PASSAGEM PARA O FUTURO

20 horas do dia 24 de Dezembro de 2008

Tiago se ajeitou no banco do ônibus depois de um longo dia de trabalho em uma loja de roupas no centro de São Paulo. Trazia consigo uma pequena cesta de natal que ganhara do gerente da loja. Dentro havia um panetone, uma champanhe, um litro de vinho e um litro de whisk. O dia fora exaustivo, muita gente fazendo compras de última hora. Queria mais era chegar em casa, tomar um banho e curtir o natal com a família e a namorada. Completara vinte e dois anos em novembro e Mirtes a sua namorada faria vinte anos em janeiro.

Convidaram os primos e uma pequena galera ali do bairro para a ceia da meia-noite. Tirou o celular do bolso e ligou para a namorada, queria confirmar se já estavam preparando a mesa e se o rapaz do mercado havia entregado os refrigerantes e as cervejas que ele havia encomendado. Pediu para a Mirtes que não se esquecesse de colocar tudo na geladeira, pois não queria servir nada quente para os amigos. A festa prometia, era uma bagunça danada quando juntava toda galera, e a balada rolava a noite toda. Depois no outro dia era só risadas quando recordavam tudo que de engraçado havia acontecido durante a festa, aquilo gerava assunto para o ano todo.

Já mais tranqüilo, depois de ter confirmado com a Mirtes que tudo estava sob controle e que a galera já estava começando a chegar, encostou a cabeça na janela do ônibus e resolveu tirar um cochilo. Iria descer no final mesmo, qualquer coisa alguém o acordaria.

O ônibus deu a partida, saindo ali do Largo Santa Cecília em sentido a Vila Sabrina. O percurso todo era feito em mais ou menos quarenta minutos. Assim que o ônibus começou a rodar não demorou muito para que ele acabasse dormindo, o dia realmente fora bastante cansativo.

----Ei rapaz! Acorda! Aqui não pode dormir não!

Tiago acordou meio assustado e, com os olhos ainda embaçados, visualizou um senhor a sua frente usando uma roupa que se assemelhava a uma fantasia do filme guerra nas estrelas. Ficou olhando para ele por alguns segundos tentando entender o que estava se passando.

----Já chegamos no ponto final? -Perguntou o Tiago.

----Esse aqui já faz mais ou menos uns quinhentos anos que chegou no ponto final! -Respondeu aquele senhor dando risada.

Tiago levantou-se e olhou a sua volta. Ficou completamente atordoado diante daquela situação constrangedora de quando se acorda dentro de um ônibus e não conseguimos saber aonde estamos.

----Eu acho que peguei o ônibus errado! -Falou Tiago

O homem ficou olhando meio surpreso como se estivesse achando que ele fosse louco ou qualquer coisa parecida.

----O senhor está se sentindo bem? -Perguntou.

O Tiago não respondeu nada, apenas limitava-se a olhar tudo em volta sem entender o que estava acontecendo.

----Me parece que o senhor não está se sentindo bem! -Indagou novamente aquele senhor.

----Onde nós estamos? Não estou reconhecendo este lugar! Eu acho que peguei o ônibus errado! -Argumentou o Tiago completamente atordoado.

----Olha rapaz eu não sei o que está acontecendo com você! Mas aqui não é nenhum terminal de ônibus não , aqui é o Museu dos Transportes Coletivos, e nós já vamos fechar.

-----Museu? -Indagou o Tiago completamente confuso.

----Sim, museu! Se você entrou aqui é por que sabia onde estava entrando! -Respondeu o homem.

----Olha meu senhor eu peguei um ônibus na intenção de ir embora para minha casa! Só isso! Não estou nem um pouco interessado com museu em plena véspera de natal!

----Tudo bem! Pouco me interessa para onde o senhor está indo! Nós vamos fechar o museu, que aliás já estamos dez minutos atrasados, o horário de funcionamento aqui é só até as vinte horas!

Tiago olhou para o mostrador do relógio e percebeu que eram vinte horas e doze minutos, sua cabeça entrou em pane, fazia pouco mais de dez minutos que havia entrado naquele ônibus, não estava conseguindo entender como, neste curtíssimo espaço de tempo, foi parar ali dentro daquele museu. Mais uma vez olhou tudo em volta tentando ver se percebia alguma câmara filmando o dialogo dele com aquele senhor.

----De que emissora de televisão vocês são? -Perguntou o Tiago.

O homem mais uma vez permaneceu em silêncio apenas olhando para ele, como se realmente achasse que o Tiago estivesse com algum tipo de perturbação mental.

-----Eu já sei... deve ser algum tipo de pegadinha? Tá legal vocês conseguiram me enganar! Agora chega, hoje é véspera de natal e eu tenho compromisso com uma galera de doido lá em casa! -Argumentou o Tiago.

----Olha cavalheiro, eu acho que o senhor não está batendo muito bem da bola, não! Vamos fazer o seguinte só me entrega a autorização de visita e depois vai embora para a sua casa festejar o natal com a sua família. -Respondeu-lhe o homem.

Tiago sentou-se novamente e agora era ele quem permanecia em silêncio.

----Por favor me entregue a sua autorização de visita cavalheiro! Pediu novamente o homem.

Tiago continuo sentado e apenas limitava-se a olhar para aquele senhor esperando que parassem com aquela brincadeira.

-----Olha rapaz já estamos vinte minutos atrasados! Se você não me entregar a autorização de visita e ir embora eu serei obrigado a chamar o pessoal da segurança!

----Pois eu só saio daqui quando este ônibus parar onde eu tenho que descer. Eu não paguei para vir a nenhum museu, eu paguei para ir para minha casa, só isso! -Retrucou o Tiago.

----Então deve fazer muito tempo que o senhor está dormindo ai, pois já fazem mais de quinhentos anos que este ônibus parou de circular. -Respondeu o homem.

----Tá bom! Tá bom! Eu assisto televisão todos os dias e esse tipo de pegadinha já é mais velha que fazer cocô agachado. Agora eu só quero ir embora e curtir o Natal com um monte de gente que está me esperando lá em casa, e vocês estão querendo estragar a minha festa!

O homem olhou para o Tiago e preferiu permanecer calado. Desceu do ônibus pegou um aparelho e comunicou-se com alguém. Não demorou muito e quatro brutamontes com roupas tão esquisitas como as daquele senhor chegaram em um veículo que o Tiago nunca tinha visto em sua vida. Ele não tinha rodas e parecia flutuar a alguns centímetros do chão.

----O que está acontecendo aqui? - Perguntou um deles.

----Esse cavalheiro parece não estar se sentindo muito bem. -Respondeu aquele senhor que parecia ser o vigia do lugar.

----Está tudo bem com você? -Perguntou um dos seguranças.

----Estava até a alguns minutos atrás antes de eu embarcar neste ônibus! Agora por favor dá para vocês pedirem para o motorista ligar essa droga e parar com essa brincadeira. Eu só quero chegar em casa antes da meia-noite.

Tanto os seguranças como o vigia apenas entreolharam-se sem dizerem nada. Um deles, que parecia ser o encarregado, chamou todos a um canto e começaram a conversar baixinho, o que deixou o Tiago ainda mais nervoso, pois percebeu que eles não queriam que ele escutasse a conversa. O vigia gesticulava como se estivesse explicando para eles o que havia acontecido. Depois de alguns minutos aproximaram-se novamente do Tiago e o rapaz que parecia ser o encarregado perguntou-lhe:

----Por gentileza qual seu nome?

----Tiago!

----Olha Tiago, meu nome é Jardel, o horário de visitas ao museu encerra-se às vinte horas, já são vinte horas e trinta minutos e nós precisamos fechar. Só queremos que você nos devolva a autorização de visita e pronto, cada um vai para a sua casa festejar o natal e tudo vai acabar maravilhosamente bem.

Um dos seguranças entregou um folheto para o Tiago.

----Hoje é o último dia de visitação, vamos entrar em recesso e só voltaremos depois do ano novo. Ai neste folheto tem as datas de visitações e os horários, é só seguir o calendário e o senhor poderá voltar quantas vezes quiser.

----È mesmo? Puxa vida que legal!!! Olha com certeza vocês vão ser indicados para receber o troféu de melhores interpretes na festa do Oscar de 2008! -Zombou o Tiago.

----È uma pena que não inventaram ainda a máquina do tempo para voltarmos a 2008, assim poderíamos regredir no passado quinhentos anos para recebermos o prêmio. -Se justificou o vigia.

----Vocês são uma gracinha mesmo! Agora meus amigos vamos parar de brincar de passado e futuro e acabar com essa palhaçada! -Retrucou o Tiago.

----Bom cavalheiro se tem alguém aqui fazendo palhaçadas, esse alguém é o senhor, pois já são vinte horas e quarenta minutos e o senhor insiste ainda em pegar um tipo de condução que hoje faz parte de um museu. -Disse um dos seguranças

----Ah tá legal! Então quer dizer que vocês estão querendo colocar na minha cabeça que nós não estamos mais em 2008? Que é isso? È lavagem cerebral ou o que é? -Perguntou Tiago já começando a ficar nervoso.

----Pois bem, senhor viajante do tempo, agora sou eu quem peço para que pare com essa palhaçada! Nós estamos em 2508 e se o senhor insistir em afirmar ao contrário serei obrigado a levá-lo para marte e deixá-lo internado em uma das nossas colônias interplanetárias. -Gritou com ele o encarregado.

Tiago começou a rir. Aquilo tudo só podia ser brincadeira.

----Sinceramente eu não estou acreditando no que está acontecendo. Olha meu amigo eu peguei esta porra deste ônibus ali no Largo Santa Cecília, depois de trabalhar o dia todo em plena véspera de natal e eu gostaria de saber quem é o idiota que armou essa presepada pra cima de mim. -Argumentou o Tiago.

Eles se afastaram novamente do Tiago e outra vez puseram-se a conversar baixinho de maneira que ele não pudesse ouvir. Aquele, que deveria ser o encarregado, tirou do bolso um pequeno aparelho e comunicou-se com alguém. Tiago levantou-se e resolveu ir embora. Um dos seguranças o segurou.

----Calminha ai rapazinho que agora nós temos algumas dúvidas para resolver! O que você tem ai nesta sacola?

----È uma cesta de natal! -O Tiago abriu e mostrou para eles o que tinha dentro.

Os seguranças ficaram surpresos com aquilo. Examinaram detalhadamente parecendo não acreditarem no que estavam vendo.

----De onde você roubou isso? -Perguntou um deles.

----Tá ficando louco? Eu ganhei essa cesta do meu encarregado! -Defendeu-se o Tiago.

----Do seu encarregado? Isso são peças raríssimas! Só são encontradas em museus! Vamos ter que levá-los para fazermos uma averiguação!

Tiago olhou para o relógio e viu que já eram nove horas e dez minutos. A brincadeira havia passado dos limites. Quando ouviu dos seguranças que ele seria detido, não teve dúvidas empurrou um deles e quebrou uma das garrafas ficando com apenas o gargalo na mão como se fosse uma arma.

----O negócio é o seguinte; ou vocês param com essa babaquice ou eu corto o pescoço do primeiro que se aproximar de mim. Eu estou falando sério, não estou com brincadeira, não! -Ameaçou o Tiago segurando o gargalo da garrafa com uma das mãos.

Por precaução os seguranças se afastaram e um deles tentou dialogar.

----Olha rapaz, é melhor você largar isso! Não queremos machucá-lo!

----Eu estou avisando não põe a mão em mim! -Gritou o Tiago.

O rapaz que havia se identificado como sendo o Jardel, não teve dúvidas, tirou um pequeno aparelho do bolso e apontou em direção do Tiago. Ele apenas ouviu um som parecido com um zumbido e logo em seguida sentiu as pernas bambearem e as vistas escurecerem. Depois apagou por completo.

----Acorda! Acorda!

Tiago levantou-se rapidamente ao sentir que alguém o sacolejava. Ainda atordoado viu a sua frente o cobrador do ônibus rindo ao vê-lo apavorado daquela maneira. Ele permaneceu ali estático por alguns segundo apenas olhando em volta tentando se localizar.

----Ponto final! -Gritou o cobrador.

----O que foi que vocês aprontaram comigo? -Perguntou o Tiago.

----Nada! Você está dormindo ai desde que saímos lá do Largo Santa Cecília.

Tiago olhou para o relógio e viu que já eram vinte e uma horas e vinte e cinco minutos.

----Caramba! Já são quase nove e meia! Por que demoramos tanto assim para chegar? -Perguntou ele.

----Você estava dormindo e não viu nada. Fazia mais ou menos uns dez minutos que havíamos saído do ponto quando ouvimos um estrondo e logo em seguida as luzes se apagaram. Pelo jeito foi um apagão geral, não tinha um semáforo funcionando. Tivemos que vir bem devagar no meio da escuridão para evitar algum acidente e também o trânsito virou um caos em alguns locais. -Explicou o cobrador.

----Caraculas eu não vi nada! Na verdade eu estava era sonhando esse tempo todo... e que sonho!

----A energia voltou quando já estávamos quase chegando aqui no final. -Falou o cobrador.

O Tiago pegou a cesta de natal e percebeu algo estranho. A tampa estava aberta e havia uma garrafa quebrada.

----Putz! Fiz uma meleca danada aqui atrás. Uma garrafa quebrou e sujou todo o assoalho do ônibus. -Desculpou-se o Tiago.

----Não esquenta a cabeça não... hoje é natal! -Brincou o cobrador.

O Tiago se despediu desejando um Feliz Natal ao cobrador e ao motorista.

O cobrador pegou uma vassoura e começou a varrer o interior do ônibus. Avistou um folheto jogado sobre o banco onde o Tiago estava sentado e movido pela curiosidade leu o que estava escrito.

"MUSEU DOS TRANSPORTES COLETIVOS

Desejamos a todos um feliz 2509

Entraremos em recesso no dia 24 de Dezembro

e retornaremos as nossas atividades

no dia 02 de janeiro"

Ele balançou a cabeça e deu risada, depois amassou o folheto e jogou-o pela janela.