A vingança
Se tinha algo que tirava o Alfredão do sério era chamá-lo de Zé Ruela. Ninguém sabia ao certo qual era a origem do apelido. Mas que ele perdia a estribeira, isso todo mundo sabia. E o Alfredão não era mole não. Um baita de um alemão com quase dois metros de altura. Parecia um guarda roupa com as duas portas abertas.
Nazista convicto, teimoso, ignorante e briguento. Quando o Corinthians ganhava, bebia feito um gambá que era pra comemorar a vitória. Quando perdia, bebia ainda mais que era pra esquecer a derrota. E é ai que o bicho pegava. Por qualquer motivo sentava a mão no meio da orelha de quem o contrariasse.
Foi exatamente por causa disso, que aconteceu todo aquele rebosteio. Naquele domingo de sol a pino, ali pelos meados de outubro, o Corinthians perdeu para o Juventude, pelo campeonato brasileiro. Até ai tudo bem. Perder também faz parte do jogo, mas perder por 6x1, ai a coisa já muda de figura. O Alfredão ficou P...da vida.
—Tem que trocar essa porra desse técnico! O desgraçado é um covarde! Colocou o time na retranca e tomou no rabo! -Berrava ele completamente transtornado logo após o término do jogo.
O bar do seu Hermínio estava lotado. A televisão mostrava, ainda, os melhores lances da partida, quando o Ditinho Palmeirense chegou. Já foi entrando e tirando sarro.
—Timinho de merda. Contra o Juventude foi só seis. Quando pegar o Verdão vai ser no mínimo dez.
Não deu nem tempo de terminar a frase. Tomou um tapão no pé do ouvido, que caiu sentado. O pessoal segurou o Alfredão pra que ele não batesse mais.
—Pára Alfredão! Se tá ficando louco?
—Louco o cacete! Esse corno filho de uma safada tá querendo gozar com a piroca dos outros?
O Ditinho se levantou, ainda meio zonzo e com o ouvido zunindo, bateu as mãos na buzanfa pra tirar o pó e correu pra fora do bar. Lá dentro a turma tentava segurar o Alfredão.
—Se tá ferrado Alfredão! Isso não vai ficar assim não! -Gritou o Ditinho.
—Vai a merda seu filho de quenga! Some daqui se não eu quebro tua cara! -Ameaçou o Alfredão.
Seu Hermínio saiu de traz do balcão e ameaçou fechar o bar caso não parassem com aquela briga. A turma do deixa disso interviu e conseguiram, depois de muito lero-lero, acalmar os ânimos.
Ditinho foi embora, mas antes ameaçou o Alfredão, dizendo que ia se vingar.
O Alfredão começou a debochar, dizendo que o Ditinho não passava de um otário.
O coitado do Ditinho subiu a rua se moendo de raiva. Ele tinha que se vingar. Em cara que mamãe beijou, nenhum safado bate não.
Nos dias que se passaram, Ditinho não pôs mais os pés no bar do seu Hermínio. Ficou trancado dentro de casa se torturando num misto de vergonha e de ódio. Não se conformava de maneira alguma ter tomado, depois de velho, um tapa no meio da orelha, na frente de todo mundo. Não ia deixar barato de maneira alguma. -O Alfredão tá ferrado. Eu acabo com ele.-pensava a todo instante
Na Quarta-Feira à noite, logo após a janta, entrou em seu quarto, abriu a porta do guarda-roupa e tirou lá de dentro um pequeno baú revestido em folha de mogno em suas laterais e a tampa encapada com couro de duas tonalidades que formavam pequenos losangos em toda sua extensão. Retirou, de seu interior, um revolver 38 de cabo madrepérola, todo cromado e reluzente que se não fosse mortal, poderia-se dizer que era maravilhoso. Entupiu o danado até o talo e saiu pra rua.
Ditinho sabia que a aquela hora o bar do seu Hermínio deveria estar lotado. E com certeza o Alfredão também estava lá. O desgraçado iria pagar caro pelo que havia feito.
Desceu a rua, naquela noite calorenta de outubro, dividindo o espaço com os siriris que teimavam em bailar a sua frente e depois voavam em bandos para dentro de alguma casa atraídos pelo clarão de alguma lâmpada que alguém deixara acesa. Da calçada da casa de Dona Iracema, Ditinho já avistou seu desafeto encostado ao balcão tomando cerveja com o pessoal.
Foi chegando de mansinho, pé ante pé, calculista e premeditado como se fosse uma serpente preparando o bote. Quando chegou em frente à porta do bar gritou pro Alfredão, que estava de costas e ainda nem percebera que o Ditinho estava ali bem atrás dele.
—Ai Alfredão! Então quer dizer que eu sou um otário e você é o malandrão aqui do pedaço?
O Alfredão virou-se e já quis partir pra cima.
Ditinho sacou o trezoitão e apontou pra sua cabeça. Todo mundo correu. O Alfredão ficou ali estático, com os olhos esbugalhados, tremendo feito vara verde. O gigante amarelou.
Seu Hermínio botou as mãos na cabeça e gritou desesperado:
—Pelo amor de Deus Ditinho! Aqui dentro do bar não! Se tá ficando louco? Guarda essa porra!
—Não se mete não seu Hermínio! Eu vou mostrar pra esse desgraçado que em cara de homem não se bate.
Engatilhou o cão, aproximou o cano da cabeça do Alfredão e, a queima roupa, disparou três vezes.
Só que não foram três tiros não. Disparou três berros junto ao nariz do Alfredão, que chegou a sentir o bafo de cebola que o Ditinho havia comido na janta. Foram três berros em ritmo bem cadenciado.
—Zé Ruela! Zé Ruela! Zé Ruela!
O Alfredão que havia amarelado, se avermelhou na hora. Seus olhos xispavam faíscas de ódio para todos os lados, suas mãos se fecharam feito quebra nozes, ergueu os braços num gesto eminente de ameaça e retrucou de imediato a toda aquela ofensa que o Ditinho havia lhe dirigido;
—Zé Ruela é o rabo da tua mãe! Seu desgraçado! Filho de rapariga! Te dou uma facada tão grande na sua barriga que sou capaz de entrar dentro dela!
Meu Deus do céu! Tudo menos aquilo! Chamar o Alfredão de Zé Ruela era mil vezes pior do que tomar um tapa no meio da orelha. Podia até passar a mão no seu traseiro que ele não ligava. Porém chamar ele de Zé Ruela era querer ver o mundo desabar.
—É Zé Ruela mesmo! Zé Ruela! Zé Ruela!
Gritava o Ditinho, mangando da cara do Alfredão.
—Se você for homem larga essa merda desse revolver, seu filho de sirigaita. Larga pra você ver se não te quebro inteirinho!
Agora quem debochava era o Ditinho.
—Cê não tá com porra nenhuma seu otário! Seu loque! Seu... Seu Zé Ruela!
Alfredão colocou as duas mãos sobre a cabeça, num gesto violento de puro ódio. O homem até babava.
—Eu te mato seu corno! Larga essa merda pra você ver se eu não quebro teu pescoço!
—Cê mata merda nenhuma! Pra mim você não passa de um bunda lelê metido a valentão!
Seu Hermínio saiu de trás do balcão e pediu para o Ditinho parar com aquilo. Depois pegou o Alfredão e o levou para o fundo do bar.
O Ditinho colocou o revolver na cintura e antes de ir embora ainda gritou mais três vezes:
—Zé Ruela! Zé Ruela! Zé Ruela!
O Alfredão ficou tão nervoso que deu um murro na parede, com tanta violência, que estourou três azulejos. Enquanto isso o Ditinho subia a rua feliz da vida. Agora estava aliviado. Havia se vingado do Alfredão. Onde já se viu tomar um tapa no meio da orelha e ficar quieto. De jeito nenhum. Afinal ele era um homem ou um saco de batata. O seu Hermínio, coitado, pôs todo mundo pra fora e fechou o bar.
FIM
"Peço desculpas aos meus leitores por algum erro de ortografia, pois não sou escritor, sou apenas um humilde narrador de histórias. Caso encontrarem algum erro peço a gentileza de me avisarem para que eu possa fazer as correções necessárias. Muito obrigado."