A Descoberta
Era sábado de manhã. Uma manhã fria e cinzenta que afugentava os calorosos raios do sol, trazendo sombra e ventos gelados de inverno. Um sábado comum como qualquer outro, mas ainda assim um sábado único. Para alguns, para muitos ou para todos. Chuvoso ou ensolarado. Era um sábado especial para Fernanda.
Tinha folga aos finais de semana. Podia se estirar até tarde nos edredons. Podia sonhar. Podia sorrir. Aos sábados.
Morava com sua mãe que era sua melhor amiga. Mas naquele sábado estava sozinha, já que sua mãe estava viajando.
Fernanda era uma adolescente sonhadora, romântica, tímida e bastante reservada. Fazia seis meses desde que conheceu Gabriel, o amor de sua vida. Ele era tudo o que ela precisava. Era o sorriso que lhe faltava, era o abraço esquecido, era a chama do estar vivo. O amor sussurrava em seus ouvidos, momentos eternos, profundamente gravados em sua memória. Os maiores desejos e os maiores medos pulsavam, na sua cabeça e no seu coração. O que sentia era inexplicável. Apenas sentia. O sentimento que a tocava.
O barulho do telefone soou gritante, cortando doces sonhos açucarados em nuvens de algodão doce esfareladas. Fernanda se virou na cama e puxou o fone do gancho, atendendo com uma voz sonolenta.
De imediato se levantou e se ajeitou na cama, arrumando os cabelos.
- Quer que eu vá agora? Se quiser eu posso ir, é muito sério?
A expressão inevitável de assombro e preocupação vestiu o rosto de Fernanda. Ela terminou a conversa e desligou o aparelho. Entrou numa espécie de transe em meio a seus pensamentos. Por mais que tentasse evitar, uma lágrima rolava de seus olhos.
A tarde de sábado seguiu tão fria como a manhã, senão mais. Tudo estava mais frio e mais cinzento que de costume. A verdadeira era do gelo começava por dentro. Por dentro de Fernanda.
Ela caminhava assustada por entre vários banquinhos de um bar, na calçada da rua principal. Olhava para os lados, na esperança de ser reconhecida. Mas quando olhou pra frente encontrou o que queria, e ao mesmo tempo, tudo o que nunca queria ter encontrado. Gabriel estava sentado, com ele uma jovem mais ou menos da mesma idade que Fernanda. Uma jovem atraente que não era parente, e provavelmente, amiga também não. Ela estava com Gabriel.
- Nanda... - ele se levantou e foi até ela.
- Por que você me fez vir até aqui? - seu rosto estava vermelho e Fernanda já chorava.
- Eu quero te explicar.
- Por que você quer me humilhar assim? Eu te amo tanto, por que tá fazendo isso comigo?
- Espera... - ele a segurou
- Eu vou embora, Gabriel.
- Espera... Nanda... Espera - Ele limpava as lágrimas no rosto dela
A jovem na mesa observava tudo calada, mas parecia não se interessar muito na discussão, pois raramente olhava pra eles.
- Eu te amo tanto...
- Eu também te amo - disse ele tentando acalmá-la - Mas você precisa se acalmar pra eu poder te dar a notícia, tá ok?
Fernanda fez que não com a cabeça.
-Deixa pra lá, eu já sei de tudo.
-Já sabe de tudo o quê? Ora, eu nem falei nada ainda. – ele estava surpreso, alguém devia ter contado
- Nanda, aconteceu uma coisa ontem à noite, foi um acidente... e eu não queria te contar nunca, mas eu preciso ser sincero com você.. Eu não posso mentir pra você. Mas confesso que é o que eu mais queria, dói muito te machucar. – ele a abraçou
- Eu não estou com raiva de você, Gabriel, só não precisava ter feito isso, só não precisava ter me feito passar por isso aqui na frente de vocês.
-Eu achei que seria melhor pra você sair de casa pra eu poder te contar...
Ela limpou as lágrimas e se soltou do abraço dele, se virando e saindo do local.
A jovem na mesa não expressava absolutamente nada, estava dando a mínima pra tudo aquilo.
- Nanda, espera... - Gabriel chamou, mas preferiu não segui-la, pois estava se sentindo mal.
Ele voltou até a mesa onde estava a jovem, pegou seu casaco e saiu, sem trocar um olhar ou uma palavra com ela.
Fernanda tinha ido pra casa. Ele não queria a deixar sozinha agora que ela já sabia. Gostava muito dela, não podia deixá-la sofrendo. Mas ele sabia que nada iria adiantar. A dor que ela estava sentindo jamais iria passar. Ela iria carregar o luto pelo resto de sua vida. Ele não sabia como ela estava se sentindo, mas imaginava o quão terrível devia ser perder a mãe que morrera tão jovem e a amava tanto. Provavelmente, alguém havia ligado pra Fernanda do hospital e avisado. Foi melhor assim, ele não precisou contar. Ela já sabia.
Fernanda voltou para casa desiludida, passou pela sala e deu um abraço na mãe que estava sentada no sofá assistindo tv. Fernanda chorou, a mãe manteve a mesma expressão vazia, indistinta. Gelada.
-Eu e o Gabriel terminamos mãe...
A mãe continuou em silêncio.
-Ele... está com uma garota.. - ela limpou o rosto - ela é muito bonita, sabe...
A mãe ouvia tudo sem dizer uma palavra. Apenas a ouvia e sentia os abraços da filha como se estivessem a quilômetros de distância.
Foi então que passou a reportagem no noticiário.
"Quatro Jovens morreram esta sexta-feira em um acidente de carro"
As fotos de cada vítima foram aparecendo na tela. Fernanda observava. Os dois primeiros eram rapazes novos, mais ou menos de sua idade; A terceira era uma adolescente mais nova ainda do que ela. E a última era uma garota bonita e familiar, que Fernanda havia visto, há alguns minutos atrás, sentada num banquinho de bar.