Julgamento
- Perdoa-me, senhor. - Ele gritou.
Dizem que se nos arrependermos de nossos pecados antes da morte, iremos para o céu. Não sei dizer se é verdade. Mas, agora, não tenho escolha. As coisas ao meu redor estão escurecendo. A escuridão torna-se maior a cada segundo. Parece que meus olhos estão se fechando sozinhos.Minha cabeça está doendo. Meu corpo está frio. E por fim... Meus olhos estão se fechando sozinhos.
Perdi a noção de tempo e espaço. Não sei nem se as dores que sinto são verdadeiras. Minha última recordação é de sentir algo quente envolvendo meu corpo. Se não me engano eram chamas. Depois, senti um aperto profundo no coração. Então, vim parar aqui. Céu? Inferno? Purgatório? Não sei. Mas não me sinto vivo. E muito menos morto.
Sinto-me mais à vontade. Vejo, agora, duas coisas que a pouco se materializaram aqui. Ainda que não estejam tão perto, posso vê-las perfeitamente. Estão se aproximando pouco a pouco. Não sei como. Mas posso sentir uma energia saindo delas. Parecem se chocar. É como se uma não quisesse a outra a seu lado.
Chegaram. Agora, percebo todos os detalhes. São poucas as diferenças entre elas. Longos cabelos negros. Olhos escuros e penetrantes. Uma altura comum, embora não pareçam ser seres humanos. A diferença que possuem é inquietante. Assim como sua vestimenta, uma delas possui longas asas brancas. A outra, no entanto, tem asas negras, e, em certos lugares, grandes rasgados. Trajada a preto, ela demonstra um lado sombrio. Algo que não encontro na outra.
Pararam do meu lado. Meu corpo, caído nessa maldita escuridão, encontra-se sem ação. Uma força espectral me envolveu. E mesmo sem abrir a boca, pude ouvir a voz de uma delas:
- Sou o anjo branco postado ao seu lado.
Um frio terrível invadiu minhas narinas. E não parou. Pois, ao término da frase, a segunda também falou:
- Sou o anjo negro em seu outro lado. Estamos aqui para seu julgamento, homem.
Assustado, tentei me levantar. Mas não pude. Minhas pernas não obedeciam a minha vontade.
- Todos vêem o arrependimento como algo simples. – O anjo branco falou, enrolando-se nas grandes asas. – Porém, não compreendem o verdadeiro significado desse ato.
- E por isso, é que são seres tão repugnantes. Os quais não entendem a diferença entre um anjo e um demônio. - O outro falou, rindo-se.
O Anjo voltou a abrir as asas. Encarou-me, e com um ar de seriedade voltou a falar:
- Vi como estava confuso, segundos atrás. Não sabe onde estás, imagino. Se desejas saber, essa é sua consciência. Pedistes, há pouco, para que eu o perdoasse. Mas, assim como a grande maioria, foi apenas da boca pra fora. - Ele virou as costas e começou a andar, lentamente. – Sinto realmente muito por você. Mas é apenas mais um “brinquedo” para ele.
O demônio adiantou-se. E ficou, por alguns segundos, fitando o corpo caído na imensa escuridão.
- Perdoa-me, senhor. – Falou. Mas, dessa vez, não fora um grito. Foi apenas um sussurro. Logo abafado pelas longas asas negras daquele demônio.
Fim