A SORTE GRANDE

Tem um ditado que diz o seguinte: "O que não tem que ser seu não adianta chorar". E é a pura realidade. Quando tem que ser, ele vem igual a um passarinho em suas mãos. Todavia quando aquilo não era para fazer parte de suas conquistas, não tem jeito. A coisa emperra de uma tal maneira, que não vai para frente nem com reza braba. E por mais que você insista parece que aquilo teima em fugir de suas mãos, até que em um certo momento ou você desiste ou se arrebenta.

E foi o que aconteceu comigo a alguns anos atrás. Na época eu trabalhava no setor administrativo de uma grande distribuidora de gás ali na Vila Carioca, na zona leste de São Paulo.

A parte administrativa situava-se em um quarteirão da Avenida Presidente Wilson, enquanto o refeitório ficava no outro quarteirão. Fazíamos aquele  percurso todos os dias, na hora do almoço. E no caminho de um quarteirão para o outro existia um barzinho que as vezes parávamos por ali para fazer uma fezinha. Eu nunca levei muita sorte em jogo, tanto é que, nos cinco anos que ali trabalhei, nunca consegui acertar nem mesmo uma dezena.

Vez ou outra aparecia por ali, também, um tiozinho que vendia bilhetes da loteria federal, e na época não tinha essa quantidade toda de jogos que existem hoje, era só loteria federal,  jogo de bicho e nada mais.

Lembro-me perfeitamente. Era um sábado, e na época eu  e mais um pessoal  entravamos as onze  e saíamos ás vinte horas. E como fazíamos todos os dias, as treze horas, saímos para ir almoçar. Eu, o Eduardo japonês, o Paulão, e o Jorge. Pelo caminho o Paulão resolveu fazer uma fezinha no jogo do bicho. Parei com ele ali no barzinho enquanto os outros seguiram para o refeitório.

Desde cedo que ele não parava de falar que havia sonhado com o número cento e trinta e um. Ele jogou "dez cruzeiros" nesta centena valendo do primeiro ao quinto.

Já estávamos indo embora quando demos de frente com o tiozinho que vendia bilhetes da federal. O Paulão deu uma trombada com ele, derrubando alguns  bilhetes no chão. Ele pediu desculpas para o tiozinho e baixou-se para ajudá-lo a recolher os que haviam caído. E por incrível que pareça, justamente a série que ele pegou tinha o final cento e trinta e um.

Pura coincidência,  ou o destino estava ali cruzando os nossos caminhos? Não sei! Só sei que o Paulão arregalou os olhos e gritou para mim:

-----Caráculas! Olha só o número deste bilhete Ferretti!

Nem eu acreditei. Estava ali em nossas mãos. A série inteirinha. E mais que depressa o tiozinho já quis vender o seu peixe.

----Olha só a sorte batendo em suas portas! Vão querer ficar com ele?

O Paulão perguntou o preço. Não me lembro agora do valor, só sei que por ser uma loteria especial ele estava custando mais caro e o prêmio também seria maior. Lembro-me que na época, com o dinheiro do prêmio, comprava-se ali na Vila Alpina onde eu moro, umas cinco casas. O Paulão quis rachar comigo.

----Vamos comprar meio a meio? -Perguntou ele.

----Eu tô sem dinheiro Paulão. Tô com uma micharia aqui que malemá vai dar para aguentar até o fim do mês. -Respondi.

Por um azar danado tanto eu como o Paulão estávamos sem o dinheiro suficiente para comprar aquela série inteira. O Paulão pediu para o tiozinho se  dava para vender fiado que no fim do mês nós acertaríamos com ele.

----Vocês vão me desculpar, mas infelizmente não posso fazer isso. Hoje antes das sete horas eu tenho que acertar com o patrão e ele não admite fiado de maneira alguma.

----Então me vende só quatro pedaços! -Pediu o Paulão.

----Olha eu não estou querendo ser um estraga prazer, mas é que essa é a dezena do camelo e tem um cara ali na Juntas Provisórias que me encomendou uma série inteira dele. Se vocês quiserem ela inteira eu vendo, assim me poupariam de ir até lá.

O Paulão ficou super chateado, pois sonhara com aquele número e agora por uma incrível coincidência aparece inesperadamente o tiozinho da federal com aquela série inteirinha bem a sua frente e ele não tinha o dinheiro para comprar. Eu até que tinha a outra metade, mas só que se não desse aquele número na federal  eu estaria ferrado, pois precisaria daquele dinheiro para passar até o dia do pagamento. Era contadinho para o ônibus e para comprar pão e leite pela manhã. De maneira alguma eu iria tirar da boca da minha família para investir em jogo.

----Vamos fazer o seguinte: se caso o senhor não vender essa série até as dezoito horas, me faz um favor, passa ali na portaria da firma e manda me chamar, que eu vou ver se consigo arrumar o dinheiro. -Pediu o Paulão.

----Tudo bem! De repente o cara que me pediu nem esteja lá! Se caso eu não conseguir vender eu trago para você! -Respondeu o tiozinho.

----Legal! Não vai esquecer não heim! -Insistiu o Paulão.

----Não se preocupa não.  Se caso não der certo lá na Juntas Provisórias eu trago eles para você.

Despedimos-nos do tiozinho e fomos em direção ao refeitório. O Paulão não parava de reclamar, ele não se conformava por  não ter conseguido comprar os bilhetes. Almoçamos e voltamos para a firma. Durante o resto do dia o Paulão tentou arrumar a outra metade do dinheiro que faltava. Infelizmente estava todo mundo duro. Fim de mês, faltando ainda uma semana para o pagamento, quem tem alguma coisa se segura para não ficar duro, e emprestar o que o Paulão estava querendo era o mesmo que cobrir um santo e descobrir outro.

Por duas vezes ele insistiu comigo, e por duas vezes eu quase cedi ao sonho de ganhar aquela bolada toda. Porém eu pensava no pessoal lá em casa e desistia da idéia. Eu sempre fui assim, as vezes até me sinto um verdadeiro bobo, me preocupo demais com a minha família, e exatamente por causa disso perdi muitas oportunidades em minha vida.

Já era quase dezessete e trinta quando ele criou coragem e foi conversar com aquele que seria a sual última chance, o Senhor Orlando, o gerente comercial da empresa. Esperou ele terminar uma ligação ao telefone e assim que colocou o aparelho no gancho, pediu licença e entrou em sua sala. Depois de alguns minutos saiu com um sorriso de ponta a ponta, havia conseguido o dinheiro. Apenas pediu emprestado, não disse nada para o que era.

Veio correndo em minha direção todo feliz e mais uma vez insistiu comigo se eu não queria entrar de sócio com ele. Já tinha o dinheiro nas mãos, porém devido a nossa grande amizade, e talvez por desencargo de consciência, resolveu me convidar novamente.

----Não Paulão! Eu agradeço a sua consideração mas ultimamente eu ando com umas dívidas meio brabas e não estou podendo me dar ao luxo de ficar gastando com jogo. -Expliquei.

----Rapaz, depois não venha chorando para o meu lado não, heim! Eu estou querendo te dar uma chance de ficar rico junto comigo, você é quem está chutando a sorte para longe. -Brincou o Paulão.

Continuamos conversando por mais alguns minutos,  e quando o Paulão olhou para o relógio  viu que já eram dezoito horas e quinze mínutos.

----Putz! Será que o tiozinho vendeu o bilhete lá para o cara da Juntas Provisórias! Só faltava ele não me trazer os bilhetes  e de repente dar aquela milhar todinha! Eu vou querer morrer! -Resmungou o Paulão.

Na verdade  eu até torcia agora para o tiozinho não aparecer, pois já estava quase cedendo a pressão ilusionaria que esses jogos de azar exercem sobre o ser humano e gastando aquela micharia que eu tinha para entrar de sociedade com  o Paulão na compra dos bilhetes.

Já era quase dezoito e quarenta quando alguém veio correndo lá da portaria avisar o Paulão que tinha alguém querendo falar com ele. Por pouco o Paulão não devolveu o dinheiro para o seu Orlando, pois pensou que o tiozinho não viria mais.

----Caramba pensei que o senhor ia dar mancada comigo! -Brincou o Paulão ao vê-lo com os bilhetes na mão.

----Fiquei lá até agora esperando o camarada e ele não apareceu! -Respondeu.

O Paulão deu o dinheiro para ele e pegou os bilhetes.

----Boa sorte! E não se esqueça de mim! -Brincou ele com o Paulão.

----Pode deixar a sua caixinha está garantida. -Gritou enquanto voltava pelo corredor em direção ao escritório.

Mostrou-me rapidamente os bilhetes, não querendo que as outras pessoas vissem e por incrível que pareça mais uma vez ofereceu-me a sociedade nos bilhetes e mais uma vez eu chutei a sorte para longe. Primeiro por que realmente eu andava de dívidas até o pescoço e segundo por que eu sempre detestei jogos de apostas.  Por ser uma loteria especial os bilhetes estavam bem mais caros que o normal e aquela quantia  com certeza me faria falta.

Voltamos a rotina normal dos nossos serviços e acabei me esquecendo de tudo aquilo, pois agora concentrara-me em alguns pedidos que deveriam ser agendados para as entregas de segunda logo pela manhã.

Terminado o expediente despedi-me de todo mundo e dirigi-me a estação Tamanduatei para pegar o trem até São Caetano, e lá pegaria um ônibus até a minha casa.

O fim de semana transcorrera normalmente como qualquer outro. Futebol pela manhã no peladão ali do bairro, a macarronada na hora do almoço, uma soneca logo depois,  a tardezinha um dominó com a rapaziada e mais a noitinha encerrar o domingo com aquela tradicional musiquinha do Fantástico, anunciando que a segunda feira já está logo ali depois do próximo comercial.

Encontrei-me com o Eduardo Japones quando já estava quase chegando na empresa.

----O Paulão acabou de entrar! -Disse ele.

----Ele comentou alguma coisa com você? Perguntei.

----Comigo não! -Respondeu.

Encontrei com ele próximo ao bebedouro e a primeira coisa que perguntei foi sobre o bilhete.

----Eu não conferi ainda não! Sai de casa atrasado e não deu nem tempo de passar na lotérica! Vamos comigo lá na hora do almoço!

----Vamos! Ai eu já te ajudo a trazer o dinheiro da bolada! - Brinquei com ele.

Paramos a conversa e dirigimo-nos as nossas mesas ao vermos que o Cesário, que era o Gerente administrativo, vinha vindo em nossa direção. Cumprimentou todo mundo e avisou que faria uma reunião com o pessoal para acertar alguns detalhes referente aos pontos de vendas que estavam sendo implantados pela empresa. A reunião durou quase duas horas.  Logo após o seu término  todos voltaram aos seus lugares e reiniciamos os nossos trabalhos.

Quando deu treze horas o Paulão me deu um toque para ir com ele até a lotérica. Saímos rapidamente para que desse tempo de voltarmos dentro do nosso horário de almoço.

Quando chegamos na lotérica o Paulão já foi tirando os bilhetes do bolso para conferir. Verificou que a lista das milhares sorteadas que estavam afixadas a parede era ainda do final da  semana retrasada. Ele conversou com o Dono do estabelecimento que pediu para aguardar um pouquinho, pois  esquecera de colocar a lista do último fim de semana. Depois de uns dez minutos um dos funcionários veio com a lista e a afixou em seu devido lugar.

O Paulão abriu os bilhetes de maneira que pudesse ler a milhar inteirinha impressa no canto do documento. Assim que conferiu atentamente número por número, arregalou os olhos, fechou os punhos e desferiu um murro contra a parede.

----Puta que pariu!!! -Gritou.

Eu estava quase próximo a porta lendo um cartaz a respeito do pagamento do PIS, e tomei um baita de um susto, assim como também as outras meia dúzia de pessoas que estavam ali.  Corri em sua direção e já fui perguntando:

----Deu alguma coisa?

Ele apontou para a lista com as milhares do primeiro ao quinto prêmio que haviam sido sorteadas, mostrou-me os bilhetes e desabafou.

----Vai tomar no rabo!!! Não deu merda nenhuma! Olha aqui!

Realmente não deu nada. Nem perto passou.

                            Fim

                        rsrsrsrsrs