I - Reminiscências Mortais
Era a segunda vez que entrava ali em toda sua curta vida. Doze anos de proibições infundadas e pouco explicadas só serviram para atiçar a curiosidade e a bravata de tentar algo errado. E se fosse realmente fazê-lo teria de ser rápido, escondido e silencioso.
Na triste ocasião anterior em que destrancara a porta do sótão, porém, não estava sozinho; vinha acompanhado daquele que, até hoje, era seu mentor e amigo, companheiro para tudo: seu avô.
- Vamos entrar aí vovô?
- Sim, não é isso que me pediu?
- É, mas vovó não gosta quando fala daqui de cima...
- Sua vó é uma velha louca, que eu amo muito - completou rapidamente. - Mas ela não sabe de algumas coisas.
- Ah… segredo vovô?
- Sim, segredo. Você consegue guardar um segredo Tato?
O garoto fez que sim com a cabeça.
- Bom garoto. Não deve falar pra ninguém que estivemos aqui. Nem pra sua vó. Nunca. Promete?
- Prometo.
Cruzou os dedos e deu dois beijos estalados nas juntas, como se aquilo selasse a mais séria das promessas. O velho afagou os cabelos ralos do menino e esboçou um sorriso pálido, como se pensasse duas vezes no que estava por fazer com o neto.
Agora é Tiago, crescido, não mais o "Tato", que segura a chave gasta em frente à porta. Olha fixamente para um ponto de luz difuso no chão à sua frente quando uma lágrima apressada abre uma trilha reluzente na poeira do ar. Tiago enxuga com o nó do dedo. Seria possível que memórias persistissem por tanto tempo?
"Sim, é" - pensou. - "Algumas permanecem por vidas inteiras e o único jeito disso não acontecer é caçá-la antes que ganhe força e venha assombrá-lo". E Tiago já havia sido assombrado tempo suficiente. A caçada ia começar. Respira fundo e coloca a chave no buraco com um som enferrujado, corroído. A resposta estava ali, em algum lugar, e ele precisa saber exatamente qual é.
Continua...