O Velho de bengala.

O velho de Bengala.

A cada toque no minério do passeio a surrada bengala estalava um som oco e agradável. A mão rugosa coberta por grossa luva passivamente ministrava a caminhada, o olhar longínquo, a costa curvada e os olhos fundos de uma serenidade maléfica mesclava-se com o cinza da manhã.

O vento matinal, o mesmo que outrora fora provedor da vitoriosa batalha de Salamina, desmanchava através de ondas invisíveis as cãs da idosa criatura. Sorria impassível a ordenada resolução da natureza, e lentamente planejava o seu ócio diário, sem atrever-se a qualquer perca de tempo com irrelevâncias mentais.

A imposição metódica era simples, sorrateira e eficaz, não havia erros, somente planos. Todos os caminhos eram analisados de maneira natural e simplória, o objetivo como sempre seria o ócio, cumprido de forma simples e eficaz. Nunca houve imprevistos, nunca houve falhas, tudo se concretiza perfeitamente pelo sábio homem ruim de bengala.

Ali estava ele, como sempre tudo igual, a rotina realmente é uma arma eficaz dizia o velho semblante; corrida matinal em volta do lago, ida ao banheiro após vinte minutos de corrida, água gelada no bebedouro publico após uma hora de corrida e enfim o final do expediente; a amizade corriqueira já fora feita, como sempre somente um “oi” bastava, como sempre havia um “oi” final.

Em corrida larga o homem se aproximava, fora diminuindo, diminuindo até parar ao lado do velho homem, agachou-se e, caridoso, apanhou a bengala que o velho derrubara, Com um “Ai” deixou cair novamente.

- Perdão jovem cavalheiro, madeira velha infelizmente possui algumas lascas. – Perdão por não avisá-lo.

-Não se preocupe. Disse o jovem enquanto pegava a bengala pelo outro lado. –Eis aqui sua bengala.

- Muito obrigado meu rapaz, e tenha um bom dia.

- Um bom dia também, e, cuidado com essa bengala.

Os olhos sorriram ao homem, e um movimento com a cabeça despediu-se.

Ócio realizado. Simples como sempre, o que um minúsculo prego infectado pode fazer, logo mais uma família destruída, logo mais órfãos no orfanato.

Os olhos sorriam. Enfim a bengala começou a estalar novamente.

J Victor.

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