me conte, pelo amor de Deus.
Respirou fundo. Vi naquela hora que eu, ela e minha mãe tínhamos a mesma cor de olhos.
_ Sim, ela teve um irmão. Eles eram amigos demais, ele morreu cedo e ela nunca superou, ficou em depressão por muito tempo e para não fazê-la sofrer eu disse que tudo fora um pesadelo. Com o tempo ela criou uma barreira contra essas sensações.
_ Quero conhecer meu tio.
_ NÃO! - trovejou.
_ Vó, preciso saber se é isso que me deixa tão mal quando passo em frente ao quarto.
_ Querida, não precisa, isso vai te fazer piorar.
_ Vó, preciso saber de tudo ouviu bem?!
Parecia que ela estava começando a ser convencida.
_ Só uma vez, nunca mais quero falar disso.
Balancei a cabeça em sinal positivo e a segui até o quarto em frente a escada.
As paredes eram azuis e brancas, a cama estava arrumada com muitos carrinhos de madeira e peças de um jogo da memória também de madeira, porém mais fina.
_ Não posso ficar muito tempo aqui, não quero senti-lo de novo. Passe o tempo que achar necessário aqui e quando sair me avise que eu venho trancar a porta.
Assenti novamente.
Deixando a porta entreaberta minha avó foi descendo as escadas.
Havia dezenas de fotos em uma das gavetas do guarda-roupa de madeira escura. Em outra gaveta havia recorte de jornais, todos anunciando a morte de Joseph Magguffy, meu tio.
O recorte mais impressionante mais rico em detalhes trazia os dizeres: “ Terceira morte misteriosa dentro da casa da rua Palácio do império, o menino Joseph Magguffy de sete anos foi encontrado morto ontem pela manhã dentro da casa.
É a terceira criança que morreu na antiga casa da família Taylor, que deixou a cidade no ano de 1968, mesmo ano em que Agnus Taylor foi encontrada morta dentro da própria casa.
Por muitos anos a casa permaneceu trancada, mas depois da invasão de três jovens no começo do ano, a casa que permaneceu aberta desde então já foi palco de três mortes, as três de crianças da nossa cidade que entraram na casa na intenção de brincar.”
A foto do alto da página era a foto de meu tio, reconheci pelo cabelo preto e pelos olhos verdes.
O jornal fora publicado no ano de 1979, ano que minha mãe completou doze anos, de acordo com meus cálculos.
Na mesma gaveta que encontrei o jornal encontrei uma caixa pequena de amadeira empoeirada.
Meu estômago revirou-se ao encostar naquela caixa e minha respiração foi ficando difícil, mas não desisti, eu precisava saber o que tinha acontecido.
Escutei uma voz de criança na minha cabeça “ Foi ela, foi ela que me tirou da minha mãe!”.
Abri a caixa e encontrei a foto de uma mulher jovem, parecia ser alta, vestia um vestido branco cheio de renda e um xale branco de crochê, seus cabelos eram encaracolados e loiros, os olhos pareciam esferas azuis cintilantes.
Atrás daquela foto reconheci a letra de minha avó “ Maldita mulher”, deduzi então que aquela fosse a tal Agnus Taylor.
Dentro da caixa ainda encontrei outro recorte de jornal e uma corrente prata com a letra A pendurada.
“ Com apenas trinta e dois anos, Agnus Taylor veio a falecer com problemas mentais que estavam se agravando com o tempo.
O médico da cidade que examinou o corpo de dona Agnus para anunciar os motivos de sua morte contou ao jornal que ela foi encontrada com as mãos arranhadas e que a ponta de seus dedos estavam em carne viva depois de ter arranhado as paredes da casa onde vivia.
Outro motivo de sua morte foi uma parada cardíaca que ela sofreu depois de uma crise nervosa.”
Não tinha certeza, mas achava que minha avó acreditava na hipótese do espírito de Agnus Taylor ter matado as crianças, incluindo meu tio.
Meu coração se amarrou a uma tristeza profunda, só de imaginar a dor que minha avó, meu avô Giuliard e minha mãe sentiram.
Pensei por um momento em perguntar a minha avó sobre aquele dia. Desisti. Seria triste demais para ela, quase uma tortura. Pelo o que entendi, ela se priva até hoje de tais lembranças.
Assim que saí do quarto e me virei em direção a escada para chamar minha vó percebi que ela já estava subindo a escada então eu a esperei.
_ Encontrou as respostas que precisava?
_ S... sim - menti, eu tinha aumentado meu número de perguntas quando entrei lá mas resolvi não preocupar minha avó.
_ Vamos arrumar suas coisas para a escola.
Entramos no quarto e acabamos nos distraindo com os preparativos para a escola.
HAVERÁ CONTINUAÇÃO