A Seita dos Incógnitos - 1ª parte
João Pedro estava ansioso enquanto dirigia o seu carro. Pensava nos motivos que o levaram a tomar tal decisão. Desde que a mulher morrera naquele assalto em Salvador, durante o carnaval de 2001, ele sentia que algo havia mudado em seu íntimo, de forma permanente. Definitivamente, já não era mais o mesmo cidadão católico que havia, na juventude, integrado o Curso de Liderança Juvenil da Igreja.
Um ódio permanente assolava o seu íntimo. E ele externava isso nas suas opiniões, principalmente no local de trabalho, no banco. Achava que a criminalidade havia chegado num ponto que só a eliminação física sistemática poderia restaurar a ordem num país onde cada vez mais a lei acabava por favorecer o criminoso. Muitos direitos, pensava, favorecem quem não tem nada a perder e pratica o crime, contra cidadãos como ele, que tem muito a perder, por serem de bem, por possuírem família, bens, e temerem a ilegalidade por ela significar justamente a perda de tudo isso.
“Mas já não tenho nada a perder, mesmo”. Valéria, quando morta, estava grávida. Foi um duro e terrível golpe para João, que fora criado por uma tia solteira depois que os pais faleceram, quando tinha oito anos. Em Valéria João havia encontrado algo mais importante do que os bens materiais que alcançara ao longo de uma vida de estudo e trabalho: o amor. Não que não tivesse tido outras mulheres, mas é que desde a primeira vez que viu a linda mulher de cabelos castanhos, sentiu que ela era diferente. Ele a admirava e a desejou para si como nunca antes desejara uma pessoa. Sentia-se amado, respeitado e querido de uma forma especial.
Parou o carro no ponto combinado, na entrada de São Leopoldo. Desceu e caminhou um pouco. Enxergou o Vectra cor de vinho estacionado. A porta estava aberta, como lhe haviam dito. Entrou no banco de trás, colocou o capuz e esperou. Passaram-se uns cinco minutos, aproximadamente. Percebeu que um homem entrou no carro, pela porta do motorista.
- Agora eu vou te levar para a cerimônia. Não tema – falou a voz desconhecida.
João Pedro permaneceu quieto. Não temia nada, não estava nervoso. Afinal, não tivera escolhido vir até ali? Apenas a ansiedade, característica que lhe era natural, principalmente quando queria muito algo, como estar ali. Lembrou-se novamente de Valéria, de sua ansiedade quando chegou o dia do casamento. Mas afastou tais pensamentos, pois essa era uma lembrança muito doída, uma lembrança de felicidade, que abria feridas em sua alma atormentada pela dor, aumentando o seu sofrimento.
Depois de quase uma hora, o carro para. Desceu e não ouvia sons urbanos. O ar era mais leve. Devia ser um lugar bem afastado da cidade. Quando foi colocado para dentro do ambiente, sentiu quer já haviam outros homens consigo. Passou por duas portas, andando sobre um piso de madeira, e percebeu que alcançara um salão, pelo eco da porta se fechando atrás de si. O capuz foi tirado e ele pode ver o ambiente sóbrio, com poucas luzes vindo de pedestais junto as paredes de ambos os lados. O amplo salão estava, a sua frente, repleto de homens vestidos com batas azuis e capuzes brancos. Todos os olhavam. Um deles avançou dois passo à frente e disse.
- Bem vindo sejas a nossa seita, senhor João Pedro de Almeida Franco. O senhor fez bem em atender ao nosso convite e se juntar a nós.
Desde quando achara aquela carta embaixo de sua porta, alguns meses antes, sabia que chegaria até ali. Dizia a carta: “Nós sabemos o que você pensa e concordamos com você, João Pedro. Queremos mudar a situação. Se quer se juntar a nós, continue dizendo o que pensas , como de costume, que entenderemos o sinal e o procuraremos novamente, explicando-lhe melhor as coisas”. A princípio ficara até assustado, mas não contou o sucedido a ninguém. Depois de uma semana, resolveu dar o sinal. E mais cartas foram chegando, apócrifas, contendo pontos de vista sobre a realidade do país e como mudá-la, principalmente no tocante a violência. Sempre no final, a mensagem “Se quer se juntar a nós, continue dizendo o que pensas, como de costume, que entenderemos o sinal e prosseguiremos”. Olhava todos no serviço com desconfiança, pois alguém ali, ou em qualquer outro lugar, poderia estar por trás daquelas misteriosas cartas. Até que chegou a carta derradeira: “Senhor João Pedro, agora que já sabes o que pensamos, qual a nossa doutrina, a escolha é sua.. Saiba que não haverá retorno se vir conosco. Será um de nós por toda a vida. Abandono e traição são punidos com morte. Nunca saberá o nome ou verá o rosto daqueles membros que aderiram antes de você. Só saberá daqueles que lhe sucederem e, como você, apresentar-se-ão na cerimônia de advento. No início será conhecido por todos e não conhecerá ninguém. Depois com o tempo, conhecerá muitos e será reconhecido por poucos. Essa é a norma de sobrevivência da seita. É algo que assusta, que põe medo aos espíritos fracos. Nos importam os que enfrentam os temores por seus objetivos. Se for um fraco, não comente isso com ninguém, nunca, pois sofrerá as consequências. Quieto, terá a sua paz. Se vier conosco, embarcará num mundo obscuro e perigoso, mas poderá colocar em prática os seus pontos de vista. A escolha é sua. O sinal da sua escolha é a seguinte: não cumprimente mais ninguém de hoje em diante, apenas acene com a cabeça.. Entenderemos o sinal e, ao final do tempo determinado, lhe mandaremos instruções para a cerimônia de advento”.
Olhou novamente os homens de azul. Tinha dado um passo perigoso, mas importante em sua vida. Era a ratificação de sua mudança pessoal. Caminho sem volta. Estava seguro de que havia tomada a decisão correta, e certamente isso transparecia aos presentes, atentos ao seu olhar firme e a seu semblante impassível. Sabia que nunca conheceria a identidade dos que o observavam e que eles sempre saberiam quem ele era. Mas isso o deixou confortado, pois também ficaria incógnito aos que viessem depois.
- Muito obrigado, irmãos Incógnitos – disse, solenemente. Me recebem e eu os recebo. De agora em diante seremos um só, um poderoso conjunto.
Em breve a 2ª parte